José Couceiro
“Queremos uma Liga 3 de futebol puro”
Sobrinho-neto de Peyroteo, José Couceiro fez modesta carreira de futebolista até se destacar como treinador, selecionador e diretor desportivo. Atualmente é diretor técnico nacional, um dos responsáveis pela reforma dos quadros competitivos, e explica ao DN a criação da nova competição de futebol da Federação.
A menos de um mês do começo da Liga 3 há ansiedade pelo nascimento do projeto?
Não é ansiedade, mas há vontade de ver começar a jogar. Sinto da parte de todos os envolvidos um grande entusiasmo com o projeto. Todos sentem que estamos perante uma competição nova, diferente, com valores, e que pretende preparar equipas para o degrau profissional e dar mais espaço aos jogadores formados em Portugal.
Porquê agora?
Porque era preciso criar um patamar de maior equilíbrio entre os competidores. Essa é a base de sucesso. Quando conseguimos equilibrar uma competição, conseguimos criar um espaço de exigência e concorrência, e isso é positivo para os clubes que têm de se preparar para o profissional, para os jogadores que têm desafios mais exigentes, assim como os treinadores, os árbitros e os próprios dirigentes. Todos têm a ganhar. Na época passada tivemos séries no Campeonato de Portugal com equipas que acabaram com um ponto ou dois, não é o ideal, nem para quem ganha, nem para quem perde.
Que pilares defende para a prova? Queremos que a Liga 3 (sorteio do calendário é amanhã) seja uma liga com valores, com respeito e por isso vamos premiar esse tipo de comportamentos e atitudes. Não é falar de fair play, é dar-lhe espaço. É bom que quem chegue à principal liga chegue com valores.
Não teme que a Liga 3 possa diminuir o lado amador do futebol português?
Não… pelo contrário. A Liga 3 vem clarificar a situação. Por isso é que há licenciamento e para o obter é necessário ter uma certificação 3 estrelas – o mínimo com que se pode fazer contratos de formação desportiva e por isso não podíamos exigir menos. Estamos a tornar tudo mais claro e transparente e criar condições para os clubes competirem onde têm capacidade para competir. Não queremos um clube no topo e que no ano a seguir entre em colapso. Queremos estabilidade, equilíbrio e uma competição muito mais interessante.
A certificação é o filtro?
Ajuda. Temos de ter este nível de exigência se queremos uma prova transparente e de qualidade e sabendo que tem de haver uma margem de segurança, apoios e melhorias de infraestruturas – esse é um dos maiores problemas em Portugal. Melhorar infraestruturas é decisivo para a evolução de jogadores, treinadores e árbitros. Não formamos apenas jogadores, temos de formar treinadores, árbitros... Só teremos um bom jogo de futebol se tivermos uma arbitragem. É importante ter agentes mais competentes. Daí a importância do projeto da Portugal Football School da Federação, com o José Seabra, que tem feito centenas de ações de formação. Além disso é muito importante monitorizar a competição e estar próximo de quem está no terreno porque nada é estático.
Monitorizar como? Ao nível do investimento? Para impedir o entra e sai de investidores quase sem responsabilização?
Essa é uma outra questão. Não podemos fugir da lei, estamos num estado de direito e temos de respeitar os decretos-lei que regem a nova atividade. Se nos preocupamos com isso? Claro que sim. Monitorizar no sentido em que não podemos convidar ao gasto excessivo. Tem de haver controlo orçamental e transparência. A exigência do processo de licenciamento está aí. É importante ir monitorizando e ver a evolução de forma a fazer parte da solução e ajudar à progressão dos 24 clubes da prova.
O caso do Oriental Dragon, que não tem formação, mas conseguiu o licenciamento...
Não vou falar de casos concretos, mas pode haver associação de clubes desde que não estejam na mesma competição. Nós defendemos isso no interior, para poderem ter parcerias para o processo de certificação. Não queremos excluir ninguém. Há várias zonas do País com índices demográficos muito baixos e somos obrigados a arranjar soluções. É importante que os clubes do interior possam vir ao processo e a verdade é que o processo de certificação cresceu em ano de pandemia e isto é fantástico. Num ano em que houve perda de clubes no mapa nacional a maioria quis vir ao processo de certificação.
Então a Liga 3 terá um papel descentralizador?
Claro. A ligação às autarquias é efetiva e há um envolvimento muito positivo. O triângulo entre o clube, a região e a autarquia é muito importante. Há muita sensibilidade das autarquias para isso. Queremos todos o mesmo. Queremos uma Liga 3 com futebol puro.
Custa mais mudar o formato ou as mentalidades assentes no dirigismo e no clubismo?
A mudança é uma questão educacional e cultural e isso não se muda de um dia para o outro. Vamos ser alvo de criticas? Claro. Só quem fica numa falsa estabilidade nunca é criticado. O nosso problema não é a crítica, há muitas que nos alertam para questões que temos de mudar. Há uma ideia base: apostar nas pessoas. As pessoas são o mais importante e apostar nas pessoas é apostar na sua formação, qualificação e competência. Um exemplo: os desfibrilhadores e a formação que foi dada a quem está nos jogos é muito importante e já salvou vidas. Basta salvar uma...
Há clubes que acusam a federação que querer limitar os lucros dos clubes. As críticas fazem parte da dor de crescimento?
Há uma coisa que é importante. Ninguém é obrigado a participar. Quando há mudança, inovação, há sempre resistência. É natural que todos queiram mais, mas os primeiros a querer mais somos nós, queremos muito mais. Percebo os desabafos de querer mais, mas acho que nunca tiveram tanto. O esforço que a Federação tem feito para que esta competição seja um espaço de muito interesse para todos, sejam concorrentes, praticantes, sponsors … é muito grande. A Liga 3 vai ser um espaço de grande evolução e daqui a um ano estaremos cá para ver.