Compreender para que serve uma Guarda e uma Polícia!
Éfrequente o debate sobre o sistema policial em Portugal, por existirem várias polícias e, em particular, duas Forças de Segurança (FS) – GNR e PSP – que, dizem alguns, servem para fazer a mesma coisa. O desconhecimento sobre o que é cada uma das instituições permite que outros interesses contaminem a opinião pública, proliferando ideias deletérias e aproveitando esta realidade para cumprir agendas.
A história, como referência do futuro, fundamenta a posição de sucessivos governos, em rejeitar uma Polícia Única, apostando num sistema dual, com uma Força Militar e uma Força Civil, como têm optado diversos países que geográfica e culturalmente se assemelham a Portugal (ex. Espanha, França e Itália). O cariz militar, mais do que patente nas missões, está relacionado com a condição militar. Ser militar, mais do que uma questão técnica, é uma questão cultural e forma de estar. A GNR, tal como diversas forças militares estrangeiras, é herdeira do ADN e da designação da Gendarmerie Nationale de França, criada em 1789. Além da formação técnico-policial dos militares da GNR, é a formação militar base o segredo da eficácia que permite uma resposta imediata e capaz, especialmente em situações excecionais/emergência. Esta formação e organização equivalente à das Forças Armadas (FA), garantem eficiência na execução das responsabilidades de cada militar mesmo em situações adversas. Prova disto, é a resposta da GNR nas situações excecionais como greves de camionistas, grandes incêndios ou reposição de fronteiras fruto da pandemia.
Este “estado de espírito”, designado “condição militar”, aliado à formação técnico-militar e conjugado com a organização, doutrina, autonomia logística (autossuficiência) e armamento diferenciado das restantes “Polícias”, permite à GNR cumprir missões militares e agir em coordenação com as FA, numa lógica de interoperabilidade. Nos cenários internacionais de conflito é frequente a utilização de Gendarmeries, pela sua capacidade para atuar num largo espetro de conflitualidade, que permite transição pacifica de fase de “imposição da força” para a fase
“transferência de autoridade”, tal como aconteceu com a projeção da Guarda para o Iraque, Timor ou Bósnia. Note-se que Portugal faz parte de algumas organizações internacionais, pelo facto de existir uma Guarda, como é o caso da European Gendarmerie Force, uma força europeia, capaz de projetar até 800 efetivos, num prazo de 30 dias, para qualquer conflito internacional. Num mundo onde as ameaças e formas de conflitualidade tendem a obrigar a uma melhor coordenação entre a Defesa Nacional e a Segurança Interna, a GNR, surge como “elemento” facilitador dessa ligação, especialmente em cenários de elevada complexidade, como são os estados de guerra ou emergência.
O sistema dual faz sentido se ambas as FS tiverem um espetro comum de atuação na sua área territorial, a desempenhar as missões de polícia administrativa (vulgo “fazerem o mesmo”), e depois, cada uma destas desempenhe missões de polícia especial, como seja para a Guarda os exemplos da ação fiscal e rodoviária, o controlo costeiro, o ambiente e a natureza (o que exige continuidade no território incluindo marítimo), e para a PSP a segurança privada, as armas e explosivos, a segurança pessoal e aeroportuária.
Quando a diferença for entendida, compreender-se-á que o foco de uma Polícia é o cidadão enquanto uma Gendarmerie se centra no Estado (organização política, território e população), pelo que uma FS se denomina “Polícia” e atua nos grandes centros urbanos, e, a outra se denomina “Guarda” e atua em 94% do território, garantindo a sua integridade, a vigilância das suas fronteiras e o controlo dos movimentos massivos da população. Compreendido isto terminariam os tristes episódios de “guerrinhas” que nos envergonham a todos. Não devia haver espaço para “quintas” ou mendigar atribuições nos bastidores, afrontando os militares. Ter duas FS não deve significar concorrência, mas sim complementaridade, para que Portugal seja, não o terceiro, mas o país mais seguro do mundo.