Bases de dados policiais do SEF vão ficar sob controlo do governo
A resolução do Conselho de Ministros que extingue o SEF determina que as bases de dados fiquem no Serviço de Estrangeiros e Asilo, na “dependência do membro do governo”.
As bases de dados de informações policiais detidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) devem passar a ser controladas pelo novo Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA) na “dependência do membro do governo responsável pela área da administração interna”. Essa é pelo menos a intenção do governo descrita na Resolução do Conselho de Ministros (RCM), publicada na terça-feira (13 de abril), que determina a extinção do SEF e reparte as competências por cinco entidades (ver texto ao lado).
A questão é que o SEA será um organismo de cariz administrativo, para tratar de autorizações de residência e de pedidos de asilo, sem qualquer autoridade de órgão de polícia criminal, a única que permite aceder a estas bases de dados. A situação está a causar incómodo entre as forças de segurança que devem herdar as competências policiais do SEF, mesmo que, tal como é escrito da RCM, o SEA “em articulação com a Rede Nacional de Segurança Interna (RNSI)” garanta “o acesso a todas as entidades legalmente habilitadas para tal”.
Questionado pelo DN sobre qual o enquadramento legal a sustentar esta medida, o gabinete do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, não respondeu.
Estas bases de dados são uma das grandes mais-valias do SEF e podem ser também para GNR, PJ e PSP nas competências que lhes são destinadas. Permitem monitorizar entradas e saídas de estrangeiros, sua localização e permanência em território nacional: o SIS II – Sistema de Informações Schengen (que indica as pessoas que são alvo de restrições de circulação no espaço Schengen e documentos extraviados ou com problemas); oVIS – Sistema de Informação de Vistos da União Europeia (UE); o SNV – Sistema Nacional de Vistos; o Eurodac, onde estão todos os registos de impressões digitais partilhadas com as polícias da UE; o APIS – Sistema de Informação Antecipada de Passageiros, que regista as informações que as transportadoras aéreas facultam ao SEF sobre os estrangeiros que transportam para território nacional; o SIBA – sistema que monitoriza o registo de estrangeiros em unidades hoteleiras nacionais; o Passe-Rapid, que regista as entradas e saídas de estrangeiros em postos de fronteira; o Sistema de Passaportes, que regista todos os dados destes documentos; e o Sirene, que neste momento está no Ponto Único de Contacto do Sistema de Segurança Interna (SSI), onde também está alojada informação de suspeitos estrangeiros, documentos e viaturas em circulação na UE e já é partilhado pelas forças e pelos serviços de segurança.
“Colocar estas bases de dados nas mãos de civis é um autêntico golpe de Estado. É o governo a ter acesso por via administrativa ao que não deve ter”, ataca Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Fiscalização e Investigação Criminal, que representa os inspetores do SEF.
Na mesma linha crítica reage André Coelho de Lima, coordenador para a Segurança Interna do Grupo Parlamentar do PSD: “As bases de dados ficarem no SEA é apenas mais uma enorme incongruência de uma reforma cujas consequências o governo não está, com certeza, a prever bem. O SEA deixará de partilhar a relevante informação que detém e continuará a deter na medida em que não poderá partiesta cipar na RNSI uma vez que a ela apenas acedem forças policiais”. Acresce que, sublinha o deputado, “internacionalmente é igualmente grave a consequência já que o SEA deixará de poder participar na Frontex e na Europol uma vez que essas organizações admitem apenas entidades policiais”.
Na decisão de extinguir o SEF, anunciada depois de se conhecer a acusação de homicídio contra três inspetores deste serviço e processos disciplinares a outros nove pela morte de Ihor Homeniuk, o governo tem ignorado os apelos dos partidos, BE, CDS, PSD e PCP, para que reestruturação fosse debatida no parlamento.
Na RCM é invocado o artigo 199 da Constituição que, no entendimento do governo, lhe permite fazer este tipo de reorganização no âmbito das suas “competências administrativas” sem passar pela Assembleia da República.
“Fica claro que, muito embora se trate de uma área de soberania, o governo pretende fazer a reforma do SEF por Decreto-Lei e, portanto, nas costas do Parlamento. Fica também claro que o governo pretende alterar a Lei de Segurança Interna sem o debater na Assembleia da República, o que é inédito desde 2008”, afiança André Coelho de Lima.
Ainda assim, os partidos ainda podem obrigar o governo a submeter-lhes esta decisão, requerendo uma “apreciação parlamentar”, medida que o PCP, o BE e o PSD não descartam poder vir a utilizar, logo que seja conhecido o diploma. “Temos 30 dias após a publicação do decreto-lei para apresentar esse pedido. Pode travar tudo ou nada. Pode revogar, alterar parcialmente ou aprovar como veio do governo. A pressão ficará sobre a esquerda”, sublinha Coelho de Lima.
“Colocar estas bases de dados nas mãos de civis é um autêntico golpe de Estado. É o governo a ter acesso por via administrativa ao que não deve ter.”