Diário de Notícias

TRADIÇÃO

Numa pequena queijaria de 20 metros quadrados, Fábio e Ana preservam o conhecimen­to passado de geração em geração. Já existem planos para o negócio crescer. E a família também.

- TEXTO E FOTOGRAFIA REINALDO RODRIGUES

Apaisagem pintada de um verde garrido, entremeada por grandes blocos graníticos do tamanho de casas, vai denunciand­o que estamos na Beira Alta. Pequenos rebanhos vão pontuando prados vistosos, no concelho de Fornos de Algodres, a caminho da aldeia da Matança. Esta foi a terra que viu nascer Fábio Gerardo, mas não o viu crescer, isso aconteceu em Lisboa. Como muitos antes dele, os pais de Fábio decidiram ainda jovens rumar à capital face à falta de alternativ­as e a um destino quase certo de labuta no campo.

Esta é uma terra muito marcada pelos que decidem partir. Desde os anos 1950 que Fornos de Algodres perde população de forma contínua. Nos últimos censos, o número de habitantes não chegava aos cinco mil. É um território muito extenso, com pouca indústria e voltado, sobretudo, para o pastoreio, seguindo assim uma longa herança no fabrico de queijo à sombra da Serra da Estrela. Região de queijo onde o saber fazer passa através de gerações e há muito se percebeu que para ter bom queijo é preciso ter bom leite. Não esquecendo a flor de cardo, abundante nesta zona. Considerad­o como o mais antigo dos queijos portuguese­s e um dos mais afamados queijos de ovelha de todo o mundo, o Queijo Serra da Estrela é feito com leite de animais das raças “Serra da Estrela” ou “Churra Mondegueir­a”, considerad­as como as de melhor eficiência leiteira.

Contudo, esta região é reconhecid­a pela qualidade dos seus pastos e o leite de cabra tem sido alvo de aposta de muitos novos produtores.

Estes animais, com um índice de produção leiteira superior ao das ovelhas, são apreciados pelas qualidades naturais do seu leite e levam a que alguns criadores apostem no fabrico de um queijo diferente, extremamen­te saboroso e bastante distinto do queijo tradiciona­l da serra da estrela.

Este conhecimen­to, transmitid­o através dos tempos, foi desde muito cedo algo presente na vida do jovem. No caso de Fábio, as férias escolares serviam para rumar junto dos avós, onde os acompanhav­a nas tarefas de tomar conta do rebanho ou para acompanhar a avó enquanto esta preparava o queijo, da mesma forma que há muitos anos se fazia na família: leite, flor de cardo (essencial para coalhar o leite) e sal. Este laço com o campo e a tradição da família foi sendo traduzido

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Talvez por isso, o jovem sentiu que tinha “o privilégio de saber o que queria ser quando fosse grande” e em cada encruzilha­da que a vida académica lhe apresentav­a o jovem sabia exatamente qual o percurso a tomar para retomar o trabalho da vida dos avós.

No seu percurso, quando ainda estudava engenharia zootécnica no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, cruzou a vida com Ana Martins, nascida em Cascais e longe de pensar numa vida no interior. Mas o namoro entre ambos conseguiu construir um amor em torno do sonho de infância de Fábio: rumar ao interior e ter uma exploração agropecuár­ia.

A chegada a este território, levantou muitas dúvidas na comunidade. Dúvidas sobre a persistênc­ia do jovem casal perante uma “vida dura e muito difícil”, como nos diz Ana, quando se refere aos caprichos do tempo e aos cuidados constantes de que estes animais precisam. A sua chegada contradiz a tendência de decréscimo no número de trabalhado­res neste setor. Se no início dos anos 1990 existiam 850 mil trabalhado­res dedicados à agricultur­a, em 2016 o número fixava-se nos 318 mil.

Atravessan­do os campos em redor de Fornos de Algodres apercebemo-nos de outro fator que afeta esta atividade: o envelhecim­ento. Em 1989, 40% dos agricultor­es tinha 55 ou mais anos e em 2016 esta percentage­m atinge os 56,2%. Mas quando o casal se mudou para a Matança em 2012, Ana, que tinha nascido e crescido nas imediações de Lisboa , percebeu que tinha de aprender com a experiênci­a e começou a acompanhar a avó de Fábio, ajudando-a no processo de fabricação tradiciona­l do queijo de cabra.

Encontramo­s o jovem casal com o filho mais novo que, entretanto, já nasceu ali e cresceu por cima da pequena queijaria de 20 metros quadrados, no piso térreo da casa. Ana, encarrega-se da produção de queijos, atualmente com recurso exclusivo ao leite de cabra e Fábio está ocupado com o acompanham­ento dos animais. Nesta vida, o trabalho nunca cessa e a caminho do local onde nos esperava o rebanho de 350 cabras passamos pelo espaço onde o casal anseia revolucion­ar a capacidade de produção da quinta. Um capril novo, com escritório, sala de ordenha, sala de leite, cabritário, enfermaria e nave principal, que permita rentabiliz­ar a produção de leite. Mas nem só de trabalho vive o jovem casal empreended­or. Se em 2020 conquistar­am a Medalha de Ouro no 10.º Concurso Nacional de Queijos Curados Tradiciona­is Portuguese­s, em breve outro prémio os espera: no final deste mês uma nova criança irá nascer na aldeia da Matança.

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