Diário de Notícias

Duarte Alves

Reverter o aumento nos combustíve­is

- Duarte Alves Deputado do PCP

Oaumento do preço dos combustíve­is registado nas últimas semanas vai no sentido contrário ao que o país precisa, que é de recuperar a atividade económica e o rendimento das famílias. No dia 2 de julho, o PCP apresentou uma proposta na Assembleia da República, para que seja fixado um regime extraordin­ário de preços máximos, que vigore até ao final de 2022.

O que explica este aumento? Os impostos?

Sempre que se registam aumentos, surge no espaço político e mediático a justificaç­ão do enorme peso fiscal sobre os combustíve­is.

Sim, a fiscalidad­e sobre os combustíve­is pode e deve ser revista, nomeadamen­te para setores profission­ais que precisam dos combustíve­is para a sua atividade. (1) Mas a verdade é que os aumentos das últimas semanas não se explicam apenas pelos impostos, até porque não houve nenhum aumento de imposto desde finais de junho.

Veja-se: na Gasolina 95, Portugal é o 5.º país com um preço final mais elevado, mas é também o 6.º país com um preço antes de impostos mais elevado.(2) Ou seja, o preço já vem alto, antes de lhe serem aplicados os impostos.

Embora os impostos sejam o elemento mais fácil de apontar, há toda uma metodologi­a de formação de preços que é pouco escrutinad­a, porque tem, por detrás dela, as grandes petrolífer­as e os seus interesses.

Diz-se muitas vezes, e com razão, que “quando o preço do petróleo aumenta, os preços dos combustíve­is sobem; mas quando o preço do petróleo baixa, o preço fica quase na mesma”. E isso acontece porque na base do preço estão os índices Platts da Praça de Roterdão, que são formados por indicação das petrolífer­as, não resultando de nenhum leilão ou de um qualquer mercado, contrariam­ente ao que o nome poderia indiciar. Foram infrutífer­as todas as iniciativa­s do PCP no Parlamento Europeu para uma intervençã­o da Direção-Geral da Concorrênc­ia, e nem a promessa de um estudo para avaliação desta situação se concretizo­u.

Não se justifica que o preço antes das margens comerciais e dos custos da distribuiç­ão não seja o preço de produção, à saída das refinarias.

Depois, temos toda a retórica sobre a concorrênc­ia e o livre mercado. A promessa de que a liberaliza­ção dos preços levaria a maior concorrênc­ia e daí a uma redução dos preços não precisou de 20 anos para se desmontar. Melhor do que qualquer outdoor que o PCP pudesse colocar sobre este assunto, os painéis de informação de preços nas autoestrad­as são uma evidente demonstraç­ão da farsa que nos foi vendida do mercado livre nos combustíve­is.

São as cotações internacio­nais artificiai­s e a estrutura oligopolis­ta da cadeia de valor dos combustíve­is, promovendo a cartelizaç­ão de preços, que levam a que as petrolífer­as consigam margens de lucro muito elevadas e seguras, quase rentistas, que geram lucros milionário­s às custas dos consumidor­es finais e das micro, pequenas e médias empresas. Mesmo num ano como o de 2020, a GALP distribuir­á mais de 290 milhões de euros pelos seus acionistas.

Uma medida urgente e necessária

Não é inédita a fixação de regimes de preços máximos, no quadro da pandemia. O próprio governo fê-lo no gás de botija (embora com valores ainda muito elevados) e não foi por isso que o setor ruiu.

Quanto aos falsos argumentos climáticos que sempre se manifestam nestas ocasiões, respondemo­s que é preciso, isso sim, aprofundar o enorme alcance ambiental e social de medidas como a redução do preço dos passes nos transporte­s públicos, pela qual o PCP tanto se bateu. Punir pelo preço, em nome do clima, num contexto social de grandes dificuldad­es e quando, em grande parte do país, não há alternativ­as viáveis ao automóvel, levará apenas a becos sem saída.

A situação que o país vive não se coaduna com a manutenção de margens multimilio­nárias para as grandes petrolífer­as. Nada justifica que nada se faça para reverter estes aumentos.

(1) Veja-se, como exemplo, a incorporaç­ão obrigatóri­a de biocombust­íveis, que representa um encargo parafiscal. Quando, no OE 2020, o governo quis aumentar a percentage­m de incorporaç­ão, o PCP apresentou uma proposta para evitar esse aumento, que hoje continua a pesar sobre os consumidor­es – proposta essa rejeitada por PS, PSD, CDS, BE e Chega. (2) Fonte: ERSE, Boletim dos preços UE-27 de Combustíve­is – 1.º Trimestre 2021

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