CASA BRANCA RECEBE A CHANCELER, A DOIS MESES DA SAÍDA. OS ALTOS E BAIXOS NA RELAÇÃO EUA-ALEMANHA
A pouco mais de dois meses de deixar a chefia do governo alemão, que ocupa há 16 anos, Angela Merkel vai ser recebida provavelmente pela última vez na Casa Branca. Para trás ficam altos e baixos na relação entre EUA e Alemanha.
Angela “Merkel trouxe classe e dignidade a um cargo muito importante. Tomou decisões muito duras e fê-lo pensando no melhor para a Alemanha, mantendo-se sempre fiel aos seus princípios. É uma líder compassiva, uma mulher que não tem medo de liderar”. O elogio à chanceler alemã, que está há 16 anos no poder e passará a pasta depois das eleições de 26 de setembro, foi feito pelo ex-presidente dos EUA George W. Bush, o primeiro de quatro líderes norte-americanos que a receberam na Casa Branca. Joe Biden, o último, abre-lhe as portas esta quinta-feira, provavelmente pela última vez, a dois dias de ela fazer 67 anos.
Entre Bush, que estava no primeiro ano do seu segundo mandato quando Merkel foi eleita em 2005, e Biden, que tomou posse há seis meses, passaram oito anos de Barack Obama e mais quatro de Donald Trump. Sendo que a relação com o milionário republicano foi a mais fria – ainda na campanha ele tinha criticado a decisão da chanceler de abrir a porta aos refugiados e já antes, em 2015, tinha comentado que a revista Time tinha escolhido “a pessoa que está a destruir a Alemanha” para “Pessoa do Ano”. Foi um novo baixo nas relações entre os EUA e a Alemanha.
A massagem de Bush
O mais recente elogio de Bush foi feito numa rara entrevista para um documentário sobre Merkel, filmado pela emissora estatal alemã Deutsche Welle. Mas não foi o primeiro do ex-presidente, com quem a chanceler teve uma boa relação. O seu antecessor, Gerhard Schroeder, tinha-se oposto à guerra no Iraque, mas Merkel rapidamente se tornou numa aliada. “Temos a oportunidade de virar a página a um novo capítulo na nossa relação”, disse Bush na altura.
E nem uma estranha massagem no pescoço, à qual a chanceler reagiu encolhendo os ombros e erguendo os braços em protesto, estragou a situação. As imagens, captadas na cimeira do G8 de 2006, em São Petersburgo, fizeram furor na Internet. “Nada de massagens”, brincou Bush quando Merkel visitou a Casa Branca em janeiro de 2007. Mais tarde, convidou-a a visitar o seu rancho no Texas, dizendo que isso era um sinal de respeito e carinho, retribuindo o convite de Merkel para que conhecesse o seu berço eleitoral de Mecklenburg-Vorpommern, onde comeu javali selvagem que não se cansou de elogiar (segundo a agência AP).
As escutas de Obama
No seu livro Uma Terra Prometida (Objetiva, novembro de 2020), o ex-presidente democrata admite que Merkel o viu inicialmente com ceticismo – ainda candidato, não o autorizou a discursar na Porta de Brandemburgo, dizendo que esta era exclusiva para presidentes (acabaria por discursar lá em 2013). Segundo Obama, esse ceticismo devia-se à sua “retórica exagerada”, não lhe levando a mal essa atitude. “Para uma chefe de governo alemã, uma aversão à demagogia é provavelmente uma atitude saudável”, indicou.
A relação entre ambos melhorou com os anos, com Obama a escrever que a chanceler era “confiável, honesta, intelectualmente precisa e amigável de uma forma natural”. Numa última visita à Alemanha, em novembro de 2016, apelidou-a de “excelente parceira”. Para trás tinha ficado o pior: a revelação, no final de 2013, de que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) tinha escutado o telemóvel de Merkel. A chanceler defendeu na altura que era inaceitável atos de espionagem entre amigos.
O aperto de mão de Trump
Apesar dos constantes ataques às suas políticas da parte do republicano, Merkel parecia empenhada em manter as aparências a favor da relação entre Alemanha e EUA. Mas na sua primeira visita à Casa Branca após a eleição de Trump, o que ficou para a história foi o episódio do aperto de mão. Quando os fotógrafos gritavam por esse momento, a chanceler perguntou ao presidente: “Damos um aperto de mão?” Trump não respondeu e continuou a olhar em frente, com as mãos juntas entre os joelhos.
Outra fotografia marcou a relação: a do G7 de 2018, no Canadá, com Merkel debruçada sobre a mesa em direção a um Trump de braços cruzados. Nessa altura já tinha concluído que a Europa não podia depender dos EUA.
E Biden?
O atual presidente também aposta nas relações pessoais e a sua eleição foi recebida com alívio por Merkel, destacando, entre outras coisas, a sua experiência – os dois já se conheciam desde os tempos em que ele era vice de Obama.
A 19.ª (e provavelmente última) visita oficial de Merkel será a primeira desde que Biden tomou posse a 20 de janeiro – e a primeira de um líder europeu. Mas, no olá que é também um adeus, nem tudo são rosas: os dois líderes têm pontos de vista opostos sobre a suspensão dos direitos de propriedade intelectual das vacinas para a covid-19 (o presidente norte-americano é a favor, mas a chanceler é contra). Além disso, há um gasoduto que também os separa, o Nord Stream 2, que vai da Rússia à Alemanha e ao qual os EUA se opõem.
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