“Deveriam ter em conta o risco da população infetada”
O autarca de Odemira discorda da contagem para o confinamento. Número de residentes cresce mais de 61 % nesta altura.
Odemira é um dos quatro concelhos que recuam no plano de desconfinamento devido à incidência de covid-19. Porque é que os números subiram tanto?
Iniciámos uma testagem massiva há duas semanas, fomos às empresas e temos um centro de testes da Cruz Vermelha com o objetivo de quebrar as cadeias de transmissão. É natural que os números cresçam, mas não nos devemos assustar, devemos atuar em articulação com as empresas, não só da agricultura como do comércio e de outros serviços. Manifestou desacordo em relação aos critérios que definem as medidas de confinamento...
O número de infetados face ao número de habitantes leva a que se tirem conclusões erradas, se tivessem em conta outros critérios, poderíamos continuar a desconfinar. A nossa população vinha a diminuir desde 2011, uma vez que é envelhecida e não tem sido compensada com nascimentos. Nos últimos anos, têm afluído não só portugueses como estrangeiros, que vêm trabalhar sobretudo para a agricultura. No final de março, estavam inscritos 10 mil imigrantes na Segurança Social e, no pico das colheitas, aumentam em 50 %. Entre abril e junho são 15 mil na agricultura.
É essa afluência que justifica esta subida no número de infetados? A situação da pandemia agravou-se entre a população local e entre os migrantes. Denota o afluxo de entradas e de circulação destas comunidades. Alguns residem aqui, vão trabalhar para outras campanhas, para o Algarve e outras zonas do Alentejo, também para Lisboa. Há dificuldade em controlar a situação sanitária, até porque muitos deles estão a trabalhar em empresas de trabalho temporário e de prestação de serviços que os colocam em vários sítios. E com esta testagem massiva é natural que os números subam, mas estamos otimistas face ao risco da população. O que é que quer dizer?
A nossa interpretação dos números com as autoridades de saúde é que o risco não é elevado face ao número de infetados. É uma população maioritariamente jovem e as situações graves são praticamente inexistentes.
Quais deveriam ser os critérios? Os critérios para decidir o confinamento, ou desconfinamento, deveriam ser alterados e ter em conta o risco da população infetada. Temos um número elevado de infetados, mas a taxa de letalidade é das mais baixas do país [1,15 óbitos por infetados, metade da taxa global, 2,4]. Temos a população de alto risco vacinada e a que está infetada é de baixo risco. Administrámos mais de 2500 vacinas no grupo dos mais de 80 anos e de risco elevado. As pessoas que estão nos lares estão vacinadas e estamos a vacinar os de risco elevado. O crescimento exponencial demográfico que problemas traz? Este crescimento resulta numa maior pressão sobre os equipamentos e serviços públicos, que a nível central até diminuíram. O reforço tem sido dos serviços municipais. Mas os principais problemas são a falta de habitação e as acessibilidades, que não estão ajustadas à oferta local. A rede viária é de há 50 anos e tem-se degradado face ao aumento de tráfego. Mas o custo da habitação está ao nível de Lisboa...
A habitação não é da responsabilidade de quase ninguém e os promotores não dispõem de infraestruturas. A iniciativa privada é escassa e foi destruída com a crise imobiliária de 2008-2011. A oferta de habitação é escassa e dispendiosa. Se tivéssemos mais 1500 fogos, estariam ocupados.
VIvem em péssimas condições... Afluem milhares de pessoas e ficam instalados em condições não condignas, alguns em quartos, o que denota fragilidade nesta área. Quartos partilhados onde chegam a pagar 150 euros mensais por cabeça, T2 pequenos por 700 euros... não se pode combater a especulação?
Em Portugal não há legislação que limite o número de ocupantes de uma habitação em face da tipologia. Apenas nas situações em que é posta em causa a saúde pública é que se pode atuar. É possível alugar um T2 a oito ou dez pessoas.
E exigir os contratos de arrendamento?
A maioria dos senhorios faz contrato de habitação, o que deveria ser legislado é o número máximo de residentes por tipologia . E há habitações precárias nas quintas, contentores, rulotes, etc., e que, em alguns casos, não respeitam as condições mínimas.
O que é que a autarquia tem feito para combater essa situação?
A câmara tem integrado equipas de fiscalização da saúde pública quanto às condições de habitação que nos chegam ao conhecimento. As soluções é que são sempre débeis. Construir habitações não é operacional em poucos dias, ao passo que, a nível da atividade económica, todos os dias há novas iniciativas que exigem mais trabalhadores. Quando é que se iniciou esta pressão demográfica? Odemira sempre teve 12% de estrangeiros, maioritariamente originários da Europa, sempre foi multicultural. De há oito anos para cá, a agricultura cresceu muito, sobretudo a hortifruticultura e os frutos vermelhos, o que fez com que viessem muitos imigrantes. É o quarto concelho da região ao nível da população e somos o maior do país em área, mas o território está muito dispersa. Tem 80 aglomerados, mas um terço está junto à faixa litoral. O setor agrícola cresceu vertiginosamente e também o turismo. O rendimento per capita duplicou (900 euros).
E a realidade imigrante?
Esse é outro problema. Pode haver uma noção aproximada de quantos imigrantes aqui vivem, mas não se consegue ter o controle de quantos são exatamente e de quanto tempo vão ficar cá.