Catalogado como ficção científica,
O Problema dos Três Corpos é uma fábula sobre o universo desconhecido sem nunca tirar os pés da vasta China e da sua vontade de expansão planetária. A questão da física em que se suporta surgiu em 1747 e ainda hoje tem várias interpretações.
te da trilogia O Passado do Planeta
termina, já o conteúdo das páginas tem laivos de atualidade, até de uma China que ultrapassou os tempos tenebrosos de Mao e se prepara para liderar o planeta ao querer adiantar-se às restantes nações, como o livro mostra.
Esta realidade já é bem conhecida e cada vez mais o olhar sobre o poder da China contemporânea é alterado pelo que acontece no espaço da sua geografia e no alargamento da sua influência. Tanto que quando se acaba a leitura de O Problema
digerida a sua história, poderá o leitor dar-se a pensar que além de um livro prodigioso estamos também perante uma das melhores campanhas publicitárias sobre a maravilha que é aquela república a certos níveis do desenvolvimento científico. A China, fica-se com essa certeza, está na frente das tentativas de encontrar outros sítios do imenso universo que nos cerca onde exista alguma espécie de vida.
Liu Cixin sabe do que fala quando pega na Revolução Cultural e a coloca como base da inovação dessa busca por vida extraterrestre, mesmo que ao princípio não se perceba o alcance da sua maquinação literária. Mas é ficção científica e todos os artifícios da escrita resultam se houver uma ansiedade em saber mais, criada de forma incessante pelo autor em sucessivos regressos ao passado e fugas para o futuro. Ou seja, entrega à narrativa um ritmo de policial e de intriga histórica que gera sempre mais e mais interrogações, a par das implicações de uma tecnologia como se esta fosse também um protagonista. No entanto, a política está sempre presente, o que fará pensar na campanha publicitária atrás referida, quanto mais não seja porque a história das últimas décadas do atual regime chinês é bem castigada, sendo que, conforme se vai avançando no tempo, essa crítica é suavizada e a cúpula governativa, os militares, a polícia, que orienta os destinos do povo chinês são perdoados em nome da trama. Tudo aquilo que fez sofrer milhões de pessoas, mais do que qualquer outra situação resultou em grandes avanços ao nível da ciência.
O conflito entre a Terra e Trisolaris que rege a trilogia pode ser lido como uma metáfora da ressurreição da China após tudo o que lhe aconteceu no século passado e nada melhor do que a ficção científica para tratar dessa reabilitação nacional. Ao utilizar como matéria-prima tudo o que o escritor viveu e assistiu à sua volta, torna-se mais fácil estabelecer uma estrutura perfeita que casa a ficção científica com os manuais de história que retratam a evolução da humanidade, transferindo-a em paralelismos que fazem soar uma campainha no cérebro para uma civilização algures, aquela que é vítima das forças gravitacionais que o problema dos três corpos levantado por d’Alembert é aproveitado como um cenário perfeito para uma espécie que inveja as condições da Terra em vez das daquele astro onde vive.
A situação inicial do livro, China, 1967, é bem conhecida de Liu Cixin e enquadra-se nesse duplo sentido de quem aponta defeitos ao maoismo, uma situação que de certo modo interessará às lideranças que se seguiram, desde que feita de modo razoavelmente bem comportado. Afinal, o escritor nasce nessa época, o pai era responsável pela administração de uma mina e a mãe professora, ambos “vítimas” das exigências da Revolução Cultural. No entanto, o autor estudará até à universidade, diplomando-se e trabalhando como engenheiro informático no setor da energia. Toda essa autobiografia está refletida no livro em personagens principais ou secundárias, bem como toda uma série de perfis de protagonistas chineses – e de situações reais – que se identificam sem dificuldade.
Não será por acaso que Liu Cixin é avesso a falar de questões políticas desde que foi traduzido em duas dezenas de línguas e vendeu mais de oito milhões de exemplares da trilogia, além de ter recebido o prestigiado Prémio Hugo para a ficção científica e o maior galardão chinês para o mesmo género, o Prémio Galaxy, por nove vezes, bem como ter páginas dos seus livros escolhidas para os exames de acesso às universidades do país.