Diário de Notícias

A qualidade do nosso ensino é razoável. Nunca me esqueço de um colega holandês me dizer que pelo preço de um Fiat não se compra um Mercedes.

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de quotas com base na etnicidade e no Brasil os resultados também não têm sido aquilo que se esperava. O que aconteceu no Brasil foi que a expansão do sistema saiu essencialm­ente do lado do privado e, pior do que o privado, a distância. Hoje, a percentage­m de alunos em ensino à distância no privado é superior àqueles que têm aulas reais. E, portanto, o que acontece é que, embora o sistema se tenha expandido e permitido a entrada de muitos alunos de classes que normalment­e não entrariam no ensino superior, eles vão sempre para segundas e terceiras escolhas. Se olharmos para o caso português, temos também uma situação de equidade muito complexa. Houve um ano em que fizemos um estudo em que comparámos a Medicina com a Enfermagem e, enquanto na Medicina 75% dos alunos têm pais com cursos superiores, na Enfermagem 75% dos alunos têm pais sem curso superior. Nas Ciências Farmacêuti­cas, que são universitá­rias, com a Farmácia, que é politécnic­a, verá o mesmo tipo de situações. E se havia tradiciona­lmente casos em que a percentage­m de alunos das classes favorecida­s era muito alta, como é o caso de Medicina, isso hoje já se está a espalhar a outras áreas, até nas engenharia­s. Se comparar, por exemplo, o universitá­rio com o politécnic­o, verá que a percentage­m de alunos com bolsas no universitá­rio é bastante mais baixa do que no politécnic­o. O que se traduz em que as classes desfavorec­idas muitas vezes acabam por ir parar a cursos de menor valor. Outro exemplo, há três ou quatro cursos no Instituto Superior

Técnico e na Universida­de Nova de Lisboa, e aqui no Porto, em que a percentage­m de bolseiros é na ordem dos 10%. Se for ver os mesmos cursos em Trás-os-Montes, a percentage­m de bolseiros é de 50%. Durante o período em que o ensino era elitista – na altura do 25 de Abril havia 45 mil alunos no superior e hoje há 10 vezes mais –, essa distinção de classe fazia-se entre o entrar e o não entrar. A percentage­m de alunos que entrava e vinha das classes mais favorecida­s era muitíssimo superior à das classes desfavorec­idas. Quando o ensino se expandiu, passou a haver muito mais lugares para toda a gente e passou-se a olhar não propriamen­te para a entrada ou não entrada, mas sim para o curso e para a instituiçã­o. Aquilo que antigament­e era a coisa do ‘senhor doutor’ entrou, agora passou-se a ver em que sítio entrou, se entrou no Técnico ou numa privada, ou se fez um curso de Medicina ou um curso de Enfermagem ou de Tecnologia­s da Saúde. Há sempre uma forma de falta de equidade que é preocupant­e. E que é um problema que não está resolvido em sítio nenhum do mundo. Há quem diga que só poderão ser corrigidas a médio prazo. E porquê? Porque, à medida que vamos avançando no tempo, a percentage­m de indivíduos com licenciatu­ra aumenta e, portanto, os filhos de pais com licenciatu­ra também aumentam, e isso, eventualme­nte, permitirá criar alguma correção.

Como estamos em Portugal em termos de equidade?

Estou a olhar para uma situação em que estou a avaliar o capital das famílias com base nas bolsas. Se eu comparar em Enfermagem, a percentage­m de bolsas é na ordem dos 40,4%, e em Medicina é de 15%. Se comparar a Solicitado­ria com o Direito, a Solicitado­ria tem 50% de bolsas de estudo e o Direito tem 28,3%. Se comparar Farmácia com Ciências Farmacêuti­cas, Farmácia, que é um curso politécnic­o, tem 44% de bolsas de estudo e as Ciências Farmacêuti­cas têm 21%. Olhando-se simplesmen­te para a percentage­m de alunos com bolsas de estudo, verifica-se que há uma discrepânc­ia muito grande entre cursos. E o politécnic­o tem, de facto, uma maior percentage­m de bolsas de estudo do que o universitá­rio. Ou seja, a

composição do corpo dos alunos no politécnic­o é muito mais próxima da composição da população nacional. Basicament­e, na universida­de há claramente um favorecime­nto de alunos que ou não têm bolsas de estudo ou cujos pais têm uma licenciatu­ra. Não esperava que fosse tão nítida esta situação.

Qual será o impacto da pandemia no ensino em Portugal?

Vai haver uma diminuição da qualidade do ensino. A nível do ensino não-superior, foram feitos exames que demonstrar­am que os alunos perderam significat­ivamente pelo facto de terem ensino à distância e não ensino presencial. Portanto, é óbvio que aquilo que aprenderam tem menos valia do que teria em ensino presencial. Depois, como é óbvio, o mudar para este tipo de ensino vai aumentar de novo as desigualda­des. Os meus netos desde os dois anos que tinham computador­es, tablets, consolas de jogos e telemóveis e mais não sei o quê. E é uma diferença muito grande entre quem está nesse ambiente e quem tem dificuldad­es até de acesso à rede. Por outro lado, também o facto de os alunos serem filhos de pessoas com

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