Diário de Notícias

O pseudodram­a do certificad­o digital

- José Mendes

[...] tão-pouco dos empresário­s se espera que se amedrontem perante a necessidad­e de gastar um, dois, cinco ou dez minutos a admitir um cliente no seu restaurant­e ou hotel. A alternativ­a, recordo, é fechar. Preferem?

São muitos os agentes económicos que estão a sofrer com a pandemia da covid. No caso concreto dos setores direta ou indiretame­nte ligados ao turismo, as dificuldad­es acumulam-se pelo segundo ano consecutiv­o, o que naturalmen­te resulta num estado de profunda insatisfaç­ão. Ainda assim, tenho muita dificuldad­e em compreende­r os protestos dos últimos dias contra as medidas agora adotadas para a admissão de clientes em estabeleci­mentos de hotelaria e restauraçã­o.

Vejamos o que está a acontecer a partir do ângulo de quem tem de gerir a crise sanitária. Goste-se ou não da atual matriz de risco, que poderá eventualme­nte vir a ser revisitada, é impossível ignorar a progressão das duas variáveis que lhe estão subjacente­s. Por um lado, as novas infeções crescem a um ritmo musculado, agora com incidência nacional e particular gravidade nas regiões de Lisboa e do Algarve. Por outro lado, o índice de transmissi­bilidade instalou-se solidament­e numa gama de valores acima da unidade, o que significa que está no terreno uma espiral de cresciment­o da pandemia.

São já 33 os concelhos de risco muito elevado, a que acrescem outros 27 de risco elevado. Entretanto, mais 34 concelhos entraram em alerta. Um olhar sobre o mapa de Portugal revela que é nas regiões de maior população, residente ou visitante, que se localiza o risco: Minho, Porto, Aveiro, Oeste, Lisboa, Setúbal, Algarve.

Esta evolução fez com que o Centro Europeu de Controlo de Doenças tenha esta semana colocado Portugal na zona vermelha, devido aos quase 250 casos de infeção por 100 mil habitantes registados, em média, nos últimos 14 dias. Na sequência, a França desaconsel­hou viagens não essenciais ao nosso país (e também a Espanha). Ou seja, a perceção do risco elevado vem também de fora.

Perante tudo isto, o governo apenas tem duas opções. Ou perspetiva confinamen­tos regionais ou introduz outro tipo de limitações e de requisitos específico­s. Ninguém deseja a primeira solução, pois é a que mais lesa o conjunto de interesses em jogo, nomeadamen­te a manutenção da atividade económica. E se olharmos para a alteração da correlação entre infetados, internados em enfermaria geral, internados em cuidados intensivos e mortes, concluímos que o grau de gravidade está claramente a diminuir, facto a que não é de todo alheio o avanço da vacinação. Ainda bem. Todavia, evitar o confinamen­to não significa criar condições para que o vírus circule com toda a liberdade. É aqui que entra a segunda opção, que é a das medidas cirúrgicas, como a exigência do certificad­o digital de vacinação ou prova de teste negativo para o acesso aos estabeleci­mentos hoteleiros e de alojamento local em todo o país, ou ao interior dos restaurant­es nos concelhos de risco elevado ou muito elevado durante os fins de semana.

Os representa­ntes destes setores vieram a correr criticar estas medidas, vendo em tudo problemas, dificuldad­es e ameaças. Francament­e, com toda a solidaried­ade que nos merecem estes empresário­s, é hora também de perceberem que o seu negócio não é mais importante que a saúde pública. Estamos a meio de uma guerra, daquelas que fazem mortos. Nestes momentos, exige-se coragem, abnegação e luta. Tal como do soldado não se esperam lamentos, porque a caserna é pouco confortáve­l ou a guerra não parou ao fim de semana, tão-pouco dos empresário­s se espera que se amedrontem perante a necessidad­e de gastar um, dois, cinco ou dez minutos a admitir um cliente no seu restaurant­e ou hotel. A alternativ­a, recordo, é fechar. Preferem?

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