Diário de Notícias

“De todas as pessoas, Sophia Loren foi a que me deu mais gozo trazer cá”, diz Manuel Vaz, da Expanding World

FUNDADOR DA EXPANDING WORLD “DE TODAS AS PESSOAS NO MUNDO, SOPHIA LOREN FOI A QUE ME DEU MAIS GOZO TRAZER A PORTUGAL”

- TEXTO LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Os olhos de Manuel Vaz parecem brilhar quando me conta como conseguiu trazer Sophia Loren a Portugal. A nossa conversa hoje acontece à mesa de um restaurant­e-adega do Pico, nos Açores, mas o cenário da vinda da atriz italiana foi o norte do país, em 2010, durante a segunda edição do Douro Film Harvest, com Lamego, Sabrosa, Vila Real e Freixo de Espada à Cinta como palcos.

Nesse festival de cinema chegaram a participar Oliver Stone, Milos Forman ou Andie MacDowell, mas, confessa o fundador da Expanding World, “de todas as pessoas no mundo, Sophia Loren, cheia de esplendor apesar dos 75 anos, foi quem me deu mais gozo trazer a Portugal”. E percebe-se porquê quando Manuel – combinámos o tratamento sem formalismo­s – explica que aquilo que o dinheiro, sejam euros ou dólares, muitas vezes não consegue, uma

boa ideia pode alcançar, especialme­nte, acrescento eu, quando se é uma espécie de cidadão do mundo. “Estava numa festa na Argentina, em Mendoza, quando conheci o filho dela e fiquei a saber que o marido, recém-falecido, era um grande colecionad­or de vinho do Porto. Então propus que a vinda ao Douro fosse uma homenagem muito pessoal a Carlo Ponti”, o produtor de cinema com quem Sophia Loren esteve casada durante 40 anos.

O nosso brunch, à base de queijos açorianos e bem regado com vinhos produzidos mesmo aqui na ilha que tem a mais alta montanha de Portugal, está a ser rápido, pois há aviões para apanhar, primeiro para Ponta Delgada, depois para Lisboa, a seguir, em alguns casos, para a América. O Pico é a etapa extra da Glex Summit 2021, que decorreu em Lisboa, na Gare Marítima de Alcântara, e em Ponta Delgada, no Teatro Micaelense. E foi a subir aos 2351 metros do Pico, a montanha que dá nome à ilha, que figuras como Richard Garriott, astronauta, Nina Lanza, cientista da NASA envolvida na exploração de Marte, ou Erling Kagge, a primeira pessoa a ir aos dois polos e ao topo do Evereste, passaram a última noite. Manuel também subiu, tentando agora disfarçar o cansaço acumulado enquanto conversamo­s no Azores Wine Company, de vista deslumbran­te para os campos onde infindávei­s muros de rocha negra vulcânica protegem as vinhas dos ventos atlânticos.

Conheci o meu parceiro de conversa exatamente por causa da Glex Summit 2021, um evento organizado pelo Clube de Explorador­es de Nova Iorque, presidido por Garriott, e a Expanding World, de Manuel Vaz. Numa conversa umas semanas antes para um artigo no DN, Manuel tinha explicado como esta ligação começou em 2019, juntando os 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães e os 50 da ida de Neil Armstrong à Lua, ou seja, outra grande ideia: “Este tem sido um dos projetos mais inspirador­es que tive o privilégio e a felicidade de concretiza­r, em muitos, nos últimos 25 anos. Principalm­ente pelas pessoas incríveis e inspirador­as com quem tenho hoje o privilégio de semanalmen­te conviver e trabalhar, alguns ídolos antigos como Bertrand Piccard ou Richard Garriott. Laurence Bergreen [best seller americano] e o Dr. James Garvin chief scientist da NASA, hoje grandes amigos, foram essenciais e inspirador­es, para que todas as peças se juntassem e a ideia surgisse, após um documentár­io, e um dia pudesse bater à porta e desafiar o Explorers Club em Nova Iorque, que é uma Justice League dos explorador­es da humanidade, a fazer algo nunca feito... How about? Não menos importante é o desafio e o empenho da Estrutura de Missão do V Centenário, na pessoa do magalhânic­o José Marques e o apoio e a energia contagiant­e da equipa do Turismo de Portugal, que permitiu construir em conjunto com o Explorers Club algo maior do que todos! E depois de anos a seguir as tentativas da primeira volta ao mundo em balão poder privar com o Piccard ou com o incrível Garriott que decidiu criar o seu próprio programa espacial... Toda a perspetiva da vida e do nosso planeta mudou para mim.”

Pedimos um segundo café (ou será o terceiro?) e procurámos voltar ao princípio de tudo, que Manuel – mesmo sublinhand­o que a Expo’98 foi para ele “uma experiênci­a do caraças”– diz ter sido a candidatur­a de Portugal em 1999 à organizaçã­o do Europeu de Futebol em 2004, o tal que perdemos na final para a Grécia. “Estava na Realizar, a empresa onde então trabalhava, e coproduzi o logótipo humano. Foi um grande momento. Trabalhei com uma pessoa importantí­ssima, a Ana Matias. Foi o primeiro grande desafio que tive. Ou era tudo ou morrias ali”, recorda com um entusiasmo onde os “pá” vão salpicando o discurso.

Nascido no Porto seis meses depois do 25 de Abril, Manuel tinha 25 anos quando se deu o evento no Jamor que nos garantiu o Euro. Descreve a infância e a juventude como normais – “era um puto normal” –, mas realça que sempre teve vontade de fazer diferente, de inovar, até quando começou por estudar Turismo mesmo “sem querer fazer nada do que se fazia no turismo, mas gostei do currículo, de ter lá História da Arte e Estatístic­as”.

As coisas profission­almente começaram a correr muito bem no seguimento do logótipo humano, diz entre risos, e “dos dez novos estádios que foram construído­s para o Europeu só não organizei a inauguraçã­o de dois”.

Estava tudo lançado para o projeto seguinte, ainda de maior fôlego: a eleição das Novas Sete Maravilhas do Mundo, um megaevento à escala global que teve lugar a 7 de julho de 2007, o mágico 7/7/7. Comento que o DN era parceiro do evento e Manuel logo acrescenta que sim, e que nos deu a primeira grande entrevista da sua vida e depois ofereceu ao jornal o exclusivo da notícia da vinda de Jennifer Lopez à festa no Estádio da Luz.

Fiz uma pesquisa no arquivo do DN, onde estão 156 anos de história do jornal, e, de facto, descobri uma conversa de Manuel com a jornalista Filomena Naves em setembro de 2006, sobre como liderou a candidatur­a de Lisboa ao concurso inventado por um suíço. Também uma reportagem assinada pelo Rui Pedro Tendinha sobre o Douro Film Harvest de 2012 em que Manuel é descrito como “um marketeer que inventa conceitos e põe de pé eventos” – nesse ano a atriz Bo Derek era a estrela convidada do festival patrocinad­o pelo Turismo do Douro e que tinha entre os fundadores Mário Ferreira, empresário da Douro Azul e agora grande acionista da TVI.

Até hoje, Manuel continua a colaborar com Mário Ferreira, em especial, diz, “nos eventos incríveis de batismos dos navios-hotel que navegam o Douro, de que a Sharon Stone é uma das madrinhas…. e recentemen­te no primeiro navio transoceân­ico em Viana do Castelo, com a madrinha Carla Bruni”.

As Sete Maravilhas foram um êxito, mas deixaram mossa. Foram um sucesso em termos de adesão do público, em Portugal e lá fora, mas financeira­mente não. E Manuel diz “sem pestanejar” que hoje talvez não se tivesse metido no projeto. Foi fonte de muito stress e fez de 2007 “um ano disruptivo para mim a muitos níveis”, nota. Mas serviu para tirar lições, e mesmo tendo organizado ainda as Sete Maravilhas de Portugal no Mundo, algo que vai muito ao encontro da sua paixão pela portugalid­ade, preferiu não insistir. “Sem querer parecer pretensios­o, sinto-me muito como os homens do Renascimen­to. Gosto de fazer muitas coisas diferentes, ter novos desafios em permanênci­a. Não me imagino sequer, por exemplo, só a fazer a Glex.

Talvez quando me reformar me dedique só a um projeto, para me manter ativo”, conta, novamente entre risos. A conversa é descontraí­da, mesmo quando Garriott, o amigo que já foi ao espaço e também à fossa das Marianas, chama, a dar pressa, pois é hora de ir para o aeroporto. “I’m going to stay”, responde Manuel, entrando na brincadeir­a com o presidente do Clube de Explorador­es de Nova Iorque, um apaixonado por Portugal.

Manuel explica que nos seus projetos internacio­nais ajuda muito a boa imagem de Portugal, país que atrai visitantes, seja Garriott, agora também cativado pela beleza dos Açores, ou os participan­tes de um dos primeiros concursos internacio­nais que organizou, a Travessia de Portugal em Balão – “um dos eventos de que mais saudades tenho. Eram oito ou nove dias, sempre em março por causa dos ventos favoráveis. Uma espécie de volta a Portugal em bicicleta, com etapas no ar”, diz. E sim, convive muito bem com gente de outras culturas, admite, mas sempre com uma regra: “É uma relação entre iguais. Ao mesmo nível. Sou mega low profile, não sou um one man show. Tenho é de fazer brilhar um projeto. Dá-me prazer trazer astronauta­s, explorador­es e cientistas e colocar Portugal na lista de melhores experiênci­as dessas pessoas.”

A assistir neste ano à Glex Summit, estiveram Clara e João, de 16 e 13 anos, os filhos de Manuel com uma cientista, Inês, doutorada em Farmácia. Durante muito tempo, procurou separar família e trabalho. Hoje, pelo contrário, admite que muito do esforço que faz nesta organizaçã­o da Glex Summit “também é pelos meus filhos, para eles estarem neste universo de gigantes”.

Garriott, divertido, volta a chamar para o miniautoca­rro. Nina Lanza acaba de ver online a entrevista que deu ao DN e pergunta se lhe posso arranjar o jornal em papel. Talvez no aeroporto de Ponta Delgada, respondo. A cientista de topo que analisa toda a informação recolhida em Marte pelos rovers Curiosity e Perseveran­ce foi outra das heroínas da subida noturna ao Pico, mas os brindes com vinho branco verdelho, produto de excelência do terroir vulcânico da ilha, parecem ter desfeito nela qualquer sinal de fadiga. E lá vai Manuel com eles, o braço de Garriott por cima dos ombros. Provavelme­nte já estão a pensar na próxima Glex Summit. leonidio.ferreira@dn.pt

O NOSSO BRUNCH, À BASE DE QUEIJOS AÇORIANOS E BEM REGADO COM VINHOS PRODUZIDOS MESMO AQUI NA ILHA QUE TEM A MAIS ALTA MONTANHA DE PORTUGAL, ESTÁ A SER RÁPIDO, POIS HÁ AVIÕES PARA APANHAR. O PICO É A ETAPA EXTRA DA GLEX SUMMIT 2021, QUE DECORREU EM LISBOA E EM PONTA DELGADA. E FOI A SUBIR AOS 2351 METROS DO PICO, A MONTANHA QUE DÁ NOME À ILHA, QUE FIGURAS COMO RICHARD GARRIOTT, ASTRONAUTA, NINA LANZA, CIENTISTA DA NASA ENVOLVIDA NA EXPLORAÇÃO DE MARTE, OU ERLING KAGGE, A PRIMEIRA PESSOA A IR AOS DOIS POLOS E AO TOPO DO EVERESTE, PASSARAM A ÚLTIMA NOITE. MANUEL TAMBÉM SUBIU, TENTANDO AGORA DISFARÇAR O CANSAÇO.

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