TERROR Está aí o “filme de verão” do realizador indo-americano. é drama de família, e de um grupo de estranhos, com um pezinho na série B e o terror que nasce de um certo modo de filmar.
Presos no Tempo
Terminada a trilogia Eastrail 177, M. Night Shyamalan voltou ao seu mais tradicional registo (in)cómodo: o medo como jogo de perceção e leitura de um espaço. O filme é a adaptação de uma banda desenhada de Frederik Peeters e Pierre-Oscar Lévy, Sandcastle, mas podia ser uma versão americana de O Anjo Exterminador (1962), de Luis Buñuel, esse, recorde-se, uma história absurda do princípio ao fim, em que um conjunto de personagens aristocráticas fica preso dentro de um palacete, após um jantar, porque simplesmente não consegue sair. Não há nada de concreto a impedi-las, mas uma barreira invisível parece impor-se... Ora, em vez de um palacete, Presos no Tempo passa-se numa praia isolada, tem ingredientes mais sombrios, e à medida que se aproxima do fim, perde a coragem de manter o absurdo. O que se passa pelo meio, porém, é obra segura do espírito lúdico de Shyamalan, a explorar uma premissa sem resistir às adendas.
No princípio do filme, um casal em crise interpretado por Vicky Krieps e Gael García Bernal, chega com os dois filhos pequenos a um resort. Para além deles, há mais uma família e outro casal que são alvos da atenção da câmara antes de seguirem para “a melhor praia da ilha”, cortesia do gerente, transportados por um funcionário (Shyamalan, no seu habitual cameo) que lhes deixa um cesto carregado de comida... para umas horas. Com os pés naquela areia, rodeados por um enigmático rochedo, e na presença de um homem que já ali estava – identificado pela filha do primeiro casal como um rapper famoso –, o fenómeno estranho começa a manifestar-se: naquele lugar, os corpos envelhecem em poucas horas o que envelheceriam em anos. Num estalar de dedos, as crianças passam a adolescentes, depois a jovens adultos, e assim sucessivamente, enquanto o grupo de desconhecidos, em estado de desespero, tenta encontrar uma saída. O certo é que há qualquer coisa com aquele rochedo.
Shyamalan podia ter-se ficado pelo inexplicável desta situação, mas mesmo optando por não o fazer, Presos no Tempo é um belo naco de cinema série B enquanto não chega a essa “burocracia narrativa” final. O terror daquele lugar passa sobretudo pelo modo com a câmara flui no espaço, capta a estranheza no ar e desenha o mapa de uma anunciada tragédia humana. A metáfora da vida concentrada num só dia está lá, e, no entanto, não é propriamente na complexidade dessa ideia que o realizador de O Sexto Sentido quer mergulhar. Digamos que tudo anda à volta de um gosto “antiquado” pela experiência cinematográfica como uma pesquisa sensorial da lente, um prazer brincalhão que se reveste de drama para nos aproximar das personagens, mas cujo interesse é puxar a atenção do espectador para o inesperado da construção visual – e não para o inesperado da história, porque essa acaba por ser secundária face ao comportamento eloquente da câmara.
Sem pretensões e com um apelo old school, Presos no Tempo transpira o amor maduro de Shyamalan pelo ato de filmar. Se quisermos pegar no conceito: um cinema que vai ganhando rugas de expressão, mas que mantém a juventude de alma.