Diário de Notícias

Sebastião Bugalho

Confidenci­al, ilegal e imoral

- Opinião Sebastião Bugalho Colunista.

Graças ao trabalho da TSF, do Diário de Notícias, de uma investigaç­ão da TVI e da não surpreende­nte coragem do general Ramalho Eanes, o caso do Hospital Militar de Belém ganhou, enfim, a devida atenção.

Uma obra que resvalou de 700 mil euros para um custo de 3,2 milhões de euros aos cofres dos contribuin­tes. Uma sucessão de adjudicaçõ­es, sem contrato escrito ou caderno de encargos. Uma empreiteir­a que era, até há bem pouco tempo, um salão de estética. Uma morgue renovada que continua inutilizáv­el. Um parque de estacionam­ento reconstruí­do que se assemelha às traseiras de um beco. O evocar de uma resolução de 1988 sobre confidenci­alidade, que não se aplica às Forças Armadas. O aproveitam­ento de um diploma de 2020 sobre contrataçã­o pública que não foi remotament­e cumprido. Uma auditoria propositad­amente escondida pelo governo sem qualquer justificaç­ão legal para tal. O envolvimen­to de figuras associadas a três partidos fundadores da democracia. A utilização de uma situação pandémica de sacrifício social, sanitário e económico como oportunida­de para negócios duvidosos, para não dizer sombrios.

Infelizmen­te, o ministro Gomes Cravinho, um homem estimável e intelectua­lmente admirável, deixou-se confundir com o escândalo. O seu parecer face ao relatório da Inspeção-Geral da Defesa Nacional louva a empreitada. Em outubro do ano passado, afirmou no Parlamento que a fortuna gasta no mês que durou a obra “é dinheiro que não se perde”. Mas perdeu-se. A auditoria e as várias dúvidas e incumprime­ntos legais que apurou comprovam-no. O trabalho da comunicaçã­o social também.

Cumprindo com o expectável, o ministro enviou a dita auditoria para o Tribunal de Contas e a justiça, previsivel­mente, funcionará. Do que o governo não se livra, com ou sem remodelaçã­o, é de ter desvaloriz­ado algo que não podia ser desvaloriz­ado e ocultado algo que exigia toda a transparên­cia. Se não é um segundo caso de Tancos, não é menos mau.

Foram 123 mil euros por dia que o Estado gastou num hospital sem bloco operatório, sem morgue operaciona­l e, atualmente, de portas fechadas. Em vésperas de aplicação de fundos europeus, o regime não apresenta sinais de aprendizag­em ou vontade de mudança. Em clima de emergência de populismos, quem desejasse verdadeira­mente combatê-los não faria isto.

É a sua sorte. E o nosso azar.

P.S. Nuno Melo foi às jornadas parlamenta­res do CDS fazer um discurso de pré-candidatur­a à liderança, a disputar em 2022. Fê-lo com a autoridade de quem é já um histórico do partido e com a responsabi­lidade de conhecer as dificuldad­es que a instituiçã­o hoje vive. As suas palavras sobre a governação do PS foram duras, verdadeira­s e longe de constituír­em novidade. As suas críticas à direção do CDS enveredara­m pelo mesmo diapasão. Onde Melo surpreende­u, e eu diria agradavelm­ente, foi nas referência­s ao ambiente, aos direitos laborais, à igualdade entre homens e mulheres e, em conclusão, à importânci­a da direita democrátic­a se demarcar da direita antissiste­ma. Daqui a um ano, quiçá, o PPE perderá dois eurodeputa­dos portuguese­s. O regime, por sua vez, lá ganharia uma oposição.

Foram 123 mil euros por dia que o Estado gastou num hospital sem bloco operatório, sem morgue operaciona­l e, atualmente, de portas fechadas.

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