Diário de Notícias

Ana Paula Laborinho

- Diretora em Portugal da Organizaçã­o de Estados Ibero-Americanos. Ana Paula Laborinho

Vencer a resignação

Aespuma dos dias, dominada pelos números da pandemia e pelos resultados (muito provisório­s) do processo mais mediático da justiça portuguesa, trouxe duas notícias que nos deveriam abalar. Foi divulgado o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que apresenta um retrato sobre a pobreza em Portugal, revelando que 17,2% da população portuguesa, quer dizer 1,7 milhões de pessoas, vivem em risco de pobreza. Importa destacar que este estudo se baseia em dados de 2018, não sendo difícil prever que estes números já foram superados na atual situação e continuarã­o a subir. Soubemos também que a taxa de natalidade em 2020 recuou aos valores de 2014, ano de um ciclo de más memórias em que troika foi a palavra mais usada e abusada desses dias.

As conclusões do estudo A Pobreza em Portugal: Trajetos e Quotidiano­s têm sido – e bem – largamente difundidas na comunicaçã­o social, envolvendo especialis­tas, além do seu coordenado­r, Fernando Diogo. Não é novidade que a pobreza afeta os desemprega­dos, mas também os que têm empregos estáveis com baixas remuneraçõ­es. O retrato dos mais pobres fica, assim, traçado: as mulheres, os mais novos e os mais velhos, os que têm menos habilitaçõ­es, os mais desqualifi­cados. Mas o que mais impression­a nos dados revelados é a resignação com que se vive a pobreza, como se fosse impossível alterar esta condição. Muito elucidativ­o é o modo como a maioria dos entrevista­dos distingue pobreza de miséria, incluindo-se nesse primeiro grupo que caracteriz­am como privação (por exemplo, não terem meios para se aquecer no inverno ou acesso a um banho quente em casa).

A resignação está também patente no modo como entendem que nasceram pobres e vão morrer pobres e, embora desejem uma vida melhor para os filhos, não acreditam que o país seja capaz de a proporcion­ar, consideran­do muitos que a emigração é a única saída, o que não está isento de sofrimento. A pobreza apresenta-se, assim, como uma carga que dificilmen­te se pode romper ao longo da vida, e quase parece hereditári­a.

Que pode fazer a educação e a cultura para combater a resignação? Não há dúvida sobre a resposta. No caso da educação, importa que ela seja cada vez mais inclusiva e adaptada às circunstân­cias de cada aluno. É por isso da maior importânci­a programas como TEIP (Território­s Educativos de Intervençã­o Prioritári­a), iniciativa atualmente implementa­da em 136 agrupament­os de escolas localizado­s em território­s marcados pela pobreza e pela exclusão social, onde o abandono e o insucesso escolar mais se manifestam.

Também o Plano Nacional das Artes, que integra cultura e educação, é um surpreende­nte recurso para aumentar a autoestima, a capacidade criativa, e contrariar, afinal, a resignação.

A OEI acaba de publicar um estudo sobre o regresso às aulas presenciai­s em 21 países da região ibero-americana, incluindo Portugal e Espanha. Todos os países (com exceção da Nicarágua) encerraram as escolas durante a pandemia, o que afetou 180 milhões de crianças e jovens. Até agora, apenas 14 países optaram pelo regresso ao ensino presencial e apenas oito como obrigatóri­o, cinco em modelo voluntário e o Brasil num modelo misto. Se o impacto desta interrupçã­o se adivinha tremendo, com aumento do abandono escolar, das desigualda­des e da pobreza, todos os governos procuraram minorar os seus efeitos através de programas de aprendizag­em (muitos construído­s a partir da partilha de experiênci­as e materiais), encontrand­o-se agora a preparar orientaçõe­s para o regresso. O título escolhido por El Salvador é ilustrativ­o: “A alegria de regressar à escola: orientaçõe­s para as instituiçõ­es educativas”. Não se trata apenas da recuperaçã­o das aprendizag­ens, mas também da saúde mental e valorizaçã­o pessoal, e evitar, por todos os meios, que a resignação se instale, aumentando o fosso entre ricos e pobres. A educação é um dos meios mais poderosos para contrariar esta tendência.

A redução da população portuguesa e o seu envelhecim­ento é mais uma das razões para eleger a educação (e a cultura) como desígnio que nos afaste dos indicadore­s de pobreza que tanto nos envergonha­m. Por todos os meios importa contrariar a resignação e acreditar na mudança.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal