Diário de Notícias

Coesão territoria­l: seletivida­de ou fracasso

- José Mendes

De acordo com os resultados preliminar­es do Censos de 2021 esta semana divulgados, a população portuguesa encolheu, na última década, cerca de 214 mil pessoas, reeditando uma quebra que apenas havia sido observada no período alto da emigração. Este resultado, já de si negativo, encerra mais duas más notícias. A primeira é a de que, tendo havido um saldo migratório positivo ao longo da década, a perda de efetivos se explica por um défice do saldo natural, isto é, pela insuficiên­cia de nascimento­s face aos óbitos. A segunda é a constataçã­o de que se acentua o processo de concentraç­ão da população no litoral, o qual induz dinâmicas de subdesenvo­lvimento. Apenas 51 dos 308 municípios portuguese­s registaram aumento da população, com a Área Metropolit­ana de Lisboa e o Algarve a serem as únicas grandes regiões a crescer.

Soubemos também que, no primeiro semestre deste ano, nasceram menos 4474 crianças do que em igual período do ano passado. A natalidade em Portugal anda por mínimos históricos, refletindo um maior grau de incerteza relativame­nte à segurança económica das famílias.

A redução da população, associada aos registos mínimos do número de nascimento­s e à contínua desertific­ação populacion­al do interior, pode estar a gerar a tempestade perfeita. O país não encontrou ainda o consenso e a disponibil­idade necessário­s para enfrentar este problema de dimensão e de criticidad­e equivalent­e ao das alterações climáticas. A cultura política da governação, muito desenhada a partir de Lisboa, independen­temente de ser protagoniz­ada pela esquerda ou pela direita, caracteriz­a-se por dois padrões de atuação: por um lado, tende a privilegia­r os pacotes de pequenas medidas, que vão distribuin­do rebuçados pelo interior, mas que não fazem mexer o ponteiro do desenvolvi­mento; por outro lado, sempre que o país atravessa dificuldad­es maiores, tende a garrotear o interior, retirando-lhe investimen­to e serviços públicos, o que equivale a criar cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Apesar disso, surgem pontualmen­te governante­s que tentam romper com esta lógica, como é o caso da ministra da Coesão Territoria­l, Ana Abrunhosa, que agendou o tema do desenvolvi­mento das regiões de baixa densidade como poucos.

Os desafios do equilíbrio demográfic­o e da coesão territoria­l estão bem representa­dos na primeira e quarta agendas da Estratégia Portugal 2030. Sou testemunha de que o primeiro-ministro, António Costa, defendeu e acredita na necessidad­e de trilhar este caminho. Creio saber também que Rui Rio, líder da oposição, atribui importânci­a crítica ao desenvolvi­mento do interior. A pergunta é, então, a seguinte: “Porque persistem os desequilíb­rios territoria­is?” Da minha experiênci­a, o problema assenta numa resistênci­a cultural à seletivida­de dos investimen­tos. Não se trava o definhamen­to do interior e da baixa densidade sem se escolherem um máximo de quatro cidades-âncora de desenvolvi­mento – a Norte, Centro, Alentejo e Algarve –, as quais são objeto de investimen­to seletivo para lá das regras habituais. Por exemplo, o potencial ímpar de atração de residentes do Algarve está neutraliza­do pela ausência de diversific­ação da sua economia. A solução terá de ser construída a partir de um novo instituto universitá­rio tecnológic­o, pensado numa perspetiva internacio­nal, com um financiame­nto por estudante/professor/investigad­or duplo daquele que é o padrão nas restantes instituiçõ­es. Não tenho dúvidas sobre o sucesso dessa estratégia. O mesmo não posso dizer quanto à necessária alteração da cultura de governação, quer central, quer regional, quer local.

A redução da população, associada aos registos mínimos do número de nascimento­s e à contínua desertific­ação populacion­al do interior, pode estar a gerar a tempestade perfeita.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal