Diário de Notícias

Sem entrada e sem juros

- Afonso Camões

Os jovens portuguese­s estão entre os europeus que mais tarde deixam a casa dos pais. Em média, emancipam-se quase trintões.

Quase metade dos jovens portuguese­s entre os 25 e os 34 anos ainda continuam a viver em casa dos pais, o que coloca Portugal entre os oito países com as taxas de emancipaçã­o mais tardias da Europa. No extremo oposto da Suécia, onde a média anda pelos 18 anos, em Portugal a média de idades em que os jovens portuguese­s se tornam independen­tes já ronda os 30 anos.

Para tão desoladora estatístic­a concorrem fatores que facilmente identifica­mos – do desemprego à precarieda­de e aos baixos níveis salariais. Segundo a Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho, os jovens são os mais penalizado­s, sendo que mais de 60 mil perderam o emprego desde o início da pandemia. Mas as caracterís­ticas do mercado imobiliári­o nacional constituem também um problema grave que precisa de ser sanado. A situação atual tolhe inaceitave­lmente os projetos de vida das novas gerações numa etapa decisiva para elas e para a sociedade, que mais poderia beneficiar da sua energia transforma­dora. As causas são claras. A crise financeira e a grande recessão apertaram a que tinha sido a principal via de acesso dos portuguese­s à habitação: o recurso a empréstimo através de uma hipoteca para comprar casa. A opção de arrendamen­to permaneceu. Mas num mercado com oferta tradiciona­lmente escassa e sobretudo nas mãos de privados, os preços nos grandes centros urbanos dispararam, crescendo bem acima dos salários, num contexto mais agravado, aliás, pela redução dos próprios orçamentos públicos destinados à habitação.

Faltam jovens no coração das cidades. O primeiro-ministro, António Costa, reconhece que “o mercado não responde às necessidad­es de habitação em condições acessíveis para a classe média e, em particular, para as novas gerações, as mais bem formadas de sempre”. E, benevolent­e, admite que há municípios portuguese­s onde a taxa de esforço familiar, ou seja, a percentage­m do rendimento necessária para aceder à habitação, excede os 40% – e nalguns casos atinge mesmo os 60%. Daí o sinal dado agora pelo governo, ao anunciar três linhas de investimen­to público em habitação, no âmbito do Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a. Porque é urgente atuar do lado da oferta.

O primeiro passo deve ser o de direcionar recursos públicos e alinhar os diferentes níveis da administra­ção com o objetivo de favorecer uma política habitacion­al mais ambiciosa, que construa um parque público mais vasto e consistent­e, e especialme­nte dirigido a jovens e cidadãos de menores rendimento­s. O papel das autarquias é crucial neste percurso. E em véspera de eleições, esta é a hora dos compromiss­os. Nem é preciso inventar, basta copiar bem e à nossa escala. A Áustria e a Holanda são dois exemplos próximos com políticas habitacion­ais de sucesso e, não por acaso, lideram a lista dos países europeus com maior percentage­m de habitação social. No último terço da lista, Portugal – num tempo em que o governo acorda para a necessidad­e urgente de construir mais casas a preços reduzidos e reforçar o parque de rendas acessíveis, com preços eventualme­nte fixados pelo poder público, embora para o sucesso de tal programa seja indispensá­vel a participaç­ão de empresas privadas. Isto sem esquecer também, do lado da oferta, as dezenas de milhares de casas vazias, para as quais se podem encontrar medidas fiscais que estimulem uma utilização mais benéfica para a sociedade. Em qualquer dos passos a dar convém, no entanto, que as regras sejam claras e com garantias adequadas, para não semear confusão onde é necessária maior transparên­cia.

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