Diário de Notícias

QUASE 20% DA POPULAÇÃO DE LISBOA É ESTRANGEIR­A, MAS SÓ 2,8% PODEM VOTAR

Em teoria, os estrangeir­os residentes são um eleitorado já com um peso expressivo na capital. Mas nem todos podem ir às urnas e, entre os que o podem fazer, são ainda menos os que tratam do recenseame­nto.

- TEXTO SUSETE FRANCISCO

V “otre opinion est importante, venez nous faire partie de vos préoccupat­ions.” [A sua opinião é importante, venha dar-nos conta das suas preocupaçõ­es.] “Bu pode contribui ku bu voto pa um politica mas justa e solidária.” [Podes contribuir com o teu voto para uma política mais justa e solidária.] “Înainte de a vota informeaz -te despre cine î i ap ra drepturile!” [Antes de votar, informa-te sobre quem defende os teus direitos!]

Por estranho que possa parecer à primeira vista, as três frases, em francês, crioulo de CaboVerde e romeno, são apelos eleitorais às eleições autárquica­s de 26 de setembro próximo. A primeira consta de um pequeno cartaz da CDU afixado no Bairro da Graça, em Lisboa, onde a comunidade francesa tem vindo a ganhar peso. As duas restantes de panfletos distribuíd­os pelo Bloco de Esquerda. E não são caso único. “Lisbon is also yours.Vote!” [Lisboa também é tua.Vota!], apelou o PSD nas redes sociais. Um “piscar de olho” aos estrangeir­os residentes em Portugal que têm, em muitos casos, direito de voto nas eleições locais.

Mas não é um direito muito usado, nem sequer na cidade que é a mais internacio­nal do país. De acordo com os dados mais recentes do recenseame­nto, estão registados na capital 1821 eleitores originário­s de países da União Europeia e 1222 extracomun­itários – 3043 no total. Números que deverão aumentar, dado que o recenseame­nto para cidadãos estrangeir­os residentes que vai vigorar nas próximas autárquica­s só fechou as inscrições na passada semana. Segundo o Ministério da Administra­ção Interna, responsáve­l por este processo, “ainda não há dados finais, por haver um número muito significat­ivo de inscrições em análise e validação”, uma fase que só terminará a 13 de agosto. Os números finais só deverão ser conhecidos em setembro. Mas deverão manter-se muito aquém da capacidade real de voto da comunidade estrangeir­a.

Quase 20% de estrangeir­os

Começando pelo quadro geral. De acordo com dados do Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF) de 2020, há 107.238 cidadãos estrangeir­os residentes no concelho de Lisboa. Ora, segundo os primeiros dados do Censos 2021, divulgados na passada quarta-feira, a capital tem agora 544.851 habitantes, o que significa que 19,6% da população residente em Lisboa é de nacionalid­ade estrangeir­a. Um valor francament­e superior à média nacional, que está nos 6,3% (662.095 estrangeir­os residentes numa população total de 10.347.892 habitantes no país). Mas, nestes mais de 100 mil estrangeir­os residentes na capital, apenas os referidos 3043 estão recenseado­s e só com este requisito podem exercer o direito de voto – 2,8% do total.

Boa parte das comunidade­s residentes estão impedidas de votar, mesmo em eleições autárquica­s, e entram neste grupo comunidade­s numerosas na capital, como a chinesa ou a do Bangladesh. De acordo com a Comissão Nacional de Eleições (CNE), podem inscrever-se no recenseame­nto os cidadãos com mais de 17 anos, naturais de qualquer Estado-membro da União Europeia ou do Reino Unido, desde que tenham residência em Portugal anterior ao Brexit.

O mesmo é válido para originário­s do Brasil (os que não tenham estatuto de igualdade) e Cabo Verde, nestes dois casos com a obrigatori­edade de residência legal em Portugal há mais de dois anos. Também podem votar os cidadãos originário­s da Argentina, Chile, Colômbia, Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Uruguai eVenezuela com residência legal em Portugal há mais de três anos.

Se não é possível distinguir as nacionalid­ades dos que estão recenseado­s e podem votar, há um dado que é claro: o maior “contingent­e” eleitoral entre os residentes estrangeir­os são os brasileiro­s. Não só porque serão a comunidade mais numerosa, tal como acontece no todo nacional, mas também porque podem requerer o estatuto de igualdade de direitos e deveres, que garante não só o direito de voto como também a possibilid­ade de eleição.

O problema da “falta de representa­tividade”

O que explica a pouca apetência dos imigrantes pelo voto, refletida nos baixos níveis de recenseame­nto?

Cynthia de Paula, presidente da Casa do Brasil, identifica uma multiplici­dade de causas. “Num primeiro momento, a falta de informação dos dois lados. Desta vez houve mais campanha informativ­o, mas nas eleições anteriores houve pouca divulgação e em cima das eleições não há um trabalho continuado”, diz ao DN. Mas há outras circunstân­cias que podem ajudar a explicar a fraca participaç­ão eleitoral: “Quando uma pessoa migrante chega, há toda uma trajetória, que é muito pesada – costumo dizer que é uma corrida de obstáculos –, até conseguir ver os seus direitos garantidos. Os direitos políticos ficam para último.” Uma terceira questão apontada por Cynthia de Paula prende-se com a “falta de representa­tividade”. “Quantas pessoas migrantes, ou mesmo pertencent­es a minorias étnico-raciais, temos como representa­ntes políticos?”, questiona, sublinhand­o que esta falta de representa­tividade faz com que as pessoas não se revejam na vida política, o que funciona como um fator de distanciaç­ão. No país há 12 anos e já com nacionalid­ade portuguesa, Cynthia de Paula tenta este ano, pela primeira vez, dar esse passo, como candidata nas listas da bloquista Beatriz Gomes Dias.

A Casa do Brasil fez, nas últimas semanas, uma campanha com vista ao recenseame­nto de cidadãos brasileiro­s, e Cynthia de Paula diz

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Comunidade brasileira é a mais numerosa e pode requerer igualdade de direitos: pode votar e entrar nas listas de candidatur­a.

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