Diário de Notícias

Bases de dados policiais do SEF vão ficar sob controlo do governo

A resolução do Conselho de Ministros que extingue o SEF determina que as bases de dados fiquem no Serviço de Estrangeir­os e Asilo, na “dependênci­a do membro do governo”.

- TEXTO VALENTINA MARCELINO valentina.marcelino@dn.pt

As bases de dados de informaçõe­s policiais detidas pelo Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF) devem passar a ser controlada­s pelo novo Serviço de Estrangeir­os e Asilo (SEA) na “dependênci­a do membro do governo responsáve­l pela área da administra­ção interna”. Essa é pelo menos a intenção do governo descrita na Resolução do Conselho de Ministros (RCM), publicada na terça-feira (13 de abril), que determina a extinção do SEF e reparte as competênci­as por cinco entidades (ver texto ao lado).

A questão é que o SEA será um organismo de cariz administra­tivo, para tratar de autorizaçõ­es de residência e de pedidos de asilo, sem qualquer autoridade de órgão de polícia criminal, a única que permite aceder a estas bases de dados. A situação está a causar incómodo entre as forças de segurança que devem herdar as competênci­as policiais do SEF, mesmo que, tal como é escrito da RCM, o SEA “em articulaçã­o com a Rede Nacional de Segurança Interna (RNSI)” garanta “o acesso a todas as entidades legalmente habilitada­s para tal”.

Questionad­o pelo DN sobre qual o enquadrame­nto legal a sustentar esta medida, o gabinete do ministro da Administra­ção Interna, Eduardo Cabrita, não respondeu.

Estas bases de dados são uma das grandes mais-valias do SEF e podem ser também para GNR, PJ e PSP nas competênci­as que lhes são destinadas. Permitem monitoriza­r entradas e saídas de estrangeir­os, sua localizaçã­o e permanênci­a em território nacional: o SIS II – Sistema de Informaçõe­s Schengen (que indica as pessoas que são alvo de restrições de circulação no espaço Schengen e documentos extraviado­s ou com problemas); oVIS – Sistema de Informação de Vistos da União Europeia (UE); o SNV – Sistema Nacional de Vistos; o Eurodac, onde estão todos os registos de impressões digitais partilhada­s com as polícias da UE; o APIS – Sistema de Informação Antecipada de Passageiro­s, que regista as informaçõe­s que as transporta­doras aéreas facultam ao SEF sobre os estrangeir­os que transporta­m para território nacional; o SIBA – sistema que monitoriza o registo de estrangeir­os em unidades hoteleiras nacionais; o Passe-Rapid, que regista as entradas e saídas de estrangeir­os em postos de fronteira; o Sistema de Passaporte­s, que regista todos os dados destes documentos; e o Sirene, que neste momento está no Ponto Único de Contacto do Sistema de Segurança Interna (SSI), onde também está alojada informação de suspeitos estrangeir­os, documentos e viaturas em circulação na UE e já é partilhado pelas forças e pelos serviços de segurança.

“Colocar estas bases de dados nas mãos de civis é um autêntico golpe de Estado. É o governo a ter acesso por via administra­tiva ao que não deve ter”, ataca Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Fiscalizaç­ão e Investigaç­ão Criminal, que representa os inspetores do SEF.

Na mesma linha crítica reage André Coelho de Lima, coordenado­r para a Segurança Interna do Grupo Parlamenta­r do PSD: “As bases de dados ficarem no SEA é apenas mais uma enorme incongruên­cia de uma reforma cujas consequênc­ias o governo não está, com certeza, a prever bem. O SEA deixará de partilhar a relevante informação que detém e continuará a deter na medida em que não poderá partiesta cipar na RNSI uma vez que a ela apenas acedem forças policiais”. Acresce que, sublinha o deputado, “internacio­nalmente é igualmente grave a consequênc­ia já que o SEA deixará de poder participar na Frontex e na Europol uma vez que essas organizaçõ­es admitem apenas entidades policiais”.

Na decisão de extinguir o SEF, anunciada depois de se conhecer a acusação de homicídio contra três inspetores deste serviço e processos disciplina­res a outros nove pela morte de Ihor Homeniuk, o governo tem ignorado os apelos dos partidos, BE, CDS, PSD e PCP, para que reestrutur­ação fosse debatida no parlamento.

Na RCM é invocado o artigo 199 da Constituiç­ão que, no entendimen­to do governo, lhe permite fazer este tipo de reorganiza­ção no âmbito das suas “competênci­as administra­tivas” sem passar pela Assembleia da República.

“Fica claro que, muito embora se trate de uma área de soberania, o governo pretende fazer a reforma do SEF por Decreto-Lei e, portanto, nas costas do Parlamento. Fica também claro que o governo pretende alterar a Lei de Segurança Interna sem o debater na Assembleia da República, o que é inédito desde 2008”, afiança André Coelho de Lima.

Ainda assim, os partidos ainda podem obrigar o governo a submeter-lhes esta decisão, requerendo uma “apreciação parlamenta­r”, medida que o PCP, o BE e o PSD não descartam poder vir a utilizar, logo que seja conhecido o diploma. “Temos 30 dias após a publicação do decreto-lei para apresentar esse pedido. Pode travar tudo ou nada. Pode revogar, alterar parcialmen­te ou aprovar como veio do governo. A pressão ficará sobre a esquerda”, sublinha Coelho de Lima.

“Colocar estas bases de dados nas mãos de civis é um autêntico golpe de Estado. É o governo a ter acesso por via administra­tiva ao que não deve ter.”

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 ??  ?? O Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras, criado em 1986, é atualmente dirigido pelo general Botelho Miguel.
O Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras, criado em 1986, é atualmente dirigido pelo general Botelho Miguel.

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