Rui Costa assume o clube e a SAD do Benfica. Foram 13 anos até chegar ao lugar desejado
O “maestro” torna-se presidente do universo benfiquista após Luís Filipe Vieira ter suspendido funções, depois de ter sido detido. Foi jogador, diretor desportivo, administrador, vice-presidente e, aos 49 anos, chega ao topo da hierarquia.
Nem todos podem dizer que entraram no Benfica pela mão de Eusébio. Rui Costa foi um deles. Tinha 9 anos. Tornou-se símbolo do clube e ganhou o cognome de “maestro” pela elegância com que colocava a equipa a jogar. Saiu da Luz para brilhar nos relvados italianos, mas voltou para se despedir em lágrimas a 11 de maio de 2008. Três dias depois estava a entrar na Luz, agora de fato, gravata e pasta em punho, em vez de chuteiras e bola, para ser diretor desportivo. Hoje é o primeiro dia em que entra no Estádio da Luz como presidente (ver caixa), depois de Luís Filipe Vieira ter sido detido no âmbito da Operação CartãoVermelho e, ontem, anunciado a suspensão de funções.
Rui Costa assumiu o cargo de diretor desportivo em 2008 e logo tentou colocar o treinador Alberto Malesani, com quem tinha trabalhado na Fiorentina, no lugar do espanhol José Antonio Camacho que tinha abandonado o clube ainda antes do final da época anterior, rendido interinamente por Fernando Chalana. A escolha do clube recaiu em Quique Sánchez Flores. A primeira contratação que apresentou foi Rúben Amorim (atual treinador do Sporting), então um jovem que se destacava no Belenenses. Depois usou os contactos internacionais para garantir, junto de colossos europeus, os empréstimos de jogadores como Reyes e David Suazo, além da contratação de Pablo Aimar, a quem ofereceu a “sua”camisola 10.
Nomes sonantes num projeto falhado. Uma Taça da Liga, ganha ao Sporting e com alguma polémica à mistura, foi o legado do primeiro ano de diretor desportivo, função que partilhou depois com a de administrador da SAD. Esteve depois na chegada de Jorge Jesus à Luz, mas viu o seu papel ser esvaziado por Vieira. Em 2012 o universo benfiquista já questionava o papel dele no clube, depois de ter sido apontado tantas vezes como o delfim e sucessor de Luís FilipeVieira – algo que acontece 13 anos depois.
Quando Vieira se apresentou de novo a votos a 26 de outubro de 2012 e foi reeleito presidente com 83,02% dos votos, Rui Costa fez parte da Comissão de Honra. Era o primeiro passo. Até então estava apenas ligado ao futebol profissional
como funcionário. Seguiram-se anos de sucesso, com vários títulos nacionais, com Jorge Jesus ao leme. Depois, em 2015, o treinador saiu direto para Alvalade e deu uma entrevista à GQ em que criticou a estrutura da Luz e o defendeu: “Rui Costa é o único elemento daquela estrutura que percebe de futebol. É a única esperança para o futuro do Benfica no futebol.”
Opiniões à parte o trabalho do ex-jogador continuava a não convencer os adeptos que viam Paulo Gonçalves e Domingos Soares de Oliveira muito mais por dentro da vida do clube e de braço dado com o presidente. Por isso, a cada relatório e contas algumas vozes questionavam o que auferia: em 2017 recebeu 230 mil euros (mais prémios).
Só entra na lista em 2020
Visto como exemplo de benfiquismo pelas gerações de adeptos mais velhas, confessou várias vezes que se sentiu usado por muitos candidatos à presidência, mas nunca revelou o nome de nenhum. Aceitou o convite deVieira e foi leal ao presi
dente durante os cinco mandatos, apesar de os bastidores fervilharem com informações de algum descontentamento pela desvalorização pessoal. Ano após ano, mandato após mandato, Rui Costa foi aparecendo como peça secundária nas contratações de jogadores e nas decisões do futebol do Benfica. O mercado sempre esteve muito centrado emVieira, que ouvia muito mais JoséVeiga, primeiro, Paulo Gonçalves e Jorge Jesus, depois.
Só no quinto mandato, em outubro de 2020, o “maestro” entra na lista de Vieira como vice-presidente. O cargo acumulava com a função de administrador da SAD. Mas antes de ser eleito esteve envolvido em mais um caso. Depois de perder a Supertaça para o FC Porto, Luisão, que esteve no banco em substituição do então diretor-geral Tiago Pinto, infetado com covid-19, o brasileiro deu uma reprimenda aos jogadores ainda em campo e de dedo em riste perante Rui Costa. Um incidente que levouVieira a intervir. Na tomada de posseVieira apontou-o como natural sucessor. Algo que se preci
pitou com a detenção do presidente mais titulado da história do clube.
Contudo, há quem considere que Rui Costa não é a pessoa mais indicada para o cargo. “Vai ser parte do problema do Benfica e não uma solução. A tentação será uma fuga para a frente, ganhar tempo. Arranjar o Rui Costa ou outro para tentar compor o ramalhete e, de alguma maneira, tentarem salvar-se de algumas coisas que todos cá fora viam e eles próprios não”, disse o ex-dirigente Rui Gomes da Silva ainda antes de Rui Costa ser oficializado.
Isto um dia depois de ser revelada uma denúncia ao Conselho Fiscal, em que um grupo de sócios questionou a incompatibilidade e o desrespeito pelo artigo 44.º dos estatutos por ligações a negócios por parte da empresa do filho de Rui Costa. O vice-presidente justificou-se, garantindo que “nunca participou em qualquer negociação que envolvesse o Benfica”.
Assuntos urgentes
A direção do clube reuniu-se ontem de emergência, mais uma vez, para
definir quem substituía o presidente agora detido. Como o DN tinha avançado na edição online, a escolha recaiu em Rui Costa, “nos termos que se encontram estatutariamente previstos” e em virtude da comunicação de Luís FilipeVieira de se autossuspender do cargo.
Foi cumprida a vontade de Vieira, pois o DN sabe que, numa das primeiras reuniões após a eleição, o antigo jogador foi indicado como o vice-presidente que assumiria o cargo nas suas ausências ou impedimentos. No clube, Rui Costa conta com a ajuda de Domingos Almeida Lima na parte institucional e ligação com as Casas do Benfica, José Eduardo Moniz na parte da comunicação e Fernando Tavares nas modalidades. Sílvio Cervan e Varandas Fernandes, Jaime Antunes e Rui Vieira do Passo são suplentes e podem ter agora tem um papel mais ativo.
Rui Costa assume igualmente a SAD, algo que foi confirmado em comunicado enviado à CMVM, no qual o Benfica informa que o até agora vogal do conselho de administração assume a gestão da Sociedade, “mantendo o conselho de administração todas as suas atribuições e competências nos termos previstos na lei e nos estatutos”. Em curso está já um dossiê para gerir: a emissão de um empréstimo obrigacionista de 35 milhões de euros, que decorre até dia 23. Além disso, a planificação de toda uma época em várias modalidades, incluindo o futebol. Aliás, no dia da detenção de Vieira, Rui Costa estava a regressar de Itália, onde tinha ido negociar João Mário... processo agora em banho-maria.
Além disso, lida já com um problema disciplinar: Filip Krovinovic foi afastado dos trabalhos de pré-época do Benfica e está sob alçada disciplinar da SAD, depois de ter sido divulgado um áudio em que questiona as decisões do treinador e insulta mesmo Jorge Jesus.
Vieira interrogado hoje
Luís Filipe Vieira só vai ser ouvido nesta manhã pelo juiz Carlos Alexandre, praticamente 24 horas depois de ter anunciado a suspensão das suas funções de presidente através de um comunicado lido à porta do Tribunal Central de Instrução Criminal pelo seu advogado Magalhães e Silva, esclarecendo que “suspensão não é renúncia”. Na nota, Vieira frisou que “o Benfica está primeiro” e apelou ainda “a todos os benfiquistas para que se mantenham serenos na defesa do bom nome” do clube.
Vieira foi um dos quatro detidos na quarta-feira numa investigação que envolve negócios e financiamentos superiores a 100 milhões de euros, alegadamente com prejuízos para o Estado e algumas sociedades, incluindo a Benfica SAD, a que o Ministério Público chamou de CartãoVermelho.