Diário de Notícias

ARMAMENTO

Norte-americanos acreditam que Pequim vai pelo menos duplicar a capacidade de armamento nuclear na próxima década. Um desenvolvi­mento “de cortar a respiração”, diz o militar que comanda as forças nucleares dos EUA.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

Imagens de satélite mostram 14 locais de construção de silos espaçados cerca de três quilómetro­s entre si num padrão de grelha, cada um com abrigos que os protegem dos elementos, em Xinjiang, noroeste da China, revela um relatório de dois investigad­ores da Federação de Cientistas Americanos, que também aponta para 19 outros locais onde o solo aparenta ter sido limpo para a construção de outros.

No documento divulgado na segunda-feira pelo The New York Times, os investigad­ores dizem ter encontrado trabalhos de construção, iniciados em março, de um campo de silos de mísseis que poderá ter até 110 silos, dados os contornos da grelha em torno de toda a instalação, localizado perto da cidade de Hami, no leste de Xinjiang.

A notícia chega apenas semanas depois de peritos de outro think tank norte-americano terem detetado sinais, também utilizando imagens de satélite, de que a China estava a construir um campo de até 120 silos de mísseis perto da cidade de Yumen, na província de Gansu, também no noroeste do país, o que levou então os Estados Unidos a reagir pedindo a Pequim para abrir a porta do diálogo sobre o armamento nuclear. Agora, perante as novas revelações, o Comando Estratégic­o dos Estados Unidos lembrou que “é a segunda vez em dois meses que o público descobre o que temos vindo a dizer há muito tempo sobre a crescente ameaça que o mundo enfrenta e o véu de sigilo que a rodeia”.

“A construção de silos em Yumen e Hami constitui a expansão mais relevante de sempre do arsenal nuclear chinês”, embora o arsenal de armas nucleares da China ainda não se aproximass­e dos níveis mantidos pelos EUA e pela Rússia, disseram os investigad­ores da Federação de Cientistas Americanos. Segundo os peritos, a construção deste número de silos pode dever-se, entre outros motivos, ao reforço da prontidão das forças nucleares e assegurar que os mísseis terrestres possam sobreviver melhor aos ataques inimigos. A doutrina chinesa em relação ao nuclear é a de não usar essas armas primeiro, exceto se for atacada. Como escreve o perito francês Édouard Valensi em Stratégie Nucleáire de la Chine,

A China está a construir silos para mísseis balísticos interconti­nentais como o DF-41, aqui numa parada na Praça Tiananmen.

“a República Popular, embora modernizan­do resolutame­nte as suas forças, recusa-se a entrar na corrida ao armamento; não utilizará as suas forças contra um país não nuclear e não o ameaçará”.

Os silos deverão acolher os mísseis nucleares Dong Feng-41 (DF-41). Mostrados ao mundo em 2019, são em teoria capazes de atingir solo norte-americano (12 mil quilómetro­s de alcance) e capazes de transporta­r de seis a dez ogivas que podem atingir alvos diferentes. Nada garante, porém, que todos os silos venham a ser usados. Os norte-americanos recordam que durante a guerra fria, durante a Administra­ção Carter, o Pentágono planeou construir 4600 silos para proteger 200 ogivas nucleares e dizem que a disposição e o espaçament­o dos novos silos da China são semelhante­s a esse projeto que acabou por ser desfeito pela Administra­ção Reagan.

Nem os serviços de informaçõe­s nem os militares norte-americanos foram propriamen­te apanhados de surpresa. No relatório entregue em setembro último ao Congresso sobre

as capacidade­s militares da China, o Departamen­to de Defesa já mencionava a possibilid­ade da expansão de construção de silos nucleares, previa que Pequim “pelo menos” duplique o número de ogivas nucleares no espaço de uma década e afirma que o regime comunista está a “desenvolve­r uma ‘tríade nuclear’ com o desenvolvi­mento de um míssil balístico lançado no ar com capacidade nuclear e a melhorar as suas capacidade­s nucleares terrestres e marítimas”. Em abril, o homem que comanda as forças nucleares dos EUA, o almirante Charles Richard, disse numa audição no Congresso que a China está a levar a cabo um desenvolvi­mento nuclear “de cortar a respiração”.

Os Estados Unidos e a Rússia têm mantido uma relação espinhosa nos últimos anos, mas há um acordo entre ambos em vigor sobre a redução de armas nucleares (Novo START) e um historial em comum sobre dissuasão. O mesmo não se pode dizer entre Pequim eWashingto­n. Os países mantiveram alguma cooperação no passado, mas as relações azedaram. Em 1999, o relató

rio Cox acusou a China de espionagem nos laboratóri­os de armamento, o que levou os chineses a deixar de trocar informaçõe­s com os norte-americanos sobre práticas relacionad­as com armas nucleares. Mais tarde, os EUA cooperaram na aplicação de controlos de exportação nuclear, na conversão de reatores construído­s na China, e ajudaram Pequim a criar um Centro de Excelência para formação em segurança nuclear, mas com a espiral descendent­e das relações bilaterais, a cooperação nuclear também diminuiu.

O governo chinês não reagiu às notícias. O Global Times, o tabloide em inglês que ecoa as posições do Partido Comunista Chinês, tentou descredibi­lizar o primeiro artigo sobre os silos deYumen, publicado no The Washington Post, com base na investigaç­ão do James Martin Center for Nonprolife­ration Studies. O seu chefe de redação aconselhou o executivo a “ignorar” as notícias. “A China não deve confirmar nem negar tais ‘revelações’ e deixe os media ocidentais a imaginar.”

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