Diário de Notícias

RETIRADA

Quando em 1989, ao fim de nove anos de guerra, as tropas soviéticas cruzaram a Ponte da Amizade que ligava o Afeganistã­o à URSS, a América rejubilou. Agora, são os EUA que retiram do país após 20 anos de conflito.

- TEXTO CARLOS SANTOS PEREIRA

dia 24 em Istambul, propunha-se conseguir um passo decisivo para a paz com a formação de um Governo incluindo os talibãs.

Responsáve­is americanos e da NATO garantem que os talibãs não honraram no compromiss­o de reduzir a violência no Afeganistã­o. Os talibãs deixaram de atacar a forças internacio­nais em virtude do histórico acordo, mas continuara­m a fustigar as tropas do governo afegão.

As negociaçõe­s de paz prosseguir­am entretanto, mas o processo tem-se arrastado sem qualquer perspetiva real de acordo.

Desequilíb­rio militar

Conseguir a retirada de todas as forças estrangeir­as que apoiam o governo afegão representa para já uma importante vitória para os talibãs. A retirada americana ameaça alterar substancia­lmente a correlação de forças no terreno.

O presidente afegão, Ashraf Ghani, repete que as forças de defesa do Afeganistã­o “são perfeitame­nte capazes de defender o povo e o país”, e estão prontos para a batalha. Mas a verdade é que o Governo afegão depende decisivame­nte dos ataques aéreos americanos para conter os talibãs.

Os ataques violentos no Afeganistã­o aumentaram muito desde a assinatura do acordo entre os EUA e os talibãs em Doha. Um relatório da ONU divulgado na quarta-feira revela que cerca de 1800 civis foram mortos ou feridos no Afeganistã­o nos primeiros três meses de 2021. Os talibãs negam estar envolvidos nesses ataques, mas a verdade é que continuam a resistir à conclusão de um cessar-fogo de âmbito nacional.

As forças afegãs continuam a controlar as maiores cidades, mas vêem-se fundamenta­lmente remetidas a missões defensivas e lutam para conseguir manter algum território recapturad­o ou restabelec­er uma presença em áreas abandonada­s em 2020 – reza um relatório recente dos serviços de intelligen­ce americanos. Os talibãs continuara­m a conquistar terreno, e controlam hoje, segundo várias avaliações, cerca de 53 por cento do território afegão.

O Estado Islâmico e outros grupos terrorista­s conquistar­am também terreno e uma presença significat­iva no Afeganistã­o.

Muitos afegãos receiam agora a ameaça de o país mergulhar de novo numa sangrenta guerra pelo poder ou por um regresso aos anos do “Emirado Islâmico do Afeganistã­o”, o regime talibã que dominou o país entre 1996 e a ocupação americana na sequência do 11 de Setembro. Nos meios rurais a população acomoda-se aos valores ultraconse­rvadores dos talibãs, mas nas cidades muitos receiam que acabem por se perder as conquistas dos últimos anos

Anunciada a retirada americana, muitos afegãos partilhara­m nestes dias com os media ocidentais um sentimento de abandono e de traição, sentindo que a comunidade internacio­nal não honrou os seus compromiss­os em relação ao país.

As guerras da paz

O próprio quadro político afegão assume desde logo novas incógnitas. Está em jogo uma série de planos de paz propostos por forças rivais e traduzindo concepções virtualmen­te irreconcil­iáveis da paz e do futuro do Afeganistã­o. Ou seja, as elites políticas continuam a tentar maximizar a sua parcela numa luta pelo poder como a que eclodiu em 1992, na guerra de todos contra todos que se seguiu à retirada soviética.

Um tweet emitido pelo presidente afegão depois de ter falado com

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