Diário de Notícias

“Deveriam ter em conta o risco da população infetada”

O autarca de Odemira discorda da contagem para o confinamen­to. Número de residentes cresce mais de 61 % nesta altura.

- José Alberto Guerreiro José Alberto Guerreiro Presidente da Câmara Municipal de Odemira

Odemira é um dos quatro concelhos que recuam no plano de desconfina­mento devido à incidência de covid-19. Porque é que os números subiram tanto?

Iniciámos uma testagem massiva há duas semanas, fomos às empresas e temos um centro de testes da Cruz Vermelha com o objetivo de quebrar as cadeias de transmissã­o. É natural que os números cresçam, mas não nos devemos assustar, devemos atuar em articulaçã­o com as empresas, não só da agricultur­a como do comércio e de outros serviços. Manifestou desacordo em relação aos critérios que definem as medidas de confinamen­to...

O número de infetados face ao número de habitantes leva a que se tirem conclusões erradas, se tivessem em conta outros critérios, poderíamos continuar a desconfina­r. A nossa população vinha a diminuir desde 2011, uma vez que é envelhecid­a e não tem sido compensada com nascimento­s. Nos últimos anos, têm afluído não só portuguese­s como estrangeir­os, que vêm trabalhar sobretudo para a agricultur­a. No final de março, estavam inscritos 10 mil imigrantes na Segurança Social e, no pico das colheitas, aumentam em 50 %. Entre abril e junho são 15 mil na agricultur­a.

É essa afluência que justifica esta subida no número de infetados? A situação da pandemia agravou-se entre a população local e entre os migrantes. Denota o afluxo de entradas e de circulação destas comunidade­s. Alguns residem aqui, vão trabalhar para outras campanhas, para o Algarve e outras zonas do Alentejo, também para Lisboa. Há dificuldad­e em controlar a situação sanitária, até porque muitos deles estão a trabalhar em empresas de trabalho temporário e de prestação de serviços que os colocam em vários sítios. E com esta testagem massiva é natural que os números subam, mas estamos otimistas face ao risco da população. O que é que quer dizer?

A nossa interpreta­ção dos números com as autoridade­s de saúde é que o risco não é elevado face ao número de infetados. É uma população maioritari­amente jovem e as situações graves são praticamen­te inexistent­es.

Quais deveriam ser os critérios? Os critérios para decidir o confinamen­to, ou desconfina­mento, deveriam ser alterados e ter em conta o risco da população infetada. Temos um número elevado de infetados, mas a taxa de letalidade é das mais baixas do país [1,15 óbitos por infetados, metade da taxa global, 2,4]. Temos a população de alto risco vacinada e a que está infetada é de baixo risco. Administrá­mos mais de 2500 vacinas no grupo dos mais de 80 anos e de risco elevado. As pessoas que estão nos lares estão vacinadas e estamos a vacinar os de risco elevado. O cresciment­o exponencia­l demográfic­o que problemas traz? Este cresciment­o resulta numa maior pressão sobre os equipament­os e serviços públicos, que a nível central até diminuíram. O reforço tem sido dos serviços municipais. Mas os principais problemas são a falta de habitação e as acessibili­dades, que não estão ajustadas à oferta local. A rede viária é de há 50 anos e tem-se degradado face ao aumento de tráfego. Mas o custo da habitação está ao nível de Lisboa...

A habitação não é da responsabi­lidade de quase ninguém e os promotores não dispõem de infraestru­turas. A iniciativa privada é escassa e foi destruída com a crise imobiliári­a de 2008-2011. A oferta de habitação é escassa e dispendios­a. Se tivéssemos mais 1500 fogos, estariam ocupados.

VIvem em péssimas condições... Afluem milhares de pessoas e ficam instalados em condições não condignas, alguns em quartos, o que denota fragilidad­e nesta área. Quartos partilhado­s onde chegam a pagar 150 euros mensais por cabeça, T2 pequenos por 700 euros... não se pode combater a especulaçã­o?

Em Portugal não há legislação que limite o número de ocupantes de uma habitação em face da tipologia. Apenas nas situações em que é posta em causa a saúde pública é que se pode atuar. É possível alugar um T2 a oito ou dez pessoas.

E exigir os contratos de arrendamen­to?

A maioria dos senhorios faz contrato de habitação, o que deveria ser legislado é o número máximo de residentes por tipologia . E há habitações precárias nas quintas, contentore­s, rulotes, etc., e que, em alguns casos, não respeitam as condições mínimas.

O que é que a autarquia tem feito para combater essa situação?

A câmara tem integrado equipas de fiscalizaç­ão da saúde pública quanto às condições de habitação que nos chegam ao conhecimen­to. As soluções é que são sempre débeis. Construir habitações não é operaciona­l em poucos dias, ao passo que, a nível da atividade económica, todos os dias há novas iniciativa­s que exigem mais trabalhado­res. Quando é que se iniciou esta pressão demográfic­a? Odemira sempre teve 12% de estrangeir­os, maioritari­amente originário­s da Europa, sempre foi multicultu­ral. De há oito anos para cá, a agricultur­a cresceu muito, sobretudo a hortifruti­cultura e os frutos vermelhos, o que fez com que viessem muitos imigrantes. É o quarto concelho da região ao nível da população e somos o maior do país em área, mas o território está muito dispersa. Tem 80 aglomerado­s, mas um terço está junto à faixa litoral. O setor agrícola cresceu vertiginos­amente e também o turismo. O rendimento per capita duplicou (900 euros).

E a realidade imigrante?

Esse é outro problema. Pode haver uma noção aproximada de quantos imigrantes aqui vivem, mas não se consegue ter o controle de quantos são exatamente e de quanto tempo vão ficar cá.

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