“O maior problema do envelhecimento é a perda de propósito. A pessoa acha: agora cheguei aqui e o que é que tenho para fazer? Nada, esperar. E esperar o quê? Esperar para morrer. E isso é o pior que pode acontecer.”
É verdade, mas, por exemplo, eu vivo em Inglaterra, numa cidade pequena como é Lancaster, e há muito mais pessoas mais velhas empregadas do que aquilo que vejo em Lisboa. Nos supermercados, nas lojas, em sítios visíveis ao público, não tive de andar à procura delas. As pessoas mais velhas e pessoas com incapacidades estão mais presentes no mercado de trabalho, em posições de exposição. E isso tem a ver com um modelo de sociedade mais inclusivo. Atenção que eu não acho que tudo o que se passa em Inglaterra é bom. Não defendo aquilo como o melhor modelo de sociedade, não é nada disso, mas de facto há coisas positivas que vejo acontecer em In
A desigualdade é um fator que se agrava com a idade?
Agrava-se, seguramente. Quando se faz o aumento da idade da reforma, por exemplo, é desproporcional o impacto que isso tem. É algo que acaba por penalizar menos os grupos socioeconómicos mais elevados. Não é que esses não tenham de trabalhar o mesmo número de anos do que os outros. A questão é que há um diferencial em termos de longevidade que está relacionado com o nível socioeconómico: as pessoas de estratos mais baixos tendem a viver menos anos do que as pessoas de estratos mais elevados. O número de anos de vida depois da reforma é maior para as pessoas de estratos mais altos.
Disse numa anterior entrevista que a pior doença é ser pobre. É também a maior ameaça no envelhecimento?
É. Há muitos portugueses e portuguesas a viver com a pensão mínima, que é muito baixa. Se o salário mínimo é baixo, a pensão mínima é baixíssima. E nós temos muitas pessoas, milhares, a viver com a pensão mínima em Portugal, ou com reformas baixas. Mesmo para quem tem reformas que não são más – deixando isto propositadamente vago, porque é muito relativo –, ao fim de cinco ou dez anos as pessoas já perderam muito poder de compra. Entre subidas de inflação e os aumentos que não aconteceram nas reformas, ou aumentos muito baixos, há uma efetiva perda de poder de compra.
Neste cenário, como promovemos o envelhecimento saudável?
Eu acho, por ser professora, que há muita coisa que passa pela capacidade que nós temos de ensinar às pessoas. E o ensinar não digo uma coisa académica, mas no sentido do que conseguimos transmitir. E aqui, provavelmente, o trabalho tem que ser comunitário, tem de vir dos sítios onde as pessoas estão integradas, onde vivem, onde têm raízes. E perceber como é que nessas dinâmicas, nesses cosmos, nós conseguimos que as pessoas adotem estilos de vida mais saudáveis. Tem havido, penso, algum sucesso
nas universidades seniores, que são espaços importantes de convívio. Porque mais que não seja as pessoas têm que sair de casa. Muitas das vezes o problema do envelhecimento é a perda de propósito. A pessoa acha: agora cheguei aqui e o que é que tenho para fazer? Nada, resta-me esperar. E esperar o quê? Esperar para morrer. E isso é o pior que pode acontecer.
E qual o papel das políticas públicas nesta matéria?
Há um papel das políticas públicas, sobretudo a nível da criação de infraestruturas. Por exemplo, em Lisboa há passadeiras em que é muito difícil as pessoas com mobilidade reduzida atravessarem a rua a tempo. Por vezes estamos a ver o sinal verde a acabar e as pessoas ainda vão a meio. E isto tem a ver com as políticas públicas, como é que conseguimos ter ambientes inclusivos para todas as pessoas que habitam o espaço público. Se o espaço público é agressivo, as pessoas inibem-se de o frequentar. E obviamente tem que haver políticas públicas de apoio, ao nível de cuidados domiciliários, da formação de pessoal de apoio aos lares, etc. Se alguma coisa esta pandemia veio expor, de forma muito óbvia, é a falta de formação dos recursos que estão a trabalhar nos lares. Temos de equacionar que tipo de resposta os lares ou entidades semelhantes têm que dar, e se os lares, na forma como funcionam, são a única resposta que pode existir. Isso cabe às políticas públicas. Como também a equidade no acesso aos cuidados de saúde, que sempre tem sido um problema.
A esse nível, que lições podemos retirar desta pandemia? Falta no nosso modelo social promover maiores relações intergeracionais, até no mercado de trabalho?
Isso depende, há muitas pessoas que já estão sozinhas, que não têm pessoas de família próximas para estabelecer interações. As respostas têm que vir da comunidade onde a pessoa está integrada. Nas sociedades nórdicas o distanciamento intergeracional sempre foi grande e isso não quer dizer que as pessoas maiores estejam abandonadas. Há respostas à mesma, respostas de natureza social, etc. A questão é a sociedade arranjar modelos para não abandonar as pessoas. sociais é que queremos desenvolver. Há 30% de pessoas que não têm filhos ou que vivem sozinhas aos 50 anos, e provavelmente uma boa percentagem delas vai continuar sozinha mais tarde. Por isso, que tipo de respostas queremos para estas pessoas. O que nos leva de novo ao debate dos sistemas sociais. Como se assegura a sustentabilidade com a pirâmide geracional cada vez mais a inverter-se? É difícil continuar a ter sistemas de segurança social que consigam dar resposta a todas as necessidades. Sendo um país de baixos salários, as pessoas têm baixo rendimentos, as contribuições não podem ser muito elevadas, as pessoas também não têm poupanças por aí além que lhes permitam ter seguros individuais e as desigualdades tendem a agravar-se. Se conseguíssemos resolver os problemas de produtividade que temos... Outra alternativa é permitir maior imigração, foi isso que salvou durante muitos anos os EUA. Mas no contexto atual, infelizmente, não me parece que isso venha a ser uma alternativa abraçada.
As pessoas vão trabalhar mesmo “até morrer”, cada vez até mais tarde?
Já há um conjunto de dados disponíveis [n.d.r. os números do INE, no dia 7, mostravam já a maior descida na esperança média de vida em Portugal desde 1973, recuando dez meses, para os 81,1 anos]. Agora, a questão é que ainda não tivemos o impacto todo. Já começa a haver, por exemplo, descrições de pessoas que chegam com cancros em estádios muito mais avançados. Não estamos a ter a mortalidade toda agora. Vamos sentir o impacto da mortalidade nos próximos cinco anos. E quanto mais isto durar pior, naturalmente. E não é só as pessoas morrerem mais cedo, é as consequências na saúde mental. É um impacto que vai deixar sequelas.
O idadismo, preconceito ligado à idade, foi agravado com a covid-19? De certa forma agravou-se. Ou pelo menos algumas pessoas sentiram-se mais à vontade para abraçar este preconceito. Basta olhar para a desvalorização que houve quando as pessoas mais velhas estavam a morrer - “ah, aquelas pessoas iam morrer de qualquer maneira”. É verdade, toda a gente vai morrer de alguma maneira e quanto mais idade a pessoa tem maior a probabilidade de estar perto da morte. Mas não é por uma pessoa ter determinada idade que passa a estar às portas da morte. As pessoas ainda têm uma vida e o foco deve ser que propósito as ajudamos a ter para a vida que têm. A covid-19 tornou esse preconceito mais evidente. Por exemplo, uma das coisas sobre a qual devíamos refletir tem que ver com isto dos grupos prioritários das vacinas. Ora, se a covid, em vez de matar mais nas pessoas acima dos 70 anos, o fizesse abaixo dos 15 anos, será que as sociedades se sentiriam tão à vontade para incluir outros grupos prioritários ou não? Acho que a questão é esta. Mudarmos o foco para percebermos onde está o preconceito. Eu não digo que não devemos investir na educação e nas crianças, não é nada disso. A questão é que a importância do investimento nas crianças deve ser exatamente a mesma importância que devemos dar ao investimento na dignidade da vida das pessoas mais velhas.