“Os recém-nascidos devem ir ao psicólogo logo na primeira semana de vida”
FUNDADORA DO FORBABIESBRAIN, PRIMEIRO SPA CLÍNICO PARA BEBÉS DA EUROPA “OS RECÉM-NASCIDOS DEVEM IR AO PSICÓLOGO LOGO NA PRIMEIRA SEMANA DE VIDA”
Se pensar num spa exclusivo para bebés pode parecer estranho, levar um recém-nascido ao psicólogo é ideia de arregalar os olhos. Mas Clementina Almeida garante que todos os pais deviam fazer isso pelos seus filhos. Não é questão de partilharem os seus problemas e relaxarem de stresses diários, nem sequer é ideia que se dirija apenas a crianças com necessidades especiais – ainda que, nesses casos desafiantes, esse passo possa ser determinante para atingir a maior capacidade e desenvolvimento possível. Justifica-se em qualquer caso, com qualquer recém-nascido, e a razão é simplesmente justificada pela psicóloga do Porto: o nascimento é um momento de stress para o bebé, o ambiente em que se sente depois de nascer é radicalmente diferente daquele que foi a sua casa desde sempre, o que veem e ouvem e tocam, tudo lhes é estranho. É por isso que defende que “um bebé deve ir ao psicólogo logo que nasce, na primeira semana”.
Da formação específica que recebeu, a fundadora do ForBabiesBrain conseguiu moldar caminhos para explorar melhor o desenvolvimento dos pequenos e ajudá-los a sentir-se melhor fora da barriga da mãe. E garante que uma criança que entra no pré-escolar depois de ter esse acompanhamento terá vantagens visíveis sobre as demais, durante muito tempo. Lá iremos.
Clementina fala com entusias
mo do trabalho de uma vida e vai desfiando as conquistas com os clientes que lhe passaram pelas mãos – a tranquilidade de um bebé cujo desconforto fazia chorar de manhã à noite, a aprendizagem por reflexo ou por imagem, a identificação de estímulos que lhe permite antecipar momentos positivos ou preparar-se para os negativos. O sorriso da psicóloga pediátrica intui-se na voz e nas palavras que saem em fio corrido e ritmado. Estamos à distância imposta pela pandemia, eu em Lisboa e ela na sua cidade do Porto, mas o calor na mensagem faz esquecer o afastamento. Se tivéssemos tido oportunidade de nos juntar à mesa para esta conversa, seria no Grande Hotel no Porto, cujas memórias dos tempos em que, ainda pequena, explorava cada canto com a amiga filha do diretor do hotel ainda se escondem por trás de cada cortinado, em cada canto, atrás de cada balcão.
Formada na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Clementina Almeida não é uma psicóloga como as demais. O fascínio por recém-nascidos, pela sua capacidade de aprender, pela forma como se desenvolvem, empurrou-a para o estudo do método de aprendizagem que permite acompanhar a forma como a criança se desenvolve e como se estabelece em relação à família (Esther Bick). Daí em diante, esta mulher, que se assume e reassume “verdadeiramente rato de laboratório”, despertou e não mais largou uma área que ainda hoje é olhada de lado em Portugal. Mas na qual a portuense dos quatro costados se move perfeitamente à vontade, com a ajuda de um doutoramento em Psicologia Clínica pela Universidade de Coimbra e os certificados em saúde mental infantil obtidos no Reino Unido e nos EUA.
“Há seis anos, abri a ForBabiesBrain no Porto para aplicar novos métodos que estudei durante décadas ao desenvolvimento dos pequeninos”, conta, para logo explicar a necessidade desta ação tão cedo. “No primeiro ano de vida de uma criança, o seu cérebro está só a 25% daquilo que vai ser e esses primeiros anos são de crescimento exponencial. Basta ver que até aos 3 anos de vida 80% daquilo que vem da estimulação sensorial fica cumprido. É sobretudo na relação com os pais que se faz essa estimulação que vai servir de base às fundações do cérebro.”
OS PRIMEIROS DIAS PESAM ATÉ À ESCOLA
O fascínio pelas imensas capacidades de um ser humano acabado de nascer é palpável. E justifica-se: “Ainda achamos que a pessoa não existe antes de se fazer gente pela fala. A verdade é que esses primeiros tempos são os mais ricos em aprendizagem e um bebé no pré-escolar já pode trazer um gap que lhe tira oportunidades para o resto do percurso. E são situações que se resolveriam simplesmente falando com o bebé. O número de palavras que os bebés ouvem pode variar em 2 mil por dia no primeiro ano e isso tem repercussão direta nos anos seguintes e no seu sucesso escolar pelo menos até aos 10.”
É por isso, e acredita ser sua missão ajudar a criar hábitos simples mas transformadores nas famílias, que não larga a ideia de chegar cada vez mais longe, de atingir cada vez mais pessoas com a sua mensagem. Que ganha especial importância num momento em que a pandemia e os hábitos e comportamentos que ela trouxe estão a afetar brutalmente o desenvolvimento dos mais pequenos das máscaras que escondem a expressão à minimização de contacto físico.
Seja através dos livros que escreve e da sua clínica inovadora, seja através dos artigos que publica na imprensa, das participações na rádio, dos posts no blog ForBabiesBrain, da sua presença nas variadas redes sociais ou no canal Youtube com o mesmo nome, tudo serve o mesmo fim. “Chegar a muitos bebés que não consigo ainda. O que mais quero é poder dar a todos a possibilidade de serem a melhor versão deles. E isso não é inatingível, é uma questão de tempo e lá chegarei. Só tenho de sensibilizar pessoas de poder, CEO e outros que possam ajudar nesse empurrão.” Quanto ao método, não se atrapalha nada: é ir batendo a portas sem descanso, como fez toda a vida. De resto, se os resultados podem ser verdadeiramente radicais, os meios para os atingir não podiam ser mais simples. “Com campanhas de inspiração, com outdoors ou na parte de trás dos autocarros, pode pôr-se se mensagens que chegam a milhares de pessoas a aconselhar que falem com o bebé; no supermercado, podemos ter produtos com dicas de desenvolvimento; o gel de banho para crianças pode ter no rótulo a indicação de que fazer bolhas de sabão ajuda a desenvolver todo o tipo de competências (desde os músculos da cara que vão ajudar ao desenvolvimento da linguagem ao lado motor, coordenação mão-olho, competências sociais, etc.). Há coisas supersimples que todos podemos fazer e que nem exigem investimento, apenas sensibilidade, e que são capazes de trazer benefícios a longo prazo de enorme valor.”
OS BEBÉS NA SUA MELHOR VERSÃO
Curiosamente, nem Clementina vem de uma família alargada nem tem, ela própria, um batalhão de filhos. E esta não é uma paixão que lhe venha da sua própria infância, quem tivesse de adivinhar, diria que viria a fazer-se estilista – “sempre fui muito criativa e desenhava a minha roupa desde os tempos do liceu; fazia os moldes, cortava, cosia… foi assim até na faculdade” – mas mal se viu dar um passo em Psicologia, em 1986, a disciplina preencheu-lhe as veias e a curiosidade foi crescendo nela. O pai morrera quando tinha 10 anos e não teve a sorte de ter irmãos – mas nunca gostou de ser filha única. Servia-se da sorte de viver num prédio com outras famílias e de crescer a brincar na rua com as duas dezenas de miúdos dali. Curiosamente, ela própria é mãe de uma única filha. “Fui mãe tardia, a minha filha nasceu quando eu tinha 43 anos e já um percurso académico e profissional. E foi a minha cobaia”, ri-se, “tudo quanto recomendo aos pais, das brincadeiras às plasticinas caseiras e livros de alto contraste de lancei, já fiz com a minha filha. Experimentei tudo com ela”. Hoje com 9 anos, a inclinação de Leonor não se afasta muito da mãe, cujas roupas dos tempos de liceu adora vestir, mas é para os animais que se dirige a sua curiosidade.
Empreendedora, teimosa e bem consciente do que está por fazer, os 30 anos de experiência a acompanhar bebés não lhe deram de todo a sensação de dever cumprido. Antes a vontade de fazer mais, de chegar a mais crianças e de despertar nas famílias esse conhecimento de que o que fazem aos seus bebés é fundamental para serem aquilo a que chama “a melhor versão deles próprios”: felizes, desenvolvidos, capazes. Foi esse o impulso que a levou a fundar a primeira clínica de bem-estar no país especificamente dirigida aos mais pequenitos, a ForBabiesBrain by Clementina, onde aplica os conhecimentos adquiridos e desenvolvidos, que já deram inúmeros artigos científicos em revistas estrangeiras da especialidade, bem como alberga o seu centro de investigação. No ForBabiesBrain Lab, criou já dois métodos de estimulação multissensorial, o BabySense e o Spa ForBabies, primeiro spa clínico para bebés na Europa.
“Sou mesmo aquilo a que chamam rato de laboratório”, repete com ênfase nessa característica que a levou a andar de estudo em estudo, sempre a investigar novas práticas e métodos. “E o que tento todos os dias é dar aos pais o máximo de ferramentas possível para os seus bebés poderem ser o melhor possível. Comecei por sessões de estimulação sensorial em sala, mas começou a crescer em mim a ideia da importância do mundo aquático, uma vez que é essa a sua realidade na barriga da mãe, de como isso poderia potenciar o seu percurso. Então desenvolvi protocolos com minijacuzzis para pôr essa ideia em prática”, conta. No fundo, trata-se de traduzir a ciência na sua aplicação prática – e a água cumpre diversas funções, incluindo as capacidades de desenvolvimento motor e a sensação de bem-estar transmitida pela ausência de gravidade.
A frescura que trouxe para Portugal rapidamente a catapultou para palcos onde podia chegar a mais pessoas – “tinha acabado de nascer a Leonor, em 2012, quando comecei a ter uma rubrica semanal no Porto Canal”, conta Clementina, que é casada com um cirurgião cardiovascular -, mas não dá de todo o trabalho por completo. “Acho que a minha missão se alterou um pouco nos últimos anos; gostava de ir além da ajuda que consigo dar numa base pessoas a alguns bebés privilegiados e através das redes sociais consigo chegar a muitas mais famílias e impactar mais bebés, seja um filho, um neto ou um sobrinho.” Até chegar a todos para que possam ser a melhor versão deles próprios.
“NO PRIMEIRO ANO DE VIDA DE UMA CRIANÇA, O SEU CÉREBRO ESTÁ A 25% DAQUILO QUE VAI SER E ESSES PRIMEIROS ANOS SÃO DE CRESCIMENTO EXPONENCIAL.” “NO PRÉ-ESCOLAR, A CRIANÇA JÁ PODE TRAZER UM GAP COM REPERCUSSÃO DIRETA NO SEU SUCESSO ESCOLAR PELO MENOS ATÉ AOS 10 ANOS.” “FAZER BOLHAS DE SABÃO AJUDA A DESENVOLVER TODO O TIPO DE COMPETÊNCIAS. HÁ COISAS SIMPLES QUE TODOS PODEMOS FAZER E QUE NEM EXIGEM INVESTIMENTO.”