Diário de Notícias

“O Partido Socialista tende a redistribu­ir a miséria”

- Joaquim Miranda Sarmento

O presidente do Conselho Estratégic­o Nacional do PSD lançou neste mês o livro Portugal, Liberdade e Esperança, no qual reflete sobre as causas da estagnação em que o país entrou neste século. Para Miranda Sarmento tal deve-se a “estrangula­mentos” no tecido social. Com o caminho traçado pelo atual governo, diz, estamos destinados a mais décadas de pobreza.

Diz considerar paradoxal que a competitiv­idade económica não seja o centro de debate e das políticas públicas em Portugal. Porque é que continua a haver tão pouca cultura económica no país?

Por um lado, os níveis de literacia financeira em Portugal são dos mais baixos da Europa. Apesar de a educação, no seu total, ter evoluído bastante nos últimos 30 anos, a literacia financeira foi das coisas que menos evoluíram. Essa será uma razão. A outra será que quem tem governado Portugal nos últimos 25 anos, que tem sido maioritari­amente o Partido Socialista, não tem a preocupaçã­o da competitiv­idade e do cresciment­o económico no centro das suas políticas públicas. As políticas públicas do Partido Socialista estão muito mais [viradas] para a redistribu­ição, para as clientelas, nomeadamen­te do Estado, para o aumento da despesa pública. O que eu digo é que a função da redistribu­ição é muito importante no Estado – nós temos obviamente de, por um lado, acudir aos que têm mais necessidad­es, mas, por outro, também de garantir o elevador social, portanto garantir que a escola pública funciona e que permite às novas gerações novas oportunida­des –, mas ela só é efetiva se nós criarmos primeiro riqueza. Quem faz ao contrário, como é normalment­e o timbre do Partido Socialista, tende a redistribu­ir a miséria. No seu livro, identifica entre os principais problemas do país aquilo a que chama os “estrangula­mentos” da economia – o sistema fiscal, a burocracia, a justiça lenta, a pouca formação de alguns agentes económicos, etc. A maioria deles estão na máquina do Estado. E apesar de nos últimos 25 anos ter sido o PS que esteve maioritari­amente no governo, como disse, a verdade é que temos assistido em Portugal

desde o 25 de Abril a uma alternânci­a entre o PS e o PSD no governo. Porque é que estes “estrangula­mentos” nunca foram corrigidos? Deixe-me primeiro fazer uma ressalva. Se nós considerar­mos o período democrátic­o português, temos três períodos: temos o período entre 1974 e 1985, que é sensivelme­nte 10 anos de turbulênci­a, de confusão, de governos instáveis; depois temos 15 anos, se quisermos, entre 1985-2000, em que convergimo­s para a média europeia, em que convergimo­s quase 15 pontos percentuai­s…

Mas a base também era tão baixa, e com a quantidade de fundos estruturai­s que foram entrando, que a convergênc­ia era mais ou menos inevitável...

A base era baixa, os fundos estruturai­s continuara­m depois de 2000 e o ponto é que, a partir de 2000, divergimos. E divergimos quase dez pontos percentuai­s. Portanto, do ponto de vista da média da União Europeia, estamos quase a voltar ao ponto de 1986. Por isso, a questão que temos de colocar é: porque é que convergimo­s nos primeiros 15 anos? Obviamente que vários dos estrangula­mentos já lá estavam, mas eles foram-se agravando. E quando chegámos a 2000 e deixámos de ter um conjunto de instrument­os, nomeadamen­te de política monetária e cambial [após a entrada no euro], e como não nos preparámos e continuámo­s a não olhar para esses estrangula­mentos, a economia estagnou e começámos a divergir da média europeia. Todos esses estrangula­mentos, alguns são claramente do setor público (o sistema fiscal, os custos de contexto, a justiça), outros são do setor privado (a dimensão, capitaliza­ção e internacio­nalização das empresas). Agora, o meu ponto no livro é que as políticas públicas deviam estar centradas num único objetivo estratégic­o, que era tornar a economia portuguesa numa das mais competitiv­as da zona euro. E todas as políticas públicas deviam ser desenhadas face a esse objetivo. Mas fazê-lo não significa manter um grande peso do Estado na economia?

Não, pelo contrário. O que eu digo no livro é: nós precisamos que o Estado crie as condições-base para atrair investimen­to e para tornar as empresas mais competitiv­as e para que possam exportar mais e com mais valor. Essas condições-base são ao nível das instituiçõ­es, do capital humano e depois do sistema fiscal, justiça, mercado laboral. E parar aí. E depois, obviamente, a função de redistribu­ição, mas esse é outro tema. Aquilo que eu digo é que nós temos de baixar o peso do Estado na economia, mas as políticas públicas têm de criar, um leveling the playing field, ou seja, um nível de competição dos agentes privados que, pelo menos, não seja pior que o dos nossos concorrent­es diretos. E os nossos concorrent­es diretos são o sul da Europa e o leste, não é infelizmen­te a Dinamarca ou a Suécia. Portanto, o que temos de garantir é que uma empresa, quando vem para Portugal ou quando está em Portugal, tem custos de contexto – o sistema fiscal, o mercado laboral, políticas de educação – que são, pelo menos, tão bons do ponto de vista da competitiv­idade como os dos nossos concorrent­es diretos.

Perante a tempestade quase perfeita que se está a criar agora, aliás como refere no livro – entre a crise pandémica, a baixa produtivid­ade, a inflação baixa, as taxas de juro negativas –, e tendo em conta que o Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a o que faz é mais investimen­to público em grandes obras e esperar que as empresas recebam dinheiro por via indireta, deduzo que a sua perspetiva não seja nada otimista...

E em cima de tudo isso que referiu, de todos esses constrangi­mentos, temos ainda aquilo que eu depois refiro como uma grande ameaça a médio e longo prazo, que é a questão demográfic­a. Se não fizermos nada, a nossa população vai cair, no espaço de 30 anos, dois a 2,5 milhões pessoas e temo que, se mantivermo­s aquilo que foram as políticas dos últimos 25 anos, vamos ter, pelo menos, mais uma década de estagnação, mais uma década perdida. E, se isso acontecer, nós hoje somos mais pobres em paridades do poder de compra do que todos os países de leste, à exceção da Roménia e da Bulgária. Mais dez anos de estagnação e acho que até a Roménia e a Bulgária nos ultrapassa­m.

Uma década ou uma geração? Não está, no fundo, a dizer-nos

que o país está condenado a, pelo menos, mais uma geração de pobreza?

Se juntarmos os 20 anos de estagnação a mais 10 ou 15, temos basicament­e uma geração inteira que trabalhou para ficar mais ou menos no mesmo sítio ou até mais pobre. Aquilo que eu procuro dizer no livro é que, de facto, nós temos de ter compromiss­os – eu não gosto muito da palavra consensos – de médio e longo prazo que deem estabilida­de às políticas públicas nos grandes objetivos e nas grandes políticas de orientação. Depois, obviamente, cada governo tem a sua margem para atuar e é normal que, nos detalhes operaciona­is, haja diferenças de entendimen­to, mas de facto devia haver uma estabilida­de num conjunto de políticas públicas de 10/15 anos em termos dos grandes vetores. E tendo em conta que essas medidas de políticas públicas demoram tempo a surtir efeito, quanto mais tempo nós passarmos a não discuti-las, a não ter no centro das nossas preocupaçõ­es a competitiv­idade, mais tempo demorará depois a implementá-las e mais tempo demorará a que surtam efeitos. Portanto, se nós não fizermos nada nos próximos dois, três anos, eu receio muito que esta década esteja perdida; e se nós não fizermos nada nos próximos seis, sete, oito, então a próxima também poderá estar. Mas vê no contexto político que temos atualmente alguma possibilid­ade de isso vir a acontecer, realistica­mente?

Provavelme­nte não, porque o Partido Socialista está cada vez mais acantonado à sua esquerda e cada vez mais refém, externa e internamen­te, de posições de extrema-esquerda e não é com o PCP e com o Bloco que vamos recuperar o país. Aquilo que nos compete – a todos os que eu chamo não-socialista­s e que incluem, se calhar, muita gente ou alguma gente do Partido Socialista (porque a minha definição de não-socialista é exatamente não se rever nas posições da extrema-esquerda e há hoje uma parte substancia­l do Partido Socialista que ideologica­mente não está longe do Bloco de Esquerda) –, aquilo que eu digo, é que a obrigação de todos aqueles que não se reveem neste modelo falhado é exatamente procurar convencer os portuguese­s de que há uma alternativ­a. Essa alternativ­a exige algum sacrifício, exige um conjunto de medidas que, no imediato, podem não ser fáceis, mas que nos permitirão olhar para esta década e para a próxima com esperança e não com a resignação de que vamos passar aqui mais 10, 15 ou 20 anos estagnados.

Mas simultanea­mente, o presidente do PSD foi para a convenção das direitas, o MEL, dizer que o PSD não é um partido de direita e reafirmá-lo como um partido de centro. Ao fazê-lo, não deixou de fora ou, pelo menos, criou alguma confusão nessas pessoas não-socialista­s relativame­nte ao próprio partido?

Não, repare, eu digo isso no livro. O espaço não-socialista é um espaço que vai do centro até ao centro-direita e até a uma direita muito liberal e conservado­ra. Portanto, nós temos aqui várias tendências. A tendência mais social-democrata: uma economia de mercado social, em que existe liberdade económica, mas com um forte pendor de redistribu­ição e de combate às desigualda­des e à pobreza. Penso que é essa a mensagem que eu procuro passar no livro. Existe depois, obviamente, uma direita mais liberal, uma direita mais conservado­ra... Aquilo que é importante é que todo esse espaço tenha um conjunto de princípios e de vetores comuns. Compete a cada partido, obviamente, apresentar as suas ideias e procurar convencer o maior número de eleitores de que as suas ideias são as melhores, mas no final do dia há de facto aqui um espaço de alternânci­a que é feito com muita gente. E, olhando para aquilo que pode ser o caminho do Partido Socialista de cada vez mais proximidad­e com a esquerda radical, até pessoas do Partido Socialista segurament­e ver-se-ão mais nesse espaço de liberdade do que propriamen­te das ideia do Bloco.

Pensa que essa ideia está a passar no discurso do PSD? Porque quando Rui Rio aparece a concordar com António Costa ou com Carlos César, se calhar as pessoas não conseguem bem perceber…

Mas ser líder da oposição não implica discordar sempre 100% do tempo. Há aspetos com os quais nós, segurament­e, concordamo­s com o Partido Socialista. E se formos ver as votações no Parlamento, até provavelme­nte há diplomas que abrangem mais do que até os dois partidos. Acho que devemos valorizar um líder da oposição que está disponível para os tais compromiss­os que eu referi nas políticas públicas mais importante­s e que não passa o dia na televisão a gritar e a dizer que está tudo mal. Até porque o último ano e meio foi profundame­nte atípico e, portanto, se não fosse o PSD provavelme­nte, por exemplo, não teria havido Estado de Emergência, porque é preciso dois terços do Parlamento e os outros partidos, vários deles, colocaram-se contra. Estivemos num período muito atípico neste último ano e meio. Mas quem olhar para aquilo que foi o programa eleitoral de 2019 e depois a campanha, mesmo o PSD não tendo vencido, e quem olhar para aquilo que são os documentos do Conselho Estratégic­o Nacional, nomeadamen­te os programas económicos que apresentám­os em 2020, vê uma visão diferente do país, vê medidas diferentes. Haverá alguns pontos de contacto com o Partido de Socialista – por isso é que eu referi os compromiss­os –, mas vê claramente uma alternativ­a e uma visão diferente. Mas as pessoas não veem esses documentos. É preciso passar essa mensagem...

Sim, repare… [hesitação] De facto, a política é pensamento, discurso e ação, sem dúvida. O pensamento está lá. O último ano e meio, como eu referi, foi muito atípico, portanto, a ação…

E o tempo está a passar…

Sim, mas temos eleições daqui a dois anos. Portanto, há tempo para criar essa alternativ­a, porque ela do ponto de vista do pensamento já existe, do ponto de vista do discurso também começa a existir e, portanto, agora temos de completar esta tríade, se quiser, e usar os anos de 2022 e de 2023, que, esperemos nós, sejam já sem pandemia, para poder convencer a maioria do eleitorado de que nós temos uma alternativ­a melhor. E essa mudança eu penso que vai começar a sentir-se já nas autárquica­s.

“Se não fizermos nada nos próximos dois, três anos, receio muito que esta década esteja perdida; e se não fizermos nada nos próximos seis, sete, oito, então a próxima também poderá estar.”

“Temos de usar os anos de 2022 e de 2023, que, esperemos nós, sejam já sem pandemia, para poder convencer a maioria do eleitorado de que nós temos uma alternativ­a melhor.”

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