“O mais perigoso seria banalizarmos o estado de emergência. (...) Se é para desconfinar, o estado de emergência não deve continuar.”
“O plano de desconfinamento deve prosseguir de acordo com o previsto, mas é importante que haja flexibilidade, agilidade para, se necessário, atuar do ponto de vista local .”
Amédica pneumologista Raquel Duarte, que integrou a equipa que elaborou a proposta de desconfinamento pedida pelo governo, não tem dúvidas do que deve ser feito neste momento. “Devemos dar passos mais pequenos, mas seguros, que não prejudiquem o que se conseguiu até agora”, defendeu ao DN, após ter ouvido os colegas especialistas na reunião de ontem no Infarmed, em Lisboa. Raquel Duarte considera que “seria prudente esperar mais uma semana para ter a fotografia total da realidade no país, já com o impacto do desconfinamento na Páscoa e com a reabertura de alguns setores no dia 5 de abril, para se tomar depois uma decisão sobre o que fazer”.
É mais uma especialista que acompanha a evolução da pandemia desde o seu início a juntar-se a outras vozes. Na segunda-feira, Carlos Antunes, da equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que faz a modelação da evolução da covid-19, também defendeu o mesmo ao DN: mais tempo para decidir e a ponderação de se adiar o calendário de abertura previsto para dia 19.
Para Raquel Duarte, neste momento “ainda não há dados disponíveis que nos deem a fotografia real do impacto das medidas em vigor desde o dia 5. Não passaram 15 dias, e o que temos é um R(t) que mostra um aumento da grande transmissibilidade e uma incidência que tem vindo a crescer, devagar, mas a crescer”. Ou seja, argumenta, “a situação ainda está controlada, sem grande impacto a nível de internamento hospitalar, mas a verdade é que a incidência registada nesta semana é de 70 casos por 100 mil habitantes, enquanto há uma semana era de 60 por 100 mil. O R(t) está sustentadamente acima de 1 e a situação é de alerta”.
A professora da Faculdade de Medicina do Porto insiste que é preciso “ser prudente e esperar algum tempo antes de continuar o aliviar das medidas restritivas e de se abrir mais setores”, recordando que a proposta apresentada ao governo assentava mais na reabertura da sociedade pela avaliação dos dados do que na definição de datas. “Defendemos que mais do que datar ou que definir datas, o importante é olhar para
Antes de se avançar para o aligeirar de mais medidas, governo deve esperar por mais dados.
os dados e avaliá-los para se tomar decisões. É evidente que depois a opinião técnica não tem em conta uma série de outros fatores que a decisão política tem, como fatores económicos e sociais”, que “são importantes”, mas que não a fazem deixar de insistir que “seria prudente esperar, pelo menos, mais uma semana antes de se tomar uma decisão sobre o que fazer. Não datar, aguardar pelos dados”.
Outra das situações que a médica sublinha em relação à proposta apresentada no início de março a António Costa tem a ver com a reabertura e decisões a nível local. Uma medida que não tem sido aplicada pelo governo, que tem optado por passar de estádio para estádio de desconfinamento de igual forma em todo o país. “Na nossa proposta defendíamos que o aliviar de medidas fosse de acordo com o patamar de risco de cada concelho. Isto independentemente de todas as medidas de saúde pública que são implementadas no terreno. A classificação de risco em cada concelho permitiria o alívio ou não das medidas, mas o que foi feito é que todos os concelhos, independentemente do seu patamar de risco, passaram para o nível três do desconfinamento.”
Concelhos com maior risco não deviam aligeirar medidas
Em sua opinião, “a nossa proposta era muito mais lenta e, de certa maneira, mais cautelosa, porque previa que os concelhos com risco mais elevado não passassem de nível e se mantivessem no mesmo patamar”. Uma solução que pode
estar agora em cima da mesa, quando for tomada a decisão de passar para o nível três do desconfinamento, já que há concelhos, nomeadamente do Algarve e do Alentejo, que estão a registar maior incidência da doença comparativamente a outros. E uma das coisas que se percebeu, refere, “é que a perceção de risco é muito ajustada ao nível de incidência. A população percebe que há um aumento de casos na sua comunidade e isso também faz com que tenha comportamentos mais adequados na redução da transmissão”.
Neste momento, sublinha, o que a preocupa “é que haja um cansaço da população e uma vontade enorme em desconfinar o mais rápido e que isso nos leve a dar passos menos seguros, que prejudiquem ou atrasem o que nos custou tanto a alcançar. Preferia passos que nos permitissem manter o que temos tido até agora: uma incidência controlada e níveis de internamento também controlados”. Para ela, só assim seria possível “ter uma vida o mais normal possível e conseguirmos chegar à fase final do desconfinamento”.