“O Partido Socialista tende a redistribuir a miséria”
O presidente do Conselho Estratégico Nacional do PSD lançou neste mês o livro Portugal, Liberdade e Esperança, no qual reflete sobre as causas da estagnação em que o país entrou neste século. Para Miranda Sarmento tal deve-se a “estrangulamentos” no tecido social. Com o caminho traçado pelo atual governo, diz, estamos destinados a mais décadas de pobreza.
Diz considerar paradoxal que a competitividade económica não seja o centro de debate e das políticas públicas em Portugal. Porque é que continua a haver tão pouca cultura económica no país?
Por um lado, os níveis de literacia financeira em Portugal são dos mais baixos da Europa. Apesar de a educação, no seu total, ter evoluído bastante nos últimos 30 anos, a literacia financeira foi das coisas que menos evoluíram. Essa será uma razão. A outra será que quem tem governado Portugal nos últimos 25 anos, que tem sido maioritariamente o Partido Socialista, não tem a preocupação da competitividade e do crescimento económico no centro das suas políticas públicas. As políticas públicas do Partido Socialista estão muito mais [viradas] para a redistribuição, para as clientelas, nomeadamente do Estado, para o aumento da despesa pública. O que eu digo é que a função da redistribuição é muito importante no Estado – nós temos obviamente de, por um lado, acudir aos que têm mais necessidades, mas, por outro, também de garantir o elevador social, portanto garantir que a escola pública funciona e que permite às novas gerações novas oportunidades –, mas ela só é efetiva se nós criarmos primeiro riqueza. Quem faz ao contrário, como é normalmente o timbre do Partido Socialista, tende a redistribuir a miséria. No seu livro, identifica entre os principais problemas do país aquilo a que chama os “estrangulamentos” da economia – o sistema fiscal, a burocracia, a justiça lenta, a pouca formação de alguns agentes económicos, etc. A maioria deles estão na máquina do Estado. E apesar de nos últimos 25 anos ter sido o PS que esteve maioritariamente no governo, como disse, a verdade é que temos assistido em Portugal
desde o 25 de Abril a uma alternância entre o PS e o PSD no governo. Porque é que estes “estrangulamentos” nunca foram corrigidos? Deixe-me primeiro fazer uma ressalva. Se nós considerarmos o período democrático português, temos três períodos: temos o período entre 1974 e 1985, que é sensivelmente 10 anos de turbulência, de confusão, de governos instáveis; depois temos 15 anos, se quisermos, entre 1985-2000, em que convergimos para a média europeia, em que convergimos quase 15 pontos percentuais…
Mas a base também era tão baixa, e com a quantidade de fundos estruturais que foram entrando, que a convergência era mais ou menos inevitável...
A base era baixa, os fundos estruturais continuaram depois de 2000 e o ponto é que, a partir de 2000, divergimos. E divergimos quase dez pontos percentuais. Portanto, do ponto de vista da média da União Europeia, estamos quase a voltar ao ponto de 1986. Por isso, a questão que temos de colocar é: porque é que convergimos nos primeiros 15 anos? Obviamente que vários dos estrangulamentos já lá estavam, mas eles foram-se agravando. E quando chegámos a 2000 e deixámos de ter um conjunto de instrumentos, nomeadamente de política monetária e cambial [após a entrada no euro], e como não nos preparámos e continuámos a não olhar para esses estrangulamentos, a economia estagnou e começámos a divergir da média europeia. Todos esses estrangulamentos, alguns são claramente do setor público (o sistema fiscal, os custos de contexto, a justiça), outros são do setor privado (a dimensão, capitalização e internacionalização das empresas). Agora, o meu ponto no livro é que as políticas públicas deviam estar centradas num único objetivo estratégico, que era tornar a economia portuguesa numa das mais competitivas da zona euro. E todas as políticas públicas deviam ser desenhadas face a esse objetivo. Mas fazê-lo não significa manter um grande peso do Estado na economia?
Não, pelo contrário. O que eu digo no livro é: nós precisamos que o Estado crie as condições-base para atrair investimento e para tornar as empresas mais competitivas e para que possam exportar mais e com mais valor. Essas condições-base são ao nível das instituições, do capital humano e depois do sistema fiscal, justiça, mercado laboral. E parar aí. E depois, obviamente, a função de redistribuição, mas esse é outro tema. Aquilo que eu digo é que nós temos de baixar o peso do Estado na economia, mas as políticas públicas têm de criar, um leveling the playing field, ou seja, um nível de competição dos agentes privados que, pelo menos, não seja pior que o dos nossos concorrentes diretos. E os nossos concorrentes diretos são o sul da Europa e o leste, não é infelizmente a Dinamarca ou a Suécia. Portanto, o que temos de garantir é que uma empresa, quando vem para Portugal ou quando está em Portugal, tem custos de contexto – o sistema fiscal, o mercado laboral, políticas de educação – que são, pelo menos, tão bons do ponto de vista da competitividade como os dos nossos concorrentes diretos.
Perante a tempestade quase perfeita que se está a criar agora, aliás como refere no livro – entre a crise pandémica, a baixa produtividade, a inflação baixa, as taxas de juro negativas –, e tendo em conta que o Plano de Recuperação e Resiliência o que faz é mais investimento público em grandes obras e esperar que as empresas recebam dinheiro por via indireta, deduzo que a sua perspetiva não seja nada otimista...
E em cima de tudo isso que referiu, de todos esses constrangimentos, temos ainda aquilo que eu depois refiro como uma grande ameaça a médio e longo prazo, que é a questão demográfica. Se não fizermos nada, a nossa população vai cair, no espaço de 30 anos, dois a 2,5 milhões pessoas e temo que, se mantivermos aquilo que foram as políticas dos últimos 25 anos, vamos ter, pelo menos, mais uma década de estagnação, mais uma década perdida. E, se isso acontecer, nós hoje somos mais pobres em paridades do poder de compra do que todos os países de leste, à exceção da Roménia e da Bulgária. Mais dez anos de estagnação e acho que até a Roménia e a Bulgária nos ultrapassam.
Uma década ou uma geração? Não está, no fundo, a dizer-nos
que o país está condenado a, pelo menos, mais uma geração de pobreza?
Se juntarmos os 20 anos de estagnação a mais 10 ou 15, temos basicamente uma geração inteira que trabalhou para ficar mais ou menos no mesmo sítio ou até mais pobre. Aquilo que eu procuro dizer no livro é que, de facto, nós temos de ter compromissos – eu não gosto muito da palavra consensos – de médio e longo prazo que deem estabilidade às políticas públicas nos grandes objetivos e nas grandes políticas de orientação. Depois, obviamente, cada governo tem a sua margem para atuar e é normal que, nos detalhes operacionais, haja diferenças de entendimento, mas de facto devia haver uma estabilidade num conjunto de políticas públicas de 10/15 anos em termos dos grandes vetores. E tendo em conta que essas medidas de políticas públicas demoram tempo a surtir efeito, quanto mais tempo nós passarmos a não discuti-las, a não ter no centro das nossas preocupações a competitividade, mais tempo demorará depois a implementá-las e mais tempo demorará a que surtam efeitos. Portanto, se nós não fizermos nada nos próximos dois, três anos, eu receio muito que esta década esteja perdida; e se nós não fizermos nada nos próximos seis, sete, oito, então a próxima também poderá estar. Mas vê no contexto político que temos atualmente alguma possibilidade de isso vir a acontecer, realisticamente?
Provavelmente não, porque o Partido Socialista está cada vez mais acantonado à sua esquerda e cada vez mais refém, externa e internamente, de posições de extrema-esquerda e não é com o PCP e com o Bloco que vamos recuperar o país. Aquilo que nos compete – a todos os que eu chamo não-socialistas e que incluem, se calhar, muita gente ou alguma gente do Partido Socialista (porque a minha definição de não-socialista é exatamente não se rever nas posições da extrema-esquerda e há hoje uma parte substancial do Partido Socialista que ideologicamente não está longe do Bloco de Esquerda) –, aquilo que eu digo, é que a obrigação de todos aqueles que não se reveem neste modelo falhado é exatamente procurar convencer os portugueses de que há uma alternativa. Essa alternativa exige algum sacrifício, exige um conjunto de medidas que, no imediato, podem não ser fáceis, mas que nos permitirão olhar para esta década e para a próxima com esperança e não com a resignação de que vamos passar aqui mais 10, 15 ou 20 anos estagnados.
Mas simultaneamente, o presidente do PSD foi para a convenção das direitas, o MEL, dizer que o PSD não é um partido de direita e reafirmá-lo como um partido de centro. Ao fazê-lo, não deixou de fora ou, pelo menos, criou alguma confusão nessas pessoas não-socialistas relativamente ao próprio partido?
Não, repare, eu digo isso no livro. O espaço não-socialista é um espaço que vai do centro até ao centro-direita e até a uma direita muito liberal e conservadora. Portanto, nós temos aqui várias tendências. A tendência mais social-democrata: uma economia de mercado social, em que existe liberdade económica, mas com um forte pendor de redistribuição e de combate às desigualdades e à pobreza. Penso que é essa a mensagem que eu procuro passar no livro. Existe depois, obviamente, uma direita mais liberal, uma direita mais conservadora... Aquilo que é importante é que todo esse espaço tenha um conjunto de princípios e de vetores comuns. Compete a cada partido, obviamente, apresentar as suas ideias e procurar convencer o maior número de eleitores de que as suas ideias são as melhores, mas no final do dia há de facto aqui um espaço de alternância que é feito com muita gente. E, olhando para aquilo que pode ser o caminho do Partido Socialista de cada vez mais proximidade com a esquerda radical, até pessoas do Partido Socialista seguramente ver-se-ão mais nesse espaço de liberdade do que propriamente das ideia do Bloco.
Pensa que essa ideia está a passar no discurso do PSD? Porque quando Rui Rio aparece a concordar com António Costa ou com Carlos César, se calhar as pessoas não conseguem bem perceber…
Mas ser líder da oposição não implica discordar sempre 100% do tempo. Há aspetos com os quais nós, seguramente, concordamos com o Partido Socialista. E se formos ver as votações no Parlamento, até provavelmente há diplomas que abrangem mais do que até os dois partidos. Acho que devemos valorizar um líder da oposição que está disponível para os tais compromissos que eu referi nas políticas públicas mais importantes e que não passa o dia na televisão a gritar e a dizer que está tudo mal. Até porque o último ano e meio foi profundamente atípico e, portanto, se não fosse o PSD provavelmente, por exemplo, não teria havido Estado de Emergência, porque é preciso dois terços do Parlamento e os outros partidos, vários deles, colocaram-se contra. Estivemos num período muito atípico neste último ano e meio. Mas quem olhar para aquilo que foi o programa eleitoral de 2019 e depois a campanha, mesmo o PSD não tendo vencido, e quem olhar para aquilo que são os documentos do Conselho Estratégico Nacional, nomeadamente os programas económicos que apresentámos em 2020, vê uma visão diferente do país, vê medidas diferentes. Haverá alguns pontos de contacto com o Partido de Socialista – por isso é que eu referi os compromissos –, mas vê claramente uma alternativa e uma visão diferente. Mas as pessoas não veem esses documentos. É preciso passar essa mensagem...
Sim, repare… [hesitação] De facto, a política é pensamento, discurso e ação, sem dúvida. O pensamento está lá. O último ano e meio, como eu referi, foi muito atípico, portanto, a ação…
E o tempo está a passar…
Sim, mas temos eleições daqui a dois anos. Portanto, há tempo para criar essa alternativa, porque ela do ponto de vista do pensamento já existe, do ponto de vista do discurso também começa a existir e, portanto, agora temos de completar esta tríade, se quiser, e usar os anos de 2022 e de 2023, que, esperemos nós, sejam já sem pandemia, para poder convencer a maioria do eleitorado de que nós temos uma alternativa melhor. E essa mudança eu penso que vai começar a sentir-se já nas autárquicas.
“Se não fizermos nada nos próximos dois, três anos, receio muito que esta década esteja perdida; e se não fizermos nada nos próximos seis, sete, oito, então a próxima também poderá estar.”
“Temos de usar os anos de 2022 e de 2023, que, esperemos nós, sejam já sem pandemia, para poder convencer a maioria do eleitorado de que nós temos uma alternativa melhor.”