MEDIA DIGITAL
A Austrália criou legislação que obriga Facebook e Google a pagar aos meios de comunicação a operar no país. As empresas viram-se obrigadas a negociar com os meios, concretizando uma ameaça que pairava há anos sem nunca ter produzido efeitos
As versões pagas dos meios de comunicação online ainda afastam muitos leitores, que gostariam que a publicidade pagasse o jornalismo que estão a ler, de preferência com anúncios que se podem desligar. O problema, que já dura há mais de uma década, é que a publicidade digital está concentrada nas mãos de duas grandes empresas da internet: Google e Facebook. São elas que funcionam como porteiras da movimentação de notícias online; como tal, uma grande parte da publicidade paga pelos anunciantes vai parar aos seus cofres em Silicon Valley, deixando pouco espaço para os meios de comunicação sobreviverem com publicidade.
Foi esta a principal conclusão da Comissão da Concorrência e Consumo na Austrália, cuja análise deu origem à legislação que obriga Google e Facebook a pagarem aos meios de comunicação a operar no país. O relatório concluiu que, por cada 100 dólares gastos em publicidade online, 47 iam para a Google, 24 para o Facebook e 29 para tudo o resto. A Google controla o maior motor de busca online e o gigantesco site de partilha de vídeos YouTube, e a Facebook detém as duas maiores redes sociais do mundo – Facebook e Instagram.
A legislação na Austrália, que obrigou as norte-americanas a negociarem pagamentos com os meios de comunicação, concretizou uma ameaça que já pairava sobre o sector tecnológico há algum tempo mas nunca tinha dado resultados concretos. Em tentativas anteriores, ficou demonstrado que o poder estava do lado da big tech. Isso aconteceu em Espanha, que em 2014 tentou obrigar agregadores de notícias a pagar pelos conteúdos usados e em resultado viu a Google a acabar com o Google News no país. Nesse mesmo ano, a gigante optou por remover resumos e miniaturas de notícias dos seus resultados de busca na Alemanha, quando uma coligação de meios noticiosos processou a empresa para a obrigar a pagar pela partilha dos conteúdos.
Processos similares aconteceram em vários países da Europa sem grande sucesso. Os meios de comunicação têm uma dependência tão elevada destas empresas
tantes para devolver equilíbrio à luta entre Google, Facebook e meios de comunicação, que neste momento pende demasiado para as tecnológicas. A proposta de lei, intitulada “Journalism Competition and Preservation Act”, daria aos meios a possibilidade de se juntarem para negociar acordos de conteúdos com as plataformas online. Tal poder seria particularmente importante para jornais regionais e locais, que estão em declínio acentuado há alguns anos.
Uma vez que o poder das big tech está concentrado nos Estados Unidos, alterações na legislação norte-americana serão decisivas para o futuro da gestão e compensação de conteúdos online. Há abertura para o virar da maré, algo que se tornou ainda mais visível quando a secretária do Tesouro norte-americano, Janet Yellen, disse recentemente aos homólogos do G20 que a administração Biden vai abandonar a posição de Trump quanto à taxação das big tech. Em causa estava uma exigência da administração anterior para que as gigantes tecnológicas pudessem contornar as responsabilidades num novo acordo fiscal global para a era digital. O objetivo do acordo é forçar as empresas big tech a pagarem uma maior percentagem de impostos nos países onde operam, algo que tem sido controverso pelas somas irrisórias de impostos que empresas como Google, Facebook, Apple, Amazon e outras pagam na Europa.
Microsoft quer alterações legislativas
Com a legislação na Austrália, a diretiva de copyright na União Europeia e as possíveis mudanças nos Estados Unidos, o cerco em torno das grandes tecnológicas está a apertar-se. Não afeta só Google e Facebook, mas também Twitter e empresas adjacentes. Em março, quando os CEO Mark Zuckerberg, Sundar Pichai e Jack Dorsey testemunharam perante o congresso norte-americano, um conjunto significativo de organizações que representam os interesses de músicos e artistas da indústria musical enviaram uma carta aos legisladores com queixas sobre o Twitter. A Recording Academy, Recording Industry Association of America (RIAA), National Music Publishers’ Association (NMPA) e Nashville Songwriters Association International (NSAI), entre outras, acusaram o Twitter de não respeitar os padrões mais básicos de moderação para controlar a atividade ilegal na rede social, “especificamente o roubo desenfreado de trabalhos criativos.” Os líderes da indústria da música acusaram mesmo o Twitter de “extorsão” no que toca a artistas e criadores de música.
Do outro lado da barricada há apoios surpreendentes: a Microsoft posicionou-se ao lado das alterações legislativas e declarou ser a favor de que as tecnológicas compensem editores e criadores pelos conteúdos que partilham. Os legisladores prometeram novidades para breve, pelo que os próximos capítulos deverão ser decisivos.