Ana Jacinto
Mesma tempestade, barcos diferentes
Passou mais de um ano sobre o início da pandemia e, apesar de todos os esforços do governo, das pessoas e especialmente das nossas empresas e empresários, continuamos a enfrentar os mesmos avanços e reveses, o que tem vindo a minar a confiança, em queda livre para mínimos históricos.
É verdade que toda esta situação nos afetou de uma maneira ou de outra, mas não está a afetar todos da mesma forma e com a mesma intensidade: as empresas da atividade turística batem a sua mais direta “concorrência”.
Tudo o que faz o turismo e os estabelecimentos de alojamento turístico e de restauração e bebidas “mexer” está praticamente paralisado. A circulação das pessoas, que tem estado fortemente condicionada, a diminuição do poder de compra, o receio natural que uma situação destas provoca, as restrições – que são muitas – ao funcionamento dos estabelecimentos, tudo contribui para a situação dramática que as empresas destes setores hoje enfrentam.
No passado mês de março, o Banco de Portugal apresentou o estudo “A economia numa imagem”, e deste estudo pode ser retirada informação importante e muito relevante para se retratar de forma fiel o que se está a passar na nossa economia. Segundo os dados aqui constantes, cerca de 70% das empresas portuguesas já voltaram ou esperam voltar ao nível de atividade pré-pandemia, o que é uma boa notícia. Infelizmente, não para todos: os serviços de informação e comunicação, a construção e a indústria são os menos afetados pelas medidas de contenção, em contraste com as empresas do turismo, para as quais a perspetiva de voltar ao nível pré-pandemia não passa de uma miragem num horizonte ainda longínquo.
Apenas 2% (2%!) destas empresas já terão voltado ao “normal”, uma percentagem que fica a larga distância do seguinte setor mais afetado, o comércio, onde 26% das empresas já estão a funcionar normalmente. O alojamento e a restauração são também os setores com a maior proporção de empresas que espera ficar permanentemente abaixo do nível pré-pandemia.
O pessimismo que se extrai destes dados é chocante, mas infelizmente não surpreendente. Os serviços que envolvem contactos pessoais, como o alojamento turístico ou a restauração e similares, perdem em todas as vertentes: menor percentagem de empresas em funcionamento na primeira quinzena de fevereiro de 2021; as maiores reduções no volume de negócios (superiores a 75% no setor do alojamento e 55% na restauração); as empresas que necessitam de mais tempo para que a atividade regresse à normalidade (13,5 meses); as empresas com maior redução de pessoal ao serviço (77%), e empresas que sofreram maior impacto com as medidas de contenção, com 94% a conseguirem subsistir apenas por um período inferior ou igual a dois meses.
Estamos atualmente numa fase de algum (relativo) controlo e numa fase de desconfinamento, o que não deixa de ser um sinal de esperança, mas que ainda é muito incerto e que se prevê muito lento e gradual para o turismo, não permitindo uma recuperação de tal forma rápida que represente algum tipo de alívio na tesouraria das empresas.
Estas são razões mais do que suficientes para que se reforcem os apoios a estas empresas e aos seus trabalhadores. Não se pode tratar de forma igual situações (e setores) que são tão diferentes. É uma discriminação, sim, mas uma discriminação positiva e em benefício de todos, dada a importância desta atividade na nossa economia. Porque estamos todos na mesma tempestade… mas em barcos bem diferentes.