“As pessoas estarão ansiosas por voltar a viver experiências à mesa”
Chef Ricardo Costa A poucos dias da reabertura dos restaurantes, entrevista com Ricardo Costa, chef do The Yeatman, em Gaia, um dos 100 melhores do mundo, segundo o The Best Chef.
Ricardo Costa tem 40 anos e a primeira vez que viu o seu nome associado a uma estrela Michelin estava à frente da cozinha do restaurante Casa da Calçada, em Amarante. Há 11 anos mudou-se para o The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, duas estrelas Michelin desde 2017. Em 2021, pela primeira vez, está no ranking dos 100 melhores cozinheiros do mundo do concurso The Best Chef, cuja final acontece entre 13 e 15 de setembro, em Amesterdão. E na segunda, dia 19, volta a mostrar o que sabe fazer. Ser um dos melhores chefs em ano de pandemia sabe tão bem como em outro ano? Os reconhecimentos são sempre importantes e valorizados, mas efetivamente este surge numa altura em que nos preparamos para reabrir, depois de uma pausa prolongada, e acaba por ser uma motivação extra para toda a equipa, que está ansiosa por voltar a trabalhar e a receber os nossos clientes. Ao contrário de uma estrela Michelin, que é entregue ao restaurante, o Best Chef premeia o chef. Qual a importância para si, pessoalmente? Eu estou há 11 anos noTheYeatman, por isso este nunca é um prémio pessoal, mas resultado de um trabalho de equipa, que vai desde a administração a todo o staff do restaurante, cozinha e sala até aos clientes que nos visitam e que nos alimentam de motivação e confiança. Para mim é isso que representa. Um reconhecimento de um percurso, de um projeto de 11 anos e de uma equipa muito unida, onde todos dão um contributo importante para o sucesso comum. Com as esplanadas abertas e os restaurantes prestes a receber clientes, está a renovar a carta do The Yeatman? Nesta primeira fase de desconfinamento, vamos reabrir os terraços do Dick’s Bar & Bistro aos dias de semana e o restaurante The Orangerie, em horário de almoço e jantar, aos dias de semana. No bar, o convite é para um momento descontraído, em que damos a provar os nossos petiscos e vinhos, mas também proporcionamos refeições ligeiras, que vão desde os snacks, como a franceno sinha ou a sanduíche de bife de atum e maionese wasabi. No restaurante, a proposta é para uma experiência gastronómica com um menu de quatro pratos. Em ambos contamos com uma área alargada de esplanada, para desfrutar em segurança da vista privilegiada do terraço do TheYeatman sobre a cidade do Porto e o rio Douro, especialmente ao pôr do sol.
Depois de tantos meses sem ir a um restaurante, que pratos crê que a maioria quer consumir?
Acho que, mais do que um prato, as pessoas estarão ansiosas por voltar a viver experiências à mesa. E isso envolve um conjunto de fatores, que vão, no nosso caso, da vista panorâmica à qualidade de serviço, à possibilidade de provar vinhos de topo a copo, cocktails de assinatura e smoothies... tudo isto como pretexto para um momento de descontração e de uma certa leveza face ao momento que vivemos.
A pausa afetou a criatividade?
Na primeira fase de confinamento, ano passado, confesso que senti maior impacto. A incerteza era muita em relação à doença e ao confinamento, não sabíamos o que ia acontecer, qual a dimensão que poderia atingir, e aí, sim, não senti inspiração para criar. Neste confinamento, já tínhamos um maior conhecimento sobre a doença e de que forma deveríamos atuar para controlar a sua propagação. Todos os anos encerramos o restaurante em janeiro e, por isso, foi mais natural esta pausa e deu-nos oportunidade para fazer obras no restaurante, pesquisar novas técnicas, experimentar novos produtos.
Uma década depois, o que ainda falta fazer no The Yeatman?
Num projeto com esta ambição, há sempre novas metas a atingir. Quanto mais não seja a ambição de manter este nível de qualidade e consistência. O desafio é constante. Este ano, vamos reabrir com uma nova decoração e disposição da sala, uma novidade para celebrar a reabertura e voltar a receber os nossos clientes. Também estamos a pensar novas dinâmicas de serviço adaptadas ao contexto, para que os clientes se sintam totalmente confortáveis e seguros para desfrutar ao máximo da experiência.
O que o levou a querer ser chef?
Nem sempre soube que queria ser chef. Comecei a perceber que gostava de cozinhar nos jantares de amigos, e quando chegou a altura de escolher o caminho profissional decidi estudar na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra. Depois, com os estágios e a entrada no mercado de trabalho, com passagens pelo estrangeiro, comecei a ganhar cada vez mais gosto pela cozinha. Como sou muito determinado, pensei que se era isto que queria fazer, então ia dedicar-me a 100% e iria dar sempre o meu melhor. Daí a evolução foi acontecendo, conquistei a primeira estrela Michelin na Casa da Calçada, em Amarante. Depois vim para o The Yeatman, onde conseguimos a primeira estrela em 2011, um ano após a abertura, e mais tarde as duas estrelas (2017). As estrelas não são um objetivo, mas são um reconhecimento e uma motivação numa profissão exigente física e psicologicamente.
Disse que, olhando para trás, agora é fácil dizer que a cozinha sempre esteve presente, mas que na altura não percebia. O que foi decisivo?
Nunca foi um plano, mas depois de perceber que era o caminho, tornei-o o meu plano. Talvez fosse esse o sentido dessa frase. Sempre fui muito focado nos meus objetivos e por isso, a partir do momento em que abracei esta profissão, tentei sempre evoluir e aprender continuamente. Hoje em dia, por exemplo, aprendo muito nas viagens que faço e na troca de experiências com outros chefs. É combustível para continuar.
Na sua cozinha, usa muitos produtos portugueses. Quais são as suas mais recentes descobertas?
A nossa cozinha é cada vez mais uma cozinha de proximidade, ou seja, procuramos uma relação muito direta e próxima com os fornecedores, na sua maioria nacionais e mesmo locais, no sentido de trabalhar com eles a matéria-prima desde a base. Também é muito gratificante recuperar técnicas e produtos que são nossos mas que ficaram esquecidos na alta cozinha. A nossa sobremesa atual, por exemplo, é a tripa de Aveiro, feita à moda tradicional, a lembrar a tradição dos quiosques das praias da Costa Nova. São histórias que trazemos para o prato e damos a provar a todos os que nos visitam.
E na cozinha sem estrelas, quais são os seus pratos preferidos?
Confesso que quando saio do hotel, depois do serviço de jantares, gosto de ir comer um prego no pão a um snack-bar de Vila Nova de Gaia, o Offline. É uma verdadeira especialidade da cidade.
“Foi mais natural esta pausa e deu-nos oportunidade para pesquisar novas técnicas e experimentar novos produtos.”