“Indicadores de segurança de Portugal são uma vantagem e um inconveniente”
O diretor nacional de operações da PSP presidiu ao grupo de trabalho para esta área durante a presidência portuguesa da UE. Afirma que Portugal é visto como “uma referência”, mas que a segurança não pode ser vista como um “dado adquirido”. “Em termos leg
Superintendente da PSP, atualmente diretor do departamento de operações da Direção Nacional da PSP. Entre 2015 e 2018 Luís Elias foi assessor de Segurança Interna e oficial de Segurança do primeiro-ministro António Costa. É doutorado em Ciência Política.
Presidiu ao grupo de trabalho para a segurança durante a presidência portuguesa da União Europeia [Law Enforcement Working Party]. Como foi trabalhar este nível como parceiro de 27 países?
Foi uma experiência muito interessante, gratificante do ponto de vista pessoal e profissional. Foi também um trabalho de equipa, quer com os parceiros de Estados membros quer em termos internos. Formámos um grupo coeso, nomeadamente com a vice-presidente, a Dra. Ana Marta Ferreira da secretaria-geral do MAI, com o inspetor -chefe da Polícia Judiciária, Dr. Dias Oliveira, com a GNR e com a representação permanente de Portugal em Bruxelas. A assessoria técnica do grupo foi garantida essencialmente por oficiais da PSP. Trabalhámos muito de perto com a Comissão Europeia, o secretariado-geral do Conselho e com a Europol. Sentiu que há divisões substanciais nestas matérias entre os vários países ? Até que ponto o envolvimento português, sendo o quarto país mais seguro do mundo, ajudou a conseguir aprovar algumas das medidas que estavam em cima da mesa?
Ajudou certamente. Portugal é visto como um país bastante credível ao nível da cooperação policial europeia. Já temos experiência de várias presidências anteriores do Conselho da UE e a nossa dimensão média, ao nível da União Europeia, é uma vantagem em muitos aspetos, na medida em que não somos vistos, por um lado, como uma grande potência, com interesses muitos específicos, mas dada a nossa elevada capacidade técnica, somos encarados como parceiros fiáveis, competentes e que normalmente contribuem para encontrar consensos. Portugal destaca-se, quer pelos seus excelentes indicadores de segurança quer por sermos uma referência, por exemplo, nas operações de segurança de grandes eventos (políticos, desportivos, cultuais e religiosos), no controlo de armas e explosivos, ao nível da troca de informações criminais no quadro do combate à criminalidade organizada e, sobretudo, pela reconhecida competência técnica dos quadros das forças e serviços de segurança nacionais.
E nestes seis meses o que é que foi aprovado de mais relevante que possa vir a ter mais impacto a curto/ /médio prazo na melhoria da segurança dos países europeus?
O maior sucesso foi certamente termos conseguido um consenso entre os 27 Estados membros no que respeita à revisão do regulamento Europol. Mas também houve importantes medidas na área da violência do desporto, no combate ao tráfico de armas e relacionadas com as lições aprendidas na pandemia. O que muda em concreto?
O novo regulamento da Europol, repito, foi um dos maiores sucessos da área da justiça e assuntos internos. Vai permitir à Europol cooperar de forma mais eficaz com parceiros privados (bancos, entidades financeiras, multinacionais de informação, por exemplo o Facebook, a Google, etc., no sentido de melhorar a troca de informações com estes parceiros no âmbito do apoio a investigações criminais dos Estados membros), processar grande quantidade de dados, e dados com elevada complexidade (big data), inserir dados no Sistema de Informação Schengen, cooperar com países terceiros. O novo regulamento fortalecerá o papel da Europol na área da investigação e desenvolvimento e na cooperação e clarifica que a Europol pode requerer o início de uma investigação criminal sempre que esteja em causa um interesse comum no âmbito da política da União. Na violência no desporto abordámos a necessidade de monitorizar o discurso de ódio e a apologia à violência promovidos nas redes sociais por grupos organizados de adeptos radicais durante a pandemia. Quanto a lições aprendidas com a pandemia de covid-19, foi decidida a necessidade de estreitar a cooperação policial para prevenir a contrafação de vacinas e respetiva venda na internet, assim como a falsificação de certificados de vacinação e de testagem. Muito importante foi a unanimidade em torno da criação de um canal seguro para a realização de reuniões de planeamento ou de coordenação, para a troca de informações operacionais e criminais em situações de crise, evitando assim a utilização de canais de uso comum como Teams, Webex e outros, os quais são considerados inseguros para estes efeitos. Finalmente, as conclusões do Conselho sobre a criação de pontos focais nacionais relativos a armas de fogo nos Estados membros da UE são um marco muito importante, tendo em vista incrementar a troca de informações e o combate ao tráfico de armas e seus componentes. A PSP é o ponto focal nacional neste âmbito. E que países estão mais avançados nessas matérias?
É difícil responder a essa questão... Se, por um lado, Portugal se mantém muito bem posicionado em termos de rankings internacionais de segurança e de criminalidade, existem países que têm um ordenamento jurídico diferente do nosso e que os torna mais ágeis no âmbito da cooperação internacional e também, por exemplo, na adoção de sistemas de segurança e de proteção, como seja o CCTV em espaços públicos, na utilização de imagens vídeo para a prevenção e a investigação criminal, na proteção de infraestruturas críticas e nas áreas de pesquisa e desenvolvimento em termos de segurança (sistemas antidrone, inteligência artificial, etc.). Diria que os indicadores de segurança de Portugal são simultaneamente uma vantagem e um inconveniente. Vantagem porque nos
“Portugal destaca-se nos indicadores de segurança, das operações de segurança de grandes eventos, no controlo de armas e explosivos e no quadro do combate à criminalidade organizada.”
conferem uma mais-valia competitiva em relação a outros países ao nível do turismo e dos negócios enquanto país seguro; inconveniente, porque há uma convicção de que a segurança em Portugal é um dado adquirido e não implica grande investimento ou mudança sistémica.
Há a ideia de que é preciso haver atentados em países para que se tomem medidas preventivas?
Sim. Em Portugal temos a felicidade de não termos tido atentados terroristas desde a década de 80 do século XX. Não quer dizer que, por isso, os governos não devam continuar a modernizar o sistema de segurança interna, investir nas forças e serviços de segurança, melhorar a formação e, sobretudo, incrementar a cooperação policial, ao nível interno e com os principais parceiros internacionais. Normalmente há a tendência para os Estados investirem mais em segurança em contexto de ameaça terrorista tangível ou concretizada. Embora Portugal tenha uma posição periférica em termos geográficos, não nos podemos esquecer de que em termos geoestratégicos e de segurança, estamos no epicentro de várias rotas da criminalidade organizada transnacional, por exemplo, ao nível do tráfico de droga e, cada vez mais, também próximo de zonas de grande atividade de redes de imigração ilegal e de tráfico de seres humanos. Isso deve manter-nos alerta e preparados para enfrentar essas ameaças.
Sobre a proteção dos espaços públicos, o que há de novo?
De forma resumida, visa-se incrementar nos Estados membros a cooperação entre as forças de segurança, as autarquias, os parceiros privados, a proteção civil, a emergência médica, etc. Incluem medidas como o desenvolvimento de sistemas antidrone para a proteção de infraestruturas críticas e grandes eventos em locais públicos (uma das principais vulnerabilidades atuais), o controlo do fabrico de armas através de fotocopiadoras 3D, o controlo da posse de armas brancas em locais públicos (muitos Estados não têm legislação suficientemente eficaz a este nível), a adoção de sistemas de videovigilância em espaços públicos, a proteção de locais de culto (sinagogas, igrejas e mesquitas), investir em sistemas de deteção de explosivos e apostar na prevenção criminal através do design ambiental... A chamada “arquitetura para a segurança”...
Exatamente. Nas conclusões que aprovámos foi sublinhada a necessidade de adoção de medidas de proteção (obstáculos, pilaretes, blocos de cimento ou outros) em zonas de grande circulação ou concentração de pessoas. O terrorismo hoje visa sobretudo atingir o maior número de pessoas possível, nos centros das cidades, fomentando o medo, obtendo forte efeito mediático e procurando afetar o modus vivendi nos Estados de direito democráticos ou nos países em crise ou em situação pós-conflito.
Isso aconteceu um pouco em Nice, no atentado de 14 de julho de 2016. Como é que a cidade se transformou?
É um bom exemplo. Depois do atentado, o Estado francês e a autarquia candidataram-se a um programa de financiamento da Comissão Europeia ao nível da proteção de espaços públicos, tendo resultado num investimento de cerca de 30 milhões de euros na baixa de Nice, precisamente na avenida junto ao mar, adotando diversas medidas protetivas do espaço público, exatamente no âmbito destas técnicas de prevenção criminal através do design ambiental. Há vários programas de financiamento ao nível da Comissão Europeia e será importante que também Portugal apresente projetos de candidatura neste âmbito. Há diversas possibilidades para o desenvolvimento de projetos, quer entre as autarquias e as forças de segurança, quer entre as autarquias e privados e as forças de segurança, quer entre as forças de segurança e privados.
Lembro que, precisamente na sequência do atentado em Nice e Barcelona, em 2017, a então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, chegou a criar um grupo de trabalho sobre esta matéria, com a GNR e a PSP. Que resultados produziu?
A concretização prática mais tangível tem sido a adoção de sistemas de videovigilância em espaços públicos. Porque não avançam mais medidas “passivas” de design de segurança?
A adoção de sistemas de videovigilância é fundamental para a segurança em espaços públicos. Não sendo substitutiva da presença policial, é instrumental para a nossa atividade de vigilância, de prevenção e poderá ser muito importante ao nível da investigação criminal em determinadas circunstâncias. Todos os projetos têm sido desenvolvidos tendo em consideração a legislação em vigor sobre proteção de dados e em respeito por direitos e liberdades individuais. Devo dizer que considero as bodycams, aprovadas na passada semana, fundamentais para a segurança dos polícias e para a proteção dos cidadãos. É verdade que a prevenção através do design ambiental tem sido menos adotada. Temos o exemplo, dos blocos de cimento para prevenir situações de atropelamento doloso na Praça do Império, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, tendo a PSP contribuído para esse projeto. Mas digamos que estas medidas deverão ser adotadas noutros locais turísticos e de grande circulação de pessoas noutras cidades. A receita será equilibrar entre a eficácia e, por outro lado, não tornar estas medidas de design ambiental muito intrusivas e securitárias; não transformar as cidades numa espécie de fortalezas.
Se neste momento uma autarquia quisesse avançar com algum projeto neste âmbito com o que é que poderia contar da parte da PSP?
Pode contar com uma assessoria do ponto de vista técnico-policial semelhante ao tipo de apoio que damos nos processos de CCTV, tendo em conta o nosso conhecimento, experiência e as boas práticas com que temos tomado contacto no estrangeiro. Por exemplo, a PSP participou nos últimos três anos num projeto encabeçado pela Alemanha e onde participaram uma dezena de forças polícias de diferentes Estados, direcionado para a proteção de espaços públicos: o projeto Safeci. Com estas experiências temos adquirido conhecimentos do ponto vista científico e técnico-policial e estamos disponíveis para contribuir com o nosso know-how.
Que resistências é que são mais difíceis de ultrapassar?
Penso que em termos legais devia estar previsto o parecer vinculativo das forças de segurança territorialmente competentes em projetos públicos estruturantes nas cidades. Por exemplo, nos projetos relacionados com interfaces de transporte público, aeroportos, espaços de lazer. Ou seja, à semelhança do que acontece na área da proteção civil, em que as entidades de proteção civil, os bombeiros, etc., têm de emitir parecer favorável em questões safety para determinado tipo de projetos de grande dimensão, devia estar prevista na lei a necessidade de parecer vinculativo das forças de segurança. Em diversos Estados membros da União Europeia, por exemplo, nos Países Baixos e nos países escandinavos, existe esta obrigação legal, sendo para determinado tipo de infraestruturas obrigatório o parecer vinculativo da polícia. Por vezes, bastavam simples adaptações. Há projetos urbanísticos que não acautelam a existência de becos, corredores estreitos e mal iluminados, escadas entre muros, etc. Projetos que do ponto de vista arquitetónico nem sempre conciliam aspetos estéticos com segurança.
Falando em pareceres vinculativos ena articulação com autarquias, na questão dos festejos do Sporting, o relatório da IGAI refere que o parecer da PSP, assim como o dada Saúde, foram ignorados. Comoé que classifica a relação da PSP coma Câmara Municipal de Lisboa, neste momento?
Não vou fazer comentários.