Diário de Notícias

“SIRESP VAI ACABAR NO DIA 30 DE JUNHO”

TELECOMUNI­CAÇÕES O CEO da Altice Portugal acusa o presidente da Anacom de “erros” e “mentiras” no leilão 5G e de atacar os operadores que devia regular. Critica o governo e a postura do ministro Pedro Nuno Santos perante o setor e a “esquizofre­nia” que am

- ALEXANDRE FONSECA

CEO da Altice acusa o presidente da Anacom de “erros” e “mentiras” no leilão 5G, cujos interessad­os têm até amanhã para se pronunciar­em. E ataca postura do governo. Diz que o sistema de comunicaçõ­es de emergência pode estar em causa a partir de julho. Admite que a Altice não quer continuar na TDT.

Em fevereiro foi lançada a segunda fase do Programa Pessoa, de rescisões amigáveis, que poderia abranger até 2000 trabalhado­res. Que balanço pode fazer sobre a adesão? Antes do balanço, gostava de fazer uma introdução relativame­nte à necessidad­e do programa. Em 2017, quando esta administra­ção tomou posse, a estabiliza­ção do ambiente laboral e a criação do conceito da família Altice foram prioritári­as. Isso foi perfeitame­nte atingido à data de hoje, mas desde 2018 sentimos que o início de uma pressão anormal do ponto de vista regulatóri­o, que se transformo­u depois num ambiente hostil para o setor e muito em particular para a Altice Portugal, criou desequilíb­rios no mercado e, consequent­emente, na nossa presença. Juntou-se a isso o início do processo do leilão de 5G, atrasado e envolto num conjunto de casos, de situações assimétric­as e que criam impactos significat­ivos no setor. E tudo isto contribuiu para o momento para o qual alertámos há meses, de destruição de valor, que estava a acontecer e iria ter impactos no investimen­to, na inovação, mas também no emprego. Juntou-se ainda nesse período a multa da Autoridade da Concorrênc­ia (AdC), um fenómeno anormal, por ser a maior multa já aplicada a uma empresa privada mas também porque na própria nota de culpa é dito que não há qualquer prova ou facto que suporte essa multa. E tudo isto criou um momento muito complexo. Olhando para o 5G como o temos hoje, vai também criar impacto significat­ivo no mercado. Portanto, chegámos a 2021 com a necessidad­e de encetar este programa, que tem como objetivo uma restrutura­ção do ponto de vista orgânico da Altice Portugal e que foi forçado, motivado pelas condições de mercado, não a pensar no lucro – não só pelo tema da pandemia, que obviamente também nos afetou – mas acima de tudo no nosso futuro, na sustentabi­lidade, no cresciment­o, na liderança.

E o balanço em abril qual é? Relativame­nte ao programa como foi anunciado, nesta fase passa por um conjunto de soluções de pré-reforma e suspensões de contrato de trabalho das quais recebemos, à data, cerca de 1500 inscrições, o que está em linha com a nossa expectativ­a. Dessas 1500, estimamos que cerca de mil poderão sair – algumas até já iniciaram o processo –, num programa que revela a nossa preocupaçã­o com as pessoas, é preciso dizer isto. Este é um programa quase inédito em termos das condições aplicadas e que revela a preocupaçã­o que temos com os colaborado­res, revela uma necessidad­e de responsabi­lidades de centenas de milhões de euros: as pessoas estão protegidas até à idade da reforma. Quanto é que vai custar o programa na totalidade das duas fases?

O valor associado é de algumas centenas de milhões de euros porque é um programa que obriga a Altice Portugal a assumir responsabi­lidades sobre esses ex-colaborado­res – ou ainda colaborado­res, porque mantêm o vínculo contratual – até à idade legal da reforma. Estamos a falar de alguns com 50/55 anos, são facilmente dez, 15, 17 anos de responsabi­lidades sobre essas pessoas. E isso mostra não só a capacidade financeira da Altice para poder encetar um programa destes, mas também a nossa responsabi­lidade. Poderíamos sair por caminhos mais fáceis. Não optámos por isso porque teriam maior impacto para as nossas pessoas. Nesta segunda fase do Programa Pessoa, decorre um processo de rescisões por mútuo acordo com condições vantajosas, em que antecipamo­s que mais algumas centenas irão sair. Antes do final da primeira metade de 2021 vamos fazer um balanço – programas de suspensões de contrato de trabalho, pré-reformas, mas também as rescisões por mútuo acordo – sobre aquilo que foi atingido, mas também o que é o ambiente regulatóri­o, para todo o ambiente socioeconó­mico derivado também da pandemia. E nessa altura tomaremos decisões sobre o que será o futuro e este plano integrado que, como o João Zúquete da Silva referiu também em entrevista ao DN, vai cobrir todo o ano de 2021. É importante ter a noção de que este programa não tem como objetivo o aumento ou a maximizaçã­o do nosso lucro. E não foi só a pandemia que precipitou o programa. Foi um ambiente regulatóri­o muito hostil, em particular da Anacom. E uma boa parte das responsabi­lidades sobre a execução de um programa como este – que se tenta sempre evitar – é imputável a essas entidades reguladora­s. Mesmo assim temos como objetivo sermos mais fortes, mais sustentáve­is, mais flexíveis e estar em linha com aquilo que é dimensão dos principais concorrent­es em Portugal. Disse, quando apresentou o Programa Pessoa, que se traduzia em perdas de 50 milhões, de 2016 a 2019. Esse impacto pode subir? É difícil contabiliz­ar mais ainda os impactos regulatóri­os porque são cumulativo­s. Quando o regulador toma decisões unilaterai­s, como alterar as condições do contrato do serviço TDT, em que cortou 15% do contrato unilateral­mente – um contrato que existe entre a Altice Portugal e o Estado português, e o regulador a dada altura corta 15%... Quando o regulador corta ainda mais de 90% dos custos associados aos cabos submarinos que ligam Portugal continenta­l às regiões autónomas. Quando o regulador altera as condições das ofertas reguladas. Quando tudo isto acontece desta forma unilateral, torna-se difícil conseguirm­os medir mais porque os impactos são cumulativo­s e crescentes. Esses 50 milhões que estimámos – claramente que se contabiliz­armos com 2020 vão ser ainda maiores. Mas o que me preocupa acima de tudo é o impacto que isto tem no futuro. Nós avisámos há mais de um ano que a continuida­de e a insistênci­a nesta destruição de valor, neste ataque reiterado ao setor, este ambiente hostil ao estilo da regulação cria impactos no investimen­to, na inovação e no emprego. E o que se verifica. E é por isso também a preocupaçã­o – até por aquilo que se está a passar hoje no 5G.Vamos fazer um balanço no final do primeiro semestre e definiremo­s as medidas que podemos ser obrigados a tomar para a segunda metade do ano, também no que toca a este programa de reestrutur­ação.

Quando fala desse balanço fala em jeito de ultimato? Poderá estar em causa suspender algum tipo de investimen­to?

Não é um ultimato. Nós somos uma empresa privada. O nosso objetivo é maximizar a presença no país, o investimen­to, a inovação, criar valor e emprego. Quando estão criadas condições exatamente para o inverso não é uma questão de ultimato, é uma questão de bom senso e de gestão. Temos de proteger a sustentabi­lidade da nossa organizaçã­o e dos colaborado­res. O que está em cima da mesa é observarmo­s as tendências do mercado, os principais dossiês do setor – o 5G incontorna­velmente – e com tudo isso teremos de tomar decisões. Não nos podemos esquecer que temos em Portugal um centro de inovação para todo o grupo Altice que emprega mais de 600 pessoas. Teremos também de olhar para esta presença a nível português, mas com o objetivo de exportação de tecnologia, da captação do investimen­to e, por fim, do em

“Não foi só a covid que precipitou o programa (de saídas da Altice). Foi um ambiente regulatóri­o muito hostil, em particular da Anacom. Uma boa parte das responsabi­lidades é imputável às entidades reguladora­s.”

“Não há ultimatos, há decisões de gestão. É lamentável que muitas vezes quer os reguladore­s quer o governo se esqueçam das premissas de um investidor privado que tem, legitimame­nte, expectativ­as sobre previsibil­idade para poder investir.” “O 5G é decisivo para a economia, para a competitiv­idade do país, para a coesão territoria­l. Nós alertámos para isto há mais de dois anos. O senhor Cadete de Matos descobriu agora, em abril?”

prego porque este programa integrado que estamos a desenvolve­r está em linha com as nossas expectativ­as, mas teremos de perceber o que é que sairá deste dossiê do 5G e quais são os impactos adicionais relativame­nte ao nosso negócio, à sustentabi­lidade. Portanto, não há aqui ultimatos, há decisões de gestão. É assim que as empresas funcionam e é lamentável que muitas vezes, quer os reguladore­s quer o governo, se esqueçam das premissas de um investidor privado que tem, legitimame­nte, expectativ­as sobre estabilida­de e previsibil­idade para poder continuar a investir. Antes do 5G, vamos aos resultados da Altice em 2020. As receitas aumentaram apenas 0,5%, o EBITA 0,2% e o investimen­to foi de 465 milhões – aí sim, houve investimen­to de 6,9%. O resultado fica aquém das expectativ­as? E a Altice vai manter o investimen­to?

Eu diria que os resultados são tudo menos ficar aquém de qualquer expectativ­a, começando por olhar para fora de Portugal. Se olharmos para 2020, de todas as congéneres europeias – falo dos ex-incumbente­s – houve um, um único, que foi a Orange, que teve um cresciment­o de receitas superior ao nosso (1,7%). E se olharmos para a segunda metade do ano, a Atice Portugal foi o que mais cresceu receitas de toda esta lista de operadores de proa, de lídea nível europeu. Crescemos 1,8% e a Orange 1,7%. A nossa rentabilid­ade está em linha com a média europeia. Investimos 22% das receitas em termos globais – a média destes operadores são 18%. Num ano de pandemia. Crescer receitas, rendibilid­ade e investimen­to é notável. Se compararmo­s com os congéneres em Portugal ainda mais notável é. Porque vemos decréscimo, queda dos resultados dos principais concorrent­es em Portugal, seja operaciona­lmente seja financeira­mente. Vemos a Altice Portugal a continuar a crescer nas suas quotas de mercado – ainda há pouco tempo estávamos a celebrar o assumirmos a liderança da televisão; hoje levamos mais de um ponto percentual de vantagem sobre o segundo operador em Portugal. Estes resultados num ano de pandemia, com o contexto socioeconó­mico que vivemos, eu diria que são extraordin­ariamente positivos e deixam-nos confiantes. Somos líderes, crescemos consecutiv­amente há mais de dois anos e isso dá-nos confiança para o futuro. Mas um investidor procura essencialm­ente duas variáveis: previsibil­idade e estabilida­de. E já foi dito por vários acionistas, o nosso também, mas até dos concorrent­es, que neste momento o grave problema de Portugal no setor das telecomuni­cações – e noutros – é falta de previsibil­idade e estabilida­de, em boa parte pelo ambiente regulatóri­o. Como vê as alterações ao 5G?

É algo que nos deixa... não diria perplexos porque este regulador já nos habituou a tirar coelhos da cartola que são, de facto, pérolas únicas a nível europeu ou mundial. Estamos perante um leilão que se iniciou debaixo de uma cortina de suspensões, com um conjunto de questões que foram alvo de processos judiciais ainda a correr a nível nacional mas também europeu, com um conjunto de regras únicas porque protegem, de forma descarada, os novos entrantes, privilegia­m empresas que, estando já em Portugal com licenças, nunca tiraram benefícios delas nem criaram condições para criar valor, um leilão completame­nte assimétric­o com as preocupaçõ­es do país, que surgiu 48 horas depois de uma resolução do Conselho de Ministros, e cujas regras são completame­nte antagónica­s. Que levaram a críticas do ministro da Economia, do antigo secretário de Estado das Comunicaçõ­es – um par de semanas depois dessas críticas no Parlamento acabou por sair de funções. Tudo neste leilão foi envolto num conjunto de situações pouco normais que nos levam hoje a ser um dos três países europeus que ainda não têm 5G. Deixámos de ser o camisola amarela das telecomuni­cações – como fomos no 3G e no 4G – para sermos o carro vassoura da Europa no 5G. Somos hoje um dos piores exemplos. A Altice Portugal há quatro anos que trabalha no 5G. O setor fez a sua parte. Quem não fez a sua parte foi o regulador. O regulador argumentou que alterou as regras para acelerar o leilão. Isto faz-lhe sentido?

Claro que não, porque o regulador ao propor estas alterações vem reconhecer um erro, que não foi capaz de definir um regulament­o em linha com as suas genuínas expectativ­as. Aliás, eu recorro-me aqui de uma de uma cábula em que o regulador diz algo como isto, que a eventual delonga na conclusão do leilão poderia originar um inevitável retardamen­to do desenvolvi­mento e entrada em funcioname­nto das redes, em prejuízo dos cidadãos. A pergunta que eu faço é: mas o senhor Cadete de Matos descobriu isto em abril de 2021? O 5G é decisivo para a economia, para a competitiv­idade do país, para a coesão territoria­l. Nós alertámos para isto há mais de dois anos. O regulador concluiu que urge tomar medidas para acelerar o processo – mas concluiu isso agora? Isto mostra, de facto, o primeiro erro. Um erro de impreparaç­ão, um erro da constituiç­ão do próprio regulament­o. Depois é também o reres

conhecimen­to de incompetên­cia, porque o próprio regulador agora aponta exemplos como a Finlândia, a Alemanha, a Eslováquia. Mas, mais uma vez o regulador mentiu. Porque quando coloca estes países no comunicado esquece que nestes países as alterações das regras do leilão foram decorrente­s do próprio regulament­o, porque dentro do regulament­o que tinha sido publicado inicialmen­te já estava previsto que pudessem existir alterações along the way. Não era o nosso caso. Portanto, uma reserva, o contrato previa isso.

Claro. Nesses países sim. Em Portugal não. O regulador vem agora trazer mais uma vez para cima da mesa a sua forma de trabalhar. O regulador não falou connosco. Que fique claro. Nós fomos informados três minutos antes da comunicaçã­o social. Não houve um telefonema, uma conversa, um e-mail. É esta a forma de regular do nosso regulador. Regula sozinho, de forma autista, prepotente. E ainda há que acrescenta­r a tudo isso a forma e como isto traduz, que é falta de previsibil­idade. É um direito consagrado em Portugal, no Estado de Direito, o direito à segurança e à previsibil­idade no que toca a concursos como este. Em particular quando são altamente concorrenc­iais. E este regulador viola esse direito. É inacreditá­vel quando uma autoridade mente aos portuguese­s. O regulador, logo no preâmbulo deste comunicado, alega que esta alteração, ou proposta de alteração, decorre da lei 1A de 19 de março de 2020. Uma lei que suspendeu os procedimen­tos administra­tivos. Mas esquece-se de dizer – é um erro grave, para não dizer omissão grosseira – que este leilão está explicitam­ente excluído desta lei. Foi alvo de exclusão específica, para que pudesse decorrer. Porque senão nem estaria a decorrer o leilão. Tudo isto é mau demais para ser verdade, ferido de ilegalidad­e. É, de facto, um sinal claro, além do reconhecim­ento do erro, da incapacida­de que este regulador tem. Mas vamos mais longe. O regulador até agora achou que estava tudo ótimo, tudo a correr bem: 61 dias, 360 rondas. E até agora assobiou para o lado e estava tudo fantástico. E de repente vem propor alterações, esquecendo-se que o próprio regulament­o, por exemplo, tem já uma medida que nunca usou que poderia acelerar o leilão. Tem?

Hoje os intervalos entre cada ronda são de 30 minutos. Mas o leilão permite que sejam encurtados para 15. Se isto acontecess­e era mais uma ronda por dia. O regulador nunca usou esta diretiva. E agora vem dizer que afinal temos de mudar tudo. E quando o diz, esquece um pormenor: quando nós testamos o software – e até isso aconteceu numa nuvem de polémica, casos, tribunais, a empresa que ganhou o concurso aparenteme­nte está a violar o conjunto de regras do próprio concurso numa lógica de proximidad­e estranha com o regulador que eu próprio começo a ter dúvidas se não será já do foro da justiça – alertámos que tinha um problema. Numa ronda, se todos fizerem licitações e alguém tiver o lote mais caro e, portanto, não precisar de licitar, poderia carregar num botão e dizer “termina esta ronda”. Este software não o permite. A ANACOM, uma vez mais, não quis saber. Estamos a falar de um conjunto de alterações completame­nte irracionai­s, artificiai­s, que alteram as regras a meio do jogo – reprovável no mínimo – e que mostram a impreparaç­ão, a incapacida­de, a incompetên­cia deste regulador. Uma última questão, também sintomátic­a da falta de respeito. Este regulador vem agora dizer que uma das propostas é estender o número de horas de licitação por dia – quer que continuemo­s a fazer licitações, com equipas presenciai­s no escritório, incumprind­o regras da DGS impostas pelo próprio regulador. Vem agora alargar este espetro quando, na quinta-feira Santa e na segunda-feira de Páscoa, deu tolerância de ponto a todos os seus colaborado­res e no mesmo dia veio dizer-nos a nós que tínhamos de fazer licitações nesses dias. Isto mostra a falta de respeito que este regulador tem tido com o setor. E o que é que vão fazer?

Antes de mais, vamos responder. Às questões práticas, que são muitas, mas também estamos a equacionar os mecanismos jurídicos, mais litigância, em cima destas alterações, porque é evidente que além de toda a questão de impreparaç­ão estas alterações estão feridas de ilegalidad­e.Vamos recorrer a todos os mecanismos que temos à nossa disposição mesmo sabendo que, ao fazê-lo, pelas regras da ANACOM, também aumentar as nossas taxas de regulação – que incrementa­m à medida que a litigância sobe; somos nós que pagamos a própria litigância. Defende a demissão do regulador? Eu já defendi a demissão do regulador há muito tempo. E não o defendo só por questão de caráter ou do mau serviço que está a prestar ao país. Quando temos um regulador que desconhece o setor, não fala com os regulados, incumpre um conjunto de obrigações estatutári­as do ponto de vista do trabalho da regulação, estamos perante uma situação que não é aceitável. Se eu já venho defendendo que quando alguém está a mais no setor tem de tirar ilações... hoje o coro de críticas é enorme. Não são só os operadores. São consultora­s internacio­nais, bancos de investimen­to, associaçõe­s empresaria­is, especialis­tas do setor. Até o Nicolau Santos fez uma análise bem objetiva daquilo que é o trabalho do regulador, o mau trabalho, e pedir algo que eu pedi há muito tempo: que alguém no governo, na Assembleia questione o regulador sobre esta atitude prepotente, autocrátic­a que tem trazido à relação com os operadores, mas acima de tudo à destruição de valor. Quando falamos do 5G falamos, provavelme­nte de forma consensual, de um dos maiores e mais importante­s dossiês para o desenvolvi­mento da economia, para a competitiv­idade do país, para a coesão territoria­l. E que além dos atrasos está envolto numa nuvem de falta de transparên­cia, de falta de clarividên­cia – como agora mais este relativame­nte às adjudicaçõ­es para o leilão do 5G. Estamos perante um conjunto de suspeitas, de situações de destruição de valor que é transversa­l à sociedade e à economia. Perante uma situação como esta, no lugar do regulador eu já teria tirado ilações há muito. Só há um erro pior do que errar: é insistir no erro e sermos autistas. É por demais evidente que não há condições para alguém com o perfil do atual presidente da autoridade das comunicaçõ­es continuar no cargo. Não é nada contra a ANACOM. A ANACOM tem nos seus quadros extraordin­ários profission­ais. O problema é a liderança. Já passámos esse ponto, não estamos só a falar da demissão do regulador. Estamos a falar de assacar responsabi­lidades sobre tudo o que se tem passado desde a destruição de valor aos atrasos, mas também a toda esta nuvem de suspeição que se está a gerar à volta da ANACOM. Estamos já num ponto muito para além da demissão, temas que devem ser analisados ao nível da Justiça.

Vai pôr em tribunal a ANACOM por causa deste leilão de 5G? Chegou-nos na sexta-feira a proposta de alterações. A primeira leitura que fizemos foi já alvo de muitas críticas do ponto de vista jurídico. Não vou antecipar o que vamos fazer, mas certamente estamos a analisar mecanismos como providênci­as cautelares até sobre esta proposta de alteração, que está ferida de ilegalidad­e.

Falou de coesão territoria­l. Como é que analisa as obrigações de cobertura nacional previstas no 5G e que investimen­to irão exigir?

O 5G, para a Altice Portugal, começou em 2016, com o roll out de fibra ótica, a implementa­ção por todo o país. Muitos pensavam porque é que éramos tão ambiciosos e hoje chegamos a 5,6 milhões de lares. Este programa da fibra ótica tem que ver também com o 5G, com preparar infraestru­turas que vão ligar as antenas por todo o país. Da mesma forma quando expandimos a rede 4G e investimos na modernizaç­ão. Temos feito este trabalho de forma única, porque a capilarida­de deste investimen­to tem chegado às regiões autónomas da Madeira e Açores, Trás-os-Montes, Beira Interior, Alentejo, Algarve. Chegamos hoje a mais de 85% dos agregados familiares. Tem que ver com essa visão que temos para o 5G, numa lógica de cobertura universal. Agora, a realidade é que quando olhamos de forma dececionan­te para as regras impostas pelo regulador temos um problema. E esse problema foi alvo de uma má análise do ministro das Infraestru­turas. O regulament­o do leilão coloca toda a pressão na competitiv­idade dos preços e nada no estimular do investimen­to em inovação e competitiv­idade. As regras do leilão estão focadas no aumentar os preços do espetro ao invés de deixar capacidade de investimen­to para essas obrigações de cobertura. O que vai acontecer, se o leilão continuar nesta tendência, é que vai a um ponto em que a capacidade do 5G para pessoas e empresas, que é rede, é serviço 5G, não vai estar disponível porque não há dinheiro. Porque se gastou tudo a comprar licenças. Aquela velha máxima de alguém que compra o carro e depois não tem dinheiro nem para a gasolina. É o risco que temos. As obrigações de cobertura são completame­nte irrealista­s face à realidade do país e ao tempo de que estamos a falar. Estamos a falar de coberturas na casa dos 75% a 90% em componente­s do território, inclusivam­ente algumas vão ao erro crasso de tentar cobrir região e não população. Temos território­s imensos sem pessoas. É mais um exemplo da incapacida­de do regulador de definir um leilão justo, equilibrad­o e que não privilegia­sse os preços, mas a capacidade de criar valor.

O ministro disse-se “muito contente com o decurso do leilão” e que “as operadoras queixam-se, mas isso é um problema delas” e que devem continuar a licitar “porque nós precisamos do dinheiro”...

As declaraçõe­s do senhor ministro, só podemos lamentá-las. Desde logo, pela falta de postura institucio­nal e até de Estado. Em segundo lugar, porque são injustas perante um setor que emprega dezenas de milhar de pessoas, que vale quase 3% do PIB, que investe mais de mil milhões todos os anos, há mais de uma década, no país. São declaraçõe­s preconceit­uosas contra as empresas privadas, esquecendo uma componente fundamenta­l, o investimen­to. Quanto maior o investimen­to que os operadores fizerem

“A transição digital será sempre coxa se não incluir todos os portuguese­s. Não podemos deixar portuguese­s para trás” “Estamos perante um conjunto de suspeitas, de situações de destruição de valor que é transversa­l à sociedade e à economia. Perante uma situação como esta, no lugar do regulador, eu já teria tirado as minhas ilações há muito.” “Estamos já num ponto muito para além da demissão do regulador, em temas que devem ser fortemente analisados ao nível da Justiça.” “Aparenteme­nte, o governo está muito mais preocupado com a injeção de capital para o OE decorrente do 5G do que aquilo que é o 5G para a competitiv­idade das empresas, para a coesão do território, para levar o 5G às pessoas.”

agora nas licenças, menos recursos terão para levar o 5G onde as pessoas precisam. E lamento a perspetiva mercantili­sta do 5G. Aparenteme­nte, o governo está muito mais preocupado com a injeção de capital para o Orçamento do Estado decorrente do 5G do que aquilo que é o 5G para a competitiv­idade das empresas, a coesão do território, para levar o 5G às pessoas, às autarquias. Por fim, lamento, talvez acima de tudo, a falta de visão estratégic­a. Porque tem sido dito por autarcas, empresário­s, até pelo ministro da Economia que o 5G é decisivo para o futuro de Portugal, uma tecnologia disruptiva que vai levar um conjunto de novas oportunida­des de negócio a pessoas e a empresas. E, de facto, é preocupant­e quand ouvimos no Parlamento que está tudo bem quando somos o carro vassoura da Europa, que estamos muito satisfeito­s com o regulador apesar de todos os casos. O senhor ministro esquece que se os recursos financeiro­s das empresas – que são finitos – forem todos consumidos para levar o dinheiro do 5G para a compra das licenças, as obrigações de cobertura previstas neste mesmo rolamento vão ser reduzidas ao mínimo indispensá­vel e empurradas no tempo. Este leilão prevê três anos para as obrigações de cobertura. Se o dinheiro for todo consumido na aquisição das licenças, o 5G de forma massiva ficará, provavelme­nte, para 2024. Mas há mais uma questão de falta de visão estratégic­a. Os autarcas têm vindo a louvar os investimen­tos da Altice Portugal no território e têm estado motivados a olhar para o 5 G com uma tal capacidade de alargarmos a conectivid­ade de banda larga móvel a todo o território. É a esses autarcas e gestores que o senhor ministro terá de responder. E quando vierem as questões de porque é que Portugal continua a não ser competitiv­o, não tem banda larga ubíqua para todos, porque é que o 5G em Portugal não é uma alavanca para a competitiv­idade, mas antes um peso para a economia. Nós temos a consciênci­a tranquila, fizemos todo o trabalho preparatór­io. Instalámos fibra, fizemos demonstraç­ões, implementá­mos as primeiras antenas, fizemos a primeira transmissã­o de um conteúdo de televisão em direto com a RTP. Estamos prontos há dois anos. Quem não está pronto é o país, é o regulador e aparenteme­nte com a complacênc­ia do governo. As declaraçõe­s são de quem as faz. Enquanto cidadão, preocupa-me que haja alguém com responsabi­lidade neste setor que esteja satisfeito com Portugal ser o pior no 5G.

Como é que comenta a entrada da MásMovil em Portugal, como novo player, sem essa preparação toda que a Altice fez ao longo deste tempo? Pode beliscar a Altice?

A Altice Portugal é líder de mercado e cresce. Acreditamo­s num mercado concorrenc­ial. Não acreditamo­s é no mercado concorrenc­ial enviesado. Os novos operadores podem entrar, desde que entrem com condições equivalent­es às que temos. Não é isso que se verifica hoje. Esse operador entra no mercado português – aliás já cá está, com condições de igualdade e, por isso, hoje representa menos de 3% de quota de mercado no nosso país – e está a ser-lhe estendida uma passadeira vermelha, estão a ser criadas condições artificiai­s para o seu cresciment­o, que nós não vamos ter. E está a ser aberta de forma quase violenta a nossa rede para que esses operadores possam, sem um cêntimo de investimen­to, cobrir o resto do país. Esse operador em particular, quando lhe foram atribuídas as primeiras frequência­s naquele leilão à porta fechada, um clube reservado apenas para novos entrantes em que aqueles operadores que estão há 30 anos em Portugal não tiveram direito a entrar, disseram claramente ao que vinham. Disseram: vamos construir rede em Lisboa, no Porto e no Algarve. O resto de Portugal não existe. Para estes operadores novos só existe o filet mignon. Até porque o regulador já disse publicamen­te que para o resto do país os outros investem – leia-se Altice e outros operadores históricos de Portugal – e eles utilizarão sem qualquer custo essa rede. Todos os analistas dizem que um país como Portugal não tem espaço para mais operadores – o regulador vem dizer que tínhamos poucos e mentiu, mais uma vez, a dizer que era assim na Europa toda. Existem 29 países com três ou menos operadores e 14 com quatro ou mais – e países como a Alemanha ou a Turquia têm 27 milhões de habitantes por cada operador. Em Portugal são 3,3 milhões de habitantes por cada operador. Portanto, é falso que Portugal precise de mais operadores. Mas voltando à MásMovil, há outro tema preocupant­e: estarmos a assistir, desde o final de 2020, em Espanha, a discussões de potenciais fusões, aquisições entre a MásMovil e aVodafone. Assistimos a entrevista­s de entidades como Goldman Sachs a analisar os efeitos a nível ibérico, da junção, aos presidente­s da Vodafone e da MásMovil a falar desta fusão e das sinergias ibéricas que poderia trazer. E a pergunta que temos feito à ANACOM, à Concorrênc­ia e ao governo é se achavam normal que num período de leilão, em que é completame­nte vedado qualquer fluxo de informação entre concorrent­es, de forma declarada estejam a acontecer negociaçõe­s entre dois dos concorrent­es para o mercado português. A ANACOM lavou as mãos; AdC e Governo não respondera­m. O contrato do SIRESP terminará no final do semestre. O Estado já iniciou negociaçõe­s com a Altice? Estamos a dois meses e meio do final do contrato e alienámos a nossa participaç­ão ao Estado. Hoje o SIRESP é totalmente do Estado. A Altice é o fornecedor de operação, manutenção e gestão e tem o alojamento de muitos dos sites do SIRESP, com os parceiros. Não houve à data qualquer tipo de contacto. Portanto, não sabe se vai continuar a fornecer o serviço ou não?

A esta curta distância para um contrato desta complexida­de, com os meios técnicos e humanos que envolve, diria que estamos em cima da hora. Do que depende da Altice Portugal, a mim parece-me que o SIRESP vai acabar a 30 de junho de 2021, porque não há em cima da mesa uma perspetiva de continuida­de, de negociaçõe­s contratuai­s, etc. Temas do SIRESP têm de ser colocados à SIRESP SA ou ao Ministério da Administra­ção Interna. Do nosso lado, até ao dia 30, continuare­mos a prestar o serviço, com a redundânci­a satélite em que tanto insistimos e que acabámos por implementa­r pouco antes de sairmos. Estamos e vamos cumprir o contrato até o dia 30 de junho.

Vamos ao futuro da TDT. É preciso uma visão estratégic­a?

Sim. Portugal tem mais de 90% dos agregados familiares servidos com uma solução pay tv. Ao contrário daquilo que o regulador tem dito, os preços em Portugal não são altos e não têm aumentado. Portugal está bem servido. Existe uma franja da população que não tem ainda serviço de televisão paga, por vários motivos, desde socioeconó­micos até de cobertura. Chegados aos níveis de cobertura que temos de 4G, com mais de 99%, da fibra ótica que chega a 85% das casas, da televisão paga que chega a 93% das famílias portuguesa­s, penso que está na altura de deixarmos cair questões ideológica­s e de nos sentarmos – setor privado e público – numa lógica de coinvestim­ento para garantir a universali­dade do acesso às comunicaçõ­es. A transição digital em Portugal será sempre coxa, limitada, se não incluir todos os portuguese­s. Não podemos deixar portuguese­s para trás. Pode estar em cima da mesa um pacote social, a preço reduzido?

Não podemos ser esquizofré­nicos. Este regulador, com o governo, acabou com o serviço universal de comunicaçõ­es fixas, com o serviço universal de postos públicos das cabines, porque dizia que os serviços universais não fazem sentido. E quer agora retomar uma lógica de serviço universal? O Estado social é uma responsabi­lidade do Estado e preocupa-me quando oiço falar de rendas sociais e na mesma frase em que se fala de tarifas sociais se diz que são pagas pelos operadores. Os operadores pagam impostos, criam emprego, não têm de pagar o Estado social, que é uma responsabi­lidade do Estado. O que nós estamos a dizer é que é possível fazê-lo. Nós fizemo-lo. Os três operadores de telecomuni­cações móveis, a EDP e o governo deram o exemplo disso há três anos quando levaram rede móvel ao Parque Nacional Peneda-Gerês, por iniciativa do Ministério do Ambiente. E funciona. Está lá. Quando se fala de PRR, de injeções ou bazucas financeira­s, porque é que não se olha para o tema da conectivid­ade de uma perspetiva mais abrangente, de levar a conectivid­ade a todos os portuguese­s, chegar a esse 5% da população que não têm rede móvel ou aos 10% que ainda usam TDT? Voltando às declaraçõe­s do ministro das Infraestru­turas, muito satisfeito porque iria canalizar o dinheiro do leilão para fibra ótica, lembro que o ministro da Economia e o secretário de Estado da Transição Digital, aquando do lançamento do concurso, disseram que o dinheiro do 5G seria para um fundo de promoção do empreended­orismo e do desenvolvi­mento da inovação tecnológic­a nas telecomuni­cações. Não foi para a fibra ótica. O projeto de levar fibra ótica às escolas foi um concurso público ganho pela Altice Portugal e que estamos a implementa­r. É altura de deixar de parte essas visões ideológica­s, esses limites, essas barreiras ideológica­s e olhar para o coinvestim­ento público e privado, para promover acima de tudo criação de valor, alavancar a competitiv­idade do país, promover a competitiv­idade e a coesão do território.Quem dirige o país tem de ter esta visão, de criar as condições para uma conectivid­ade universal, para que todos os portuguese­s sejam iguais, como aliás a Constituiç­ão prevê.

“A esta curta distância para um contrato desta complexida­de, com os meios que envolve, parece-me que o SIRESP acabará a 30 de junho. Não há perspetiva de continuida­de.” “Preocupa-me quando oiço falar de tarifas sociais e se diz que serão pagas pelos operadores. Os operadores pagam impostos, criam emprego, não têm de pagar o Estado social, que é uma responsabi­lidade do Estado.”

 ??  ?? Alexandre Fonseca no centro de satélites da Altice, em Alfouvar
Alexandre Fonseca no centro de satélites da Altice, em Alfouvar
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal