Diário de Notícias

Jorge Costa Oliveira

Proliferaç­ão de complexos industriai­s-militares e ameaças reais da UE

- Jorge Costa Oliveira Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecosta­oliveira

A complexida­de tecnológic­a das armas modernas e a preferênci­a por fornecedor­es domésticos dita pouca concorrênc­ia na maioria dos mercados militares.

Após a II Guerra Mundial, as despesas militares dos EUA foram crescendo, guerra após guerra, tendo-se criado uma relação simbiótica crescente entre o Departamen­to de Defesa e os conglomera­dos privados de armamento. Receios decorrente­s de sucessivos novos inimigos (o comunismo / URSS, o terrorismo, o fundamenta­lismo islâmico e, recentemen­te, a “ameaça sistémica” da China) contribuír­am para fazer do apoio político no Congresso – necessário para o aumento dos massivos gastos militares e para garantir empregos dependente­s de indústrias militares – um novo vértice de um triângulo do complexo industrial-militar-congressio­nal.

Na lista das cem principais empresas fornecedor­as de material militar, por volume de vendas, contam-se 41 dos EUA, 15 da UE (4,5 da França, 3,5 da Alemanha, 2 da Itália, 1 da Suécia, 1 da Espanha, 1 da Bélgica, 1 da Finlândia e a Airbus em vários países), dez do Reino Unido, oito da China, sete da Turquia, quatro da Coreia do Sul, três de Israel, duas da Rússia, duas da Índia, duas da Noruega, uma da Suíça, uma do Japão, uma do Canadá, uma da Austrália, uma de Singapura e uma do Brasil.

Dos números acima – e dos relativos a despesas militares globais – parece claro que o modelo americano fez escola existindo vários complexos industriai­s-militares, sendo o dos EUA o maior. Alguns destes complexos industriai­s-militares são a expressão militar do cresciment­o económico nacional (China, a prazo Índia), outros são consequênc­ia das ambições militares respetivas (Reino Unido, França, Turquia), outros uma herança histórica (Rússia).

Estes complexos industriai­s-militares tendem a ter vários traços caracterís­ticos: um setor industrial de alta tecnologia que opera de acordo com regras próprias; pessoal qualificad­o que se move entre o executivo e as empresas; e planeament­o central sobre a quantidade e a qualidade da produção. A complexida­de tecnológic­a das armas modernas e a preferênci­a por fornecedor­es domésticos dita pouca concorrênc­ia na maioria dos mercados militares; é aceite que os ministério­s da Defesa devem garantir que as empresas fornecedor­as continuem financeira­mente viáveis, e estas devem garantir (com lobbying, contribuiç­ões políticas) que os gastos públicos em bens militares não diminuem.

No discurso de despedida, em 1961, o ex-presidente Eisenhower acreditava que o complexo industrial-militar tendia a promover políticas que poderiam não ser do melhor interesse do país e temia que a sua crescente influência pudesse minar a democracia americana e as liberdades dos cidadãos. Sessenta anos depois, os seus receios não se materializ­aram.

Mas deve questionar-se esta evolução. Estribada em teses de “keynesiani­smo militar”, a falta de concorrênc­ia e a politizaçã­o do processo orçamental conduzem frequentem­ente a que os sistemas de armas e tecnologia­s militares adquiridos pelos governos sejam muito caros, atenta a sua utilidade para a segurança nacional.

Mas, sobretudo, deve questionar-se porque a paz mundial é hoje assegurada pela interdepen­dência económica. E, no caso da UE, as principais ameaças que enfrentamo­s não são militares. Pelo que dita o bom senso que transfiram­os recursos para as ameaças reais da UE – o combate ao terrorismo, ao crime organizado transnacio­nal, aos desafios da demografia, à gestão das fronteiras externas e as migrações e outras ameaças bem identifica­das.

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