BRUNO RAMOS
Natural de Almada, abraçou a missão de valorizar de o património natural e cultural que se pode encontrar nas zonas interiores do país, como a serra da Gardunha.
Na Casa do Guarda, a meio caminho do topo da serra da Gardunha, uma pessoa consegue parar e avistar uma paisagem deslumbrante. Entre montes, cursos de água e um mar de branco da flor de cerejeira encontra-se a cidade do Fundão, onde Bruno Ramos trabalha há mais de 20 anos. Almadense de gema, habituado a fazer a vida entre as duas margens do rio Tejo, é uma espécie de pioneiro nesta coisa de mudar de vida para o interior do país. O que desencadeou a mudança foi uma ida ao Algarve para assistir a um encontro onde uma série de associações de desenvolvimento local discutiam os seus planos de ação para os territórios frequentemente esquecidos pelo poder central. Para este jornalista, que sempre viveu na Grande Lisboa, o encontro despertou nele um sentimento de desconhecimento e de ignorância em relação ao trabalho que estas pessoas estavam a fazer em torno da coesão, da nossa identidade e da questão da cidadania. Estava estarrecido perante a sua própria ignorância, perante a dimensão do trabalho que estes grupos estavam a tentar levar a cabo.
O impacto foi de tal maneira forte que, quando um amigo lhe perguntou se queria ir trabalhar para o Pinhal Interior, não teve maneira de dizer que não. Encaixado entre a Cova da Beira e o Pinhal Interior, o Fundão era casa e abrigo de muitos amigos, responsáveis pelas visitas prévias que Bruno tinha feito a este território durante a juventude.
Bruno Ramos queria tentar colocar a sua experiência como jornalista ao serviço da comunicação da Pinus Verde. Esta começou por ser uma associação de produtores florestais, apícolas e agropecuários localizada na aldeia de Bogas de Cima, bem no centro do Pinhal Interior, a 30 quilómetros da sede de concelho. A união de produtores, criada em 1998, foi tendo um crescimento constante, tirando partido da entrada de coletividades privadas e mais tarde entidades públicas. Paulatinamente foi criando uma rede de parcerias, não exclusivamente na área florestal, mas também, para uma requalificação do património rural.
Uma preocupação com as pessoas que já existiam neste território era dar-lhes a possibilidade de um combate eficaz à pobreza e à exclusão social. Além destas preocupações, procurou também proporcionar acesso à cultura e à conservação da riqueza cultural destas aldeias, tantas vezes esquecidas pelo centralismo de Lisboa. O projeto maior da associação é a Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto (ADXTUR). Foi criada porque o isolamento daquele território tinha um lado menos negativo, que era a preservação de um património cultural do xisto e de um estilo arquitetónico presente em aldeias de 20 municípios. Iniciou-se, então, um trabalho de reabilitação, com intervenções no espaço público e respeito pelo meio ambiente, num raro entendimento entre comunidade, agentes privados e a administração local. “Existiam aldeias aqui que no início deste século não tinham saneamento básico ou eletricidade, contribuindo para a baixa autoestima das pessoas”, explica-nos. A criação de uma marca credível em termos turísticos, a Rede das Aldeias do Xisto, foi capaz de atrair pessoas interessadas por este território, mas sobretudo foi capaz de transmitir uma mensagem de valorização do património existente para os que já aqui viviam e encorajando a preservação desta riqueza cultural.
Para Bruno, que transitou para esta estrutura, logo no início do projeto em 2007, este foi mais um estímulo numa dinâmica que dura há 20 anos: “Acho sempre que estou para me ir embora, mas há sempre mais um estímulo e mais um desafio.” Este projeto concentra-se em tentar provar que “existem aqui condições e infraestruturas para a existência de um modo de vida por direito próprio, num território virgem com mais espaço para novos projetos e mais possibilidades para a criatividade”. Este processo, afirma, não é português: “Existem diversos estudos que indicam que até 2050 mais de 50% da população mundial irá viver no litoral.” Não que rejeite as qualidades das cidades junto à costa e da sua capacidade em aglomerar culturas distintas, mas se existe algo que a pandemia nos mostrou foi que “existe um refúgio no interior”, onde é possível viver com qualidade, em comunhão com a natureza, sem ser preciso rejeitar a digitalização. No caso do Fundão, há boa qualidade nos acessos viários e digitais, mas também nos serviços públicos. Na ausência do mar, que sempre lhe fez companhia enquanto vivia no litoral, admira com frequência “este mar de montanhas” que se avista da Casa do Guarda. “Existe aqui uma espécie de energia vibracional” que o faz reconciliar com o meio ambiente. “Às vezes ando aqui a cabritar pelos montes até arranjar uma pedra confortável e fico ali a ler ou só a estar com a natureza.”