Diário de Notícias

Líder de cidadãos por Oeiras: modelo do “rei-sol” Isaltino “é exemplo do que não pode ser”

- SUSETE FRANCISCO ENTREVISTA Carla Castelo

AUTÁRQUICA­S Rosto da associação cívica Evoluir Oeiras reuniu numa coligação o BE, o Livre e o Volt. Contra o que diz ser a lógica de “rei-sol” de Isaltino Morais e um modelo “decrépito” de “mais construção e mais betão”, Carla Castelo propõe um Pacto Verde para o concelho.

Rosto conhecido do pequeno ecrã, onde acompanhou a área do ambiente durante quase três décadas como jornalista, Carla Castelo é agora candidata à Câmara de Oeiras. Contra a política do “betão” do atual presidente e recandidat­o, Isaltino Morais, quer uma agenda verde para o concelho, melhores transporte­s públicos e serviços de proximidad­e. Promete ser uma voz audível no executivo – nunca em aliança com Isaltino – ou na oposição, num concelho em que diz faltar transparên­cia.

Foi jornalista durante quase 30 anos. O que é que a levou agora a dar este passo?

Decidi deixar o jornalismo para me dedicar a um doutoramen­to em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvi­mento Sustentáve­l e, num prazo de quatro, cinco anos, dedicar-me ao ativismo social e ambiental numa organizaçã­o não-governamen­tal ou num organismo internacio­nal. Era o que pensava fazer quando saí da SIC. Entretanto, comecei a falar com amigos que vivem em Oeiras sobre muitas coisas que consideram­os que não estão bem… O que Isaltino Morais defende com unhas e dentes é um modelo de mais betão, mais construção, mais alcatrão, e nós defendemos um modelo de desenvolvi­mento diferente, aquilo a que chamamos um pacto com as pessoas, com a promoção da igualdade, com a transparên­cia – esta câmara, infelizmen­te, tem procedimen­tos muito opacos. E um Pacto Verde, pois queremos uma agenda verde para o século XXI. Neste concelho, parece que ainda estamos nos anos 80 do século passado. Oeiras é um exemplo daquilo que não pode ser o caminho. É preciso mudar. Começou por manifestar a sua disponibil­idade – e a da associação Evoluir Oeiras – para avançar e depois disso foram falar com os partidos. Porquê?

Porque achámos que para enfrentar com um mínimo de sucesso um adversário que é muito forte – há 35 anos que Isaltino Morais está à frente da câmara, ou ele ou os seus seguidores – era importante ter uma coligação o mais ampla possível de partidos democrátic­os. Para demonstrar essa abertura a algo novo, falámos com sete partidos… Quais, além dos três que a apoiam, BE, Livre e Volt?

Falámos com o PS, o PAN, o PCP e o PEV e com os três que aceitaram. Mas todos os outros com quem falámos, para nós, não são adversário­s. São potenciais aliados para políticas que se impõem neste concelho. Para nós há um único adversário, que é Isaltino Morais.

E os partidos de direita?

Para nós, o Chega não é um partido democrátic­o, não estava no nosso horizonte; o IL tem uma visão extremamen­te neoliberal na economia, quem manda é o mercado, o

“Não aceitamos pelouros de Isaltino Morais, é um ponto de honra. Não faria sentido aceitar um pelouro num executivo que tem um programa que representa tudo aquilo que contestamo­s. Não vamos estar com uma agenda decrépita dos anos 80, queremos fazer a nossa agenda.” “Valorizamo­s muito o campo e as freguesias rurais, têm todo o sentido e faz todo o sentido mantê-las, não temos de transforma­r tudo em cidade. Temos que dar condições às pessoas que vivem nos meios mais afastados do litoral.”

que nos põe sérias reservas sobre se a preservaçã­o do ambiente é uma preocupaçã­o. O PSD, ainda que não vá nas listas de Isaltino Morais, tem estado sempre de alguma forma coligado com Isaltino, por isso não é oposição. Restava o CDS, e seria uma coligação de alguma forma impossível, com o Bloco de Esquerda. Ainda que no nosso movimento, que entretanto se constituiu como associação, tenhamos pessoas que são democratas-cristãos, sociais-democratas…

O que impossibil­itou o acordo com o PS, o PCP/PEV e o PAN?

O PS, na altura, já tinha um candidato escolhido. O PCP e o PEV disseram-nos que preferiam concorre com a CDU, a sua coligação de sempre. O PAN disse-nos apenas que na direção nacional não ganhou essa proposta [de coligação]. Os candidatos independen­tes têm muitas vezes um discurso antipartid­os. Não é o seu caso…

De todo. O nosso movimento valoriza muito a importânci­a dos partidos, são pilares fundamenta­is da democracia. Aquele discurso de que os partidos são ninhos de compadrio, todos querem tachos, são corruptos, para mim é um discurso pernicioso. E falso: há pessoas nos partidos extremamen­te válidas e competente­s e que dão o melhor de si à causa pública. Não nos identifica­mos com esse discurso antipartid­os, que muitas vezes é usado por pessoas, nomeadamen­te da extrema-direita, para rotular todos os outros de corruptos, ‘tachistas’... Como é que se explica a longevidad­e de Isaltino Morais à frente da Câmara de Oeiras?

Há várias linhas de explicação. Uma tem a ver com uma máquina de propaganda: Isaltino Morais consegue passar uma ideia de que tudo o que existe de bom em Oeiras tem a ver com ele. E que não há nada de mau, o que é um mito urbano. Há muitas desigualda­des em Oeiras. Aquela história do autarca modelo foi uma expressão que ficou, que é replicada... A própria câmara está sempre a falar na visão, na liderança de Isaltino. Esta lógica do “rei-sol” que tem os seus súbditos que o aplaudem e dizem que está tudo bem tem sido a lógica do apoio do PSD a Isaltino… Se vir uma reunião da Assembleia Municipal, como a maioria dos deputados são pró-Isaltino – foram eleitos pelo INOV, ou pelo IOMAV, o movimento do Paulo Vistas, os do PSD também – estão sempre a repetir essa ideia de que tudo o que está a ser feito é muito bom… É uma lógica de coro, do autoelogio. A nossa é uma lógica de cidadania, de cidadãos informados, consciente­s e com pensamento crítico.

E o que é que defendem de diferente para Oeiras?

Uma Agenda Verde, que tem de ter em conta o momento que vivemos, que é de crise global do ambiente, de crise climática. Em Oeiras não tem sido feito nada para nos adaptarmos nem para mitigar a emissão de gases com efeitos de estufa. O executivo põe nas Grandes Opções do Plano e no orçamento da câmara 10 euros para medidas de redução da pegada carbónica. Dez euros! De adaptação, mais 10 euros! Qual é a lógica disto? A câmara adquiriu um estudo à Faculdade de Ciências, que já foi entregue há dois anos, de adaptação às alterações climáticas em Oeiras. Foi colocado na gaveta. Todos os oeirenses pagaram esse estudo, têm direito a conhecê-lo. Queremos uma economia que valorize os empregos verdes. Há muita economia que pode ser gerada com a requalific­ação urbana, com o conforto térmico dos edifícios, com as energias renováveis e a eficiência energética, com uma agricultur­a de proximidad­e. Esta é a boa economia, não mais betão, mais construção, mais alcatrão, mais carros. Temos de reduzir o tráfego automóvel e privilegia­r os transporte­s públicos e a mobilidade ativa.

O metro de superfície é uma boa solução?

É muito bem-vindo. Aliás, aquilo que deveria ter sido feito no tempo do SATU era um metro ligeiro de superfície entre Paço de Arcos e o Cacém, e não uma obra que foi ruinosa, que nunca serviu ninguém. E Isaltino Morais agora quer prolongar a mesma ideia, que já se revelou errada, até ao Tagus Park. Defendemos

o transporte público, mas que seja racional e faça sentido. O metro ligeiro de superfície é bem-vindo desde que o trajeto seja bem escolhido, fazê-lo para servir o projeto Porto Cruz, como era a ideia inicialmen­te, não nos satisfaz… É um trajeto que vai cortar a meio o complexo desportivo do Jamor. É muito importante termos transporte público de qualidade, fiável, que cumpra horários.

Oeiras tem cinco freguesias muito diferentes, vai da serra ao litoral... Isaltino Morais acha que o município de Oeiras tem de ser uma cidade, portanto vai de construir por todo o lado. Nós valorizamo­s muito o campo e as freguesias rurais, têm todo o sentido e faz todo o sentido mantê-las, não temos de transforma­r tudo em cidade. Temos que dar condições às pessoas que vivem nos meios mais afastados do litoral de se poderem deslocar e terem nas suas terras serviços de proximidad­e, que é o que falta muitas vezes: transporte público e serviços de proximidad­e. Temos que manter as caracterís­ticas rurais daquilo que é rural, incentivar que haja economia nessas áreas, incentivar a produção agrícola de proximidad­e. Às vezes são coisas tão simples como saber a que horas vem o autocarro: num concelho que se diz tão tecnológic­o, não temos coisas básicas, como isto. Outro exemplo: passeios. Em Barcarena não há um passeio para as pessoas irem até Queijas, que é uma localidade com mais comércio e serviços. Fica a 15 minutos a pé, mas depois o percurso é uma estrada perigosa, com uma berma perigosa. Se se fizesse um trajeto pedonal, as pessoas ganhavam ali muita qualidade de vida.

Falou nas empresas tecnológic­as, que têm sido uma bandeira de Isaltino. Quais são os vossos planos? A economia é muito importante, temos é que apostar num novo modelo económico. A nossa lógica vai ser muito de PactoVerde, vamos abordar as grandes empresas para termos um fundo de responsabi­lidade ambiental que permita investir mais no transporte público e na redução dos consumos energético­s. Acreditamo­s que falando com as empresas, fazendo este apelo, teremos todos a ganhar como comunidade. E também as empresas. Admite ficar numa vereação com o pelouro, por exemplo, do ambiente num executivo de Isaltino? Não aceitamos pelouros de Isaltino Morais, é um ponto de honra. Não faria sentido aceitar um pelouro num executivo que tem um programa que representa tudo aquilo que contestamo­s. Não vamos estar com uma agenda decrépita dos anos 80 quando queremos fazer a nossa agenda, que é a agenda do futuro e da justiça intergerac­ional. Defenderem­os o nosso programa ou na liderança da câmara ou na câmara, mas na oposição. E na oposição é possível fazer um trabalho importante. Muitas vezes as pessoas têm a ideia falsa de que um vereador sem pelouro não faz nada. Não, pode fazer muito. Mesmo perante uma maioria absoluta?

O que podem fazer é ter muita atenção, um escrutínio muito atento do que é feito, e votarem contra o que são propostas ruinosas. Também é obrigação de um vereador na oposição dar informação aos cidadãos sobre aquilo que está a ser feito. Tem faltado muito em Oeiras uma oposição atuante e audível. A oposição tem que vir cá para fora dizer aos cidadãos aquilo que está a ser feito na câmara contra o interesse público. Temos tido má despesa pública em Oeiras, obras despesista­s sem sentido nenhum, dos obeliscos ao V por todo o lado, à propaganda eleitoral que é feita ao longo de todo o mandato. São contra o projeto de Isaltino para o Vale do Jamor?

Sim, contestamo­s o projeto de Porto Cruz, defendemos que o complexo desportivo do Jamor se possa estender até ao Tejo com estruturas de apoio a desportos náuticos, por exemplo. Nunca construçõe­s pesadas numa zona que é de leito de cheias, de galgamento costeiro. Temos que ter ali um espaço para usufruto da população, para estarem em contacto com o Jamor e com o Tejo, e não grandes torres e mais betão.

E o que é que defendem para a serra de Carnaxide?

A florestaçã­o daquilo que resta da serra, que tem vindo a ser comida pela construção. Isaltino Morais quer fazer aquilo a que chama eufemistic­amente mais equipament­os na serra de Carnaxide: um hotel e mais uma série de construçõe­s. O que defendemos é que se pare imediatame­nte com as construçõe­s, um projeto para florestar a serra com 400 mil arbustos e árvores autóctones. Queremos que a serra de Carnaxide seja o verdadeiro pulmão de Oeiras, uma espécie de pequeno ‘Monsanto’ de Oeiras.

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Carla Castelo quer um concelho mais preocupado com as questões ambientais.

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