Coesão territorial: seletividade ou fracasso
De acordo com os resultados preliminares do Censos de 2021 esta semana divulgados, a população portuguesa encolheu, na última década, cerca de 214 mil pessoas, reeditando uma quebra que apenas havia sido observada no período alto da emigração. Este resultado, já de si negativo, encerra mais duas más notícias. A primeira é a de que, tendo havido um saldo migratório positivo ao longo da década, a perda de efetivos se explica por um défice do saldo natural, isto é, pela insuficiência de nascimentos face aos óbitos. A segunda é a constatação de que se acentua o processo de concentração da população no litoral, o qual induz dinâmicas de subdesenvolvimento. Apenas 51 dos 308 municípios portugueses registaram aumento da população, com a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve a serem as únicas grandes regiões a crescer.
Soubemos também que, no primeiro semestre deste ano, nasceram menos 4474 crianças do que em igual período do ano passado. A natalidade em Portugal anda por mínimos históricos, refletindo um maior grau de incerteza relativamente à segurança económica das famílias.
A redução da população, associada aos registos mínimos do número de nascimentos e à contínua desertificação populacional do interior, pode estar a gerar a tempestade perfeita. O país não encontrou ainda o consenso e a disponibilidade necessários para enfrentar este problema de dimensão e de criticidade equivalente ao das alterações climáticas. A cultura política da governação, muito desenhada a partir de Lisboa, independentemente de ser protagonizada pela esquerda ou pela direita, caracteriza-se por dois padrões de atuação: por um lado, tende a privilegiar os pacotes de pequenas medidas, que vão distribuindo rebuçados pelo interior, mas que não fazem mexer o ponteiro do desenvolvimento; por outro lado, sempre que o país atravessa dificuldades maiores, tende a garrotear o interior, retirando-lhe investimento e serviços públicos, o que equivale a criar cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Apesar disso, surgem pontualmente governantes que tentam romper com esta lógica, como é o caso da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que agendou o tema do desenvolvimento das regiões de baixa densidade como poucos.
Os desafios do equilíbrio demográfico e da coesão territorial estão bem representados na primeira e quarta agendas da Estratégia Portugal 2030. Sou testemunha de que o primeiro-ministro, António Costa, defendeu e acredita na necessidade de trilhar este caminho. Creio saber também que Rui Rio, líder da oposição, atribui importância crítica ao desenvolvimento do interior. A pergunta é, então, a seguinte: “Porque persistem os desequilíbrios territoriais?” Da minha experiência, o problema assenta numa resistência cultural à seletividade dos investimentos. Não se trava o definhamento do interior e da baixa densidade sem se escolherem um máximo de quatro cidades-âncora de desenvolvimento – a Norte, Centro, Alentejo e Algarve –, as quais são objeto de investimento seletivo para lá das regras habituais. Por exemplo, o potencial ímpar de atração de residentes do Algarve está neutralizado pela ausência de diversificação da sua economia. A solução terá de ser construída a partir de um novo instituto universitário tecnológico, pensado numa perspetiva internacional, com um financiamento por estudante/professor/investigador duplo daquele que é o padrão nas restantes instituições. Não tenho dúvidas sobre o sucesso dessa estratégia. O mesmo não posso dizer quanto à necessária alteração da cultura de governação, quer central, quer regional, quer local.
A redução da população, associada aos registos mínimos do número de nascimentos e à contínua desertificação populacional do interior, pode estar a gerar a tempestade perfeita.