RETIRADA
Quando em 1989, ao fim de nove anos de guerra, as tropas soviéticas cruzaram a Ponte da Amizade que ligava o Afeganistão à URSS, a América rejubilou. Agora, são os EUA que retiram do país após 20 anos de conflito.
dia 24 em Istambul, propunha-se conseguir um passo decisivo para a paz com a formação de um Governo incluindo os talibãs.
Responsáveis americanos e da NATO garantem que os talibãs não honraram no compromisso de reduzir a violência no Afeganistão. Os talibãs deixaram de atacar a forças internacionais em virtude do histórico acordo, mas continuaram a fustigar as tropas do governo afegão.
As negociações de paz prosseguiram entretanto, mas o processo tem-se arrastado sem qualquer perspetiva real de acordo.
Desequilíbrio militar
Conseguir a retirada de todas as forças estrangeiras que apoiam o governo afegão representa para já uma importante vitória para os talibãs. A retirada americana ameaça alterar substancialmente a correlação de forças no terreno.
O presidente afegão, Ashraf Ghani, repete que as forças de defesa do Afeganistão “são perfeitamente capazes de defender o povo e o país”, e estão prontos para a batalha. Mas a verdade é que o Governo afegão depende decisivamente dos ataques aéreos americanos para conter os talibãs.
Os ataques violentos no Afeganistão aumentaram muito desde a assinatura do acordo entre os EUA e os talibãs em Doha. Um relatório da ONU divulgado na quarta-feira revela que cerca de 1800 civis foram mortos ou feridos no Afeganistão nos primeiros três meses de 2021. Os talibãs negam estar envolvidos nesses ataques, mas a verdade é que continuam a resistir à conclusão de um cessar-fogo de âmbito nacional.
As forças afegãs continuam a controlar as maiores cidades, mas vêem-se fundamentalmente remetidas a missões defensivas e lutam para conseguir manter algum território recapturado ou restabelecer uma presença em áreas abandonadas em 2020 – reza um relatório recente dos serviços de intelligence americanos. Os talibãs continuaram a conquistar terreno, e controlam hoje, segundo várias avaliações, cerca de 53 por cento do território afegão.
O Estado Islâmico e outros grupos terroristas conquistaram também terreno e uma presença significativa no Afeganistão.
Muitos afegãos receiam agora a ameaça de o país mergulhar de novo numa sangrenta guerra pelo poder ou por um regresso aos anos do “Emirado Islâmico do Afeganistão”, o regime talibã que dominou o país entre 1996 e a ocupação americana na sequência do 11 de Setembro. Nos meios rurais a população acomoda-se aos valores ultraconservadores dos talibãs, mas nas cidades muitos receiam que acabem por se perder as conquistas dos últimos anos
Anunciada a retirada americana, muitos afegãos partilharam nestes dias com os media ocidentais um sentimento de abandono e de traição, sentindo que a comunidade internacional não honrou os seus compromissos em relação ao país.
As guerras da paz
O próprio quadro político afegão assume desde logo novas incógnitas. Está em jogo uma série de planos de paz propostos por forças rivais e traduzindo concepções virtualmente irreconciliáveis da paz e do futuro do Afeganistão. Ou seja, as elites políticas continuam a tentar maximizar a sua parcela numa luta pelo poder como a que eclodiu em 1992, na guerra de todos contra todos que se seguiu à retirada soviética.
Um tweet emitido pelo presidente afegão depois de ter falado com