Adriano Moreira
O mundo das questões
É possível que em qualquer período da história conhecida a guerra não tenha sido a resposta à contrariedade dos interesses. A este respeito Arnold Toynbee analisou com profundidade a questão nos tempos modernos concluindo que é uma questão permanente, de regra sem resultados valiosos, em vista dos custos, designadamente humanos. A experiência ocidental, sobretudo a da II Guerra Mundial (1939-1945) pareceu marcar uma evolução de valores globais que impedissem a repetição da tragédia de sempre, sendo que neste acontecimento incluiu o poder atómico. O presidente Kennedy disse que “as nossas fronteiras hoje estão em todos os continentes”, parecendo que assumia um conceito de Benjamin Franklin: “Onde está a liberdade está a minha pátria.”
Também a história americana não pode ignorar períodos em que a observância de tal valor moral tenha sido respeitada, mas a paz da referida II Guerra Mundial lavrou a esperança da paz global permanente quando liderou a criação da ONU, com os notáveis princípios da “terra única”, sendo esta “a casa de todos os homens”. Infelizmente, deixar algumas fragilidades nas estruturas sendo a mais evidente a da criação do “direito de veto”, que aristocratizou as potências com direito de veto no Conselho de Segurança, e ao mesmo tempo não admitiu o governo da China durante anos substituído pela ilha de Taiwan, um facto que não estará ausente das dificuldades que os EUA enfrentam hoje com a China, um dos factos mais salientados no que, nos temas de hoje, é chamado “o mundo em questões”. O que significa que a paz não foi salvaguardada contra a multiplicação da concorrência, conflito de interesses e combates. Como salientou Montbrial, no ano passado, “le troisième millénaire n’en finit pas de mal commencer”.
Em primeiro lugar são múltiplas as revoltas sociais, como em França, traçadas na cólera que não limita as intervenções pelo respeito, perdido, das leis e das autoridades, por exemplo em Paris, com os gilets jaunes, no Líbano, em Hong Kong, na Argélia, cóleras inspiradas pelas desigualdades sociais, com frequência com intervenção dos jovens, vítimas de injustiça social. Mas são numerosos os Estados, com luta pelo direito ou para ter reconhecimento de direito, um tema que teve atenção da académica Maria da Glória Garcia (Direito em Tempo de Pandemia) em que salienta que “a pandemia mostrou que política e direito são inseparáveis da ciência e sua comunicação”.
Os asilos e a migração na Europa alargaram a injustiça contra as vidas de pessoas das terras de onde se afastam. No domínio da paz, em que outrora a ONU foi evidente, e agora inspirada pela perda da reeleição sofrida pelo presidente Trump, que enfraquecera a segurança do espaço da solidariedade atlântica, e abalou a unidade nacional dos EUA, fez agravar a relação de Israel com Jerusalém, embora as últimas eleições presidenciais tenham punido a pretensão da reeleição. A sua relação com a presidência do Brasil faz ruir o histórico estudo do abade Correia da Serra com Jefferson, no sentido de os EUA assegurarem a ordem do norte e o Brasil no sul. O mais inquietante, em relação ao objetivo da paz da ONU é que foi anunciado com detalhe e autoridade pelo secretário-geral, cuja recente intervenção não poderá ser ignorada. Nem ignorada pelos membros do Conselho de Segurança, eles próprios assumindo o dever do conceito de segurança e defesa no seu interesse específico. Além da competição que envolve os EUA, a Rússia e a China, a situação, neste século sem bússola, da UE aparece referida como “ou refazer-se ou desfazer-se” as complexidades do mundo árabe, os riscos nos mares, a novidade agravada é a agressão à saúde global atacada pela covid e pelo tema do clima. Este desastre mundial está a empobrecer a relação do género humano, por enquanto tendo uma circunstância positiva, que tem a sua expressão no fortalecimento da unidade humana pela ciência, o que é exigido pela redefinição do direito para enfrentar a prevista crise. Um passado e um futuro com conflitos de soberanias, de fronteiras, de religião, de competições excessivas com eventual intervenção militar, começa a exigir novas geografias e práticas políticas, capazes de impedir que a paz seja violada por males diferentes: na guerra da saúde aparece o conceito de saúde mundial porque é a vida do “povo” humano que está em causa, a responsabilidade correspondente exige a renovação criativa do paradigma correspondente porque não é apenas uma exigência política mas de justiça natural, porque é a gravidade global que não exige apenas a recente do combate guerreiro, porque alargou a área do globo que exceda a da II Guerra Mundial. A dimensão do desastre não pode provocar menor angústia do que a causada pela lembrada II Guerra cuja paz foi chamada “esta alegria coberta de lágrimas”. A situação atual antecipou as lágrimas.