O pseudodrama do certificado digital
[...] tão-pouco dos empresários se espera que se amedrontem perante a necessidade de gastar um, dois, cinco ou dez minutos a admitir um cliente no seu restaurante ou hotel. A alternativa, recordo, é fechar. Preferem?
São muitos os agentes económicos que estão a sofrer com a pandemia da covid. No caso concreto dos setores direta ou indiretamente ligados ao turismo, as dificuldades acumulam-se pelo segundo ano consecutivo, o que naturalmente resulta num estado de profunda insatisfação. Ainda assim, tenho muita dificuldade em compreender os protestos dos últimos dias contra as medidas agora adotadas para a admissão de clientes em estabelecimentos de hotelaria e restauração.
Vejamos o que está a acontecer a partir do ângulo de quem tem de gerir a crise sanitária. Goste-se ou não da atual matriz de risco, que poderá eventualmente vir a ser revisitada, é impossível ignorar a progressão das duas variáveis que lhe estão subjacentes. Por um lado, as novas infeções crescem a um ritmo musculado, agora com incidência nacional e particular gravidade nas regiões de Lisboa e do Algarve. Por outro lado, o índice de transmissibilidade instalou-se solidamente numa gama de valores acima da unidade, o que significa que está no terreno uma espiral de crescimento da pandemia.
São já 33 os concelhos de risco muito elevado, a que acrescem outros 27 de risco elevado. Entretanto, mais 34 concelhos entraram em alerta. Um olhar sobre o mapa de Portugal revela que é nas regiões de maior população, residente ou visitante, que se localiza o risco: Minho, Porto, Aveiro, Oeste, Lisboa, Setúbal, Algarve.
Esta evolução fez com que o Centro Europeu de Controlo de Doenças tenha esta semana colocado Portugal na zona vermelha, devido aos quase 250 casos de infeção por 100 mil habitantes registados, em média, nos últimos 14 dias. Na sequência, a França desaconselhou viagens não essenciais ao nosso país (e também a Espanha). Ou seja, a perceção do risco elevado vem também de fora.
Perante tudo isto, o governo apenas tem duas opções. Ou perspetiva confinamentos regionais ou introduz outro tipo de limitações e de requisitos específicos. Ninguém deseja a primeira solução, pois é a que mais lesa o conjunto de interesses em jogo, nomeadamente a manutenção da atividade económica. E se olharmos para a alteração da correlação entre infetados, internados em enfermaria geral, internados em cuidados intensivos e mortes, concluímos que o grau de gravidade está claramente a diminuir, facto a que não é de todo alheio o avanço da vacinação. Ainda bem. Todavia, evitar o confinamento não significa criar condições para que o vírus circule com toda a liberdade. É aqui que entra a segunda opção, que é a das medidas cirúrgicas, como a exigência do certificado digital de vacinação ou prova de teste negativo para o acesso aos estabelecimentos hoteleiros e de alojamento local em todo o país, ou ao interior dos restaurantes nos concelhos de risco elevado ou muito elevado durante os fins de semana.
Os representantes destes setores vieram a correr criticar estas medidas, vendo em tudo problemas, dificuldades e ameaças. Francamente, com toda a solidariedade que nos merecem estes empresários, é hora também de perceberem que o seu negócio não é mais importante que a saúde pública. Estamos a meio de uma guerra, daquelas que fazem mortos. Nestes momentos, exige-se coragem, abnegação e luta. Tal como do soldado não se esperam lamentos, porque a caserna é pouco confortável ou a guerra não parou ao fim de semana, tão-pouco dos empresários se espera que se amedrontem perante a necessidade de gastar um, dois, cinco ou dez minutos a admitir um cliente no seu restaurante ou hotel. A alternativa, recordo, é fechar. Preferem?