Cancro do pulmão: para onde caminha a ciência?
Hoje, 1 de agosto de 2021, assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que tem como objetivo alertar e sensibilizar para a importância desta doença.
A realidade não é animadora. Segundo a Organização Mundial de Saúde, morrem 1.76 milhões de pessoas por cancro do pulmão por ano e prevê-se a duplicação da taxa de mortalidade nos próximos 25 anos. É, portanto, um cancro com incidência elevada e crescente, gerador da maior mortalidade oncológica mundial. É do domínio comum que o tabagismo está diretamente relacionado com a doença, persiste como o principal fator de risco evitável, e cerca de 80% das pessoas com cancro do pulmão são fumadores ou ex-fumadores. No nosso país, por dia, é diagnosticado em 15 pessoas e 12 morrem devido ao cancro do pulmão.
Esta realidade pode e tem de ser melhorada nos próximos anos, com o esforço conjunto da comunidade científica, governos e população. Recentemente, motivada pela pandemia covid, tivemos uma clara prova de que a vontade, aliada à otimização de recursos – humanos, financeiros, científicos e tecnológicos – e à concertação internacional, é capaz de produzir resultados extraordinários. Nunca, em tão curto espaço de tempo, foi identificado o agente causador, estudados centenas de fármacos em ensaios clínicos, desenvolvidas vacinas eficazes e seguras, que estão a ser rapidamente administradas massivamente à escala mundial. Será que conseguimos fazer o mesmo esforço para o cancro?
Na última década foram dados passos importantes no saber, diagnóstico e tratamento do cancro do pulmão. Portanto, hoje as palavras são de esperança!
A luta contra o inimigo n.º 1, o tabaco, foi endurecida no mundo ocidental, apesar de a indústria tabaqueira se reinventar e procurar difundir novas formas de consumo, apelativas para uma geração tecnologicamente ávida.
Entretanto, avizinha-se uma era marcante: a da prevenção do cancro do pulmão. O rastreio do cancro da mama e do colón permite salvar vidas. Também a deteção precoce do cancro do pulmão está, gradualmente, a tornar-se uma realidade.Vários estudos científicos provaram que a realização anual de uma tomografia computorizada (TAC) de tórax, com baixa dose de radiação X, permite detetar pequenos nódulos pulmonares, correspondentes nalgumas situações a cancro do pulmão em fase inicial, possibilitando a redução da mortalidade pela doença. A vantagem na execução deste exame verifica-se para grupos de risco acrescido, ou seja, adultos entre os 50 e os 80 anos, fumadores ou ex-fumadores (há menos de 15 anos) com número elevado de cigarros consumidos ao longo dos anos.
Na Europa, apenas a Croácia iniciou um rastreio sistemático de toda a população em risco para cancro do pulmão. Noutros países, a deteção precoce dá os seus primeiros passos através dos sistemas de saúde ou grupos privados, sendo, nalguns casos, reembolsada pelo Estado ou por seguros. Existem ainda inúmeros locais em que as autoridades nacionais e as sociedades científicas se encontram a planear ou a implementar projetos-piloto nesta área – e a Comissão Europeia alocou recursos financeiros para este tipo de programas.
É importante esclarecer que os desafios de um programa nacional são inúmeros, existindo barreiras operacionais, financeiras, sociais e mesmo psicológicas. A título de exemplo, é fácil perceber que a capacidade de resposta de um país depende da percentagem de adultos fumadores na população geral, do número de aparelhos de TAC e médicos imagiologistas por milhão de habitantes, bem como da possibilidade em suportar economicamente o custo dos exames realizados.
Os avanços ocorreram também no âmbito do diagnóstico, encontrando-se em estudo a utilização de supercomputadores e algoritmos de inteligência artificial para facilitar e otimizar a análise dos exames de imagem. Outras novidades, que estão a ser averiguadas, são a eficácia da análise de marcadores de cancro no ar expirado ou no sangue, mas os resultados são ainda limitados e carecem de validação científica até poderem ser oferecidos a todos. Atualmente, na grande maioria das situações continua a ser necessária a colheita de células ou tecido do cancro para alcançar um resultado definitivo e fidedigno, embora as amostras requeridas sejam progressivamente mais pequenas e obtidas por métodos pouco invasivos.
Similarmente, o tratamento do cancro do pulmão sofreu uma revolução nos últimos anos. A cirurgia é progressivamente menos invasiva, por vezes com recurso a técnicas robóticas, e a radioterapia, através dos mais recentes equipamentos, é cada vez mais eficaz, possibilitando a cura sobretudo nas situações de um cancro do pulmão localizado e de pequenas dimensões. A investigação descobriu alterações específicas nas células cancerígenas que afetam uma importante percentagem de pessoas com cancro do pulmão e foram desenvolvidos medicamentos que são designados como “terapias-alvo” e que substituem ou complementam a tradicional quimioterapia. Estes permitem que os doentes com cancro do pulmão vivam mais anos e com melhor qualidade de vida, mesmo perante doença avançada. Outro desenvolvimento notável é a implementação de imunoterapia oncológica, que estimula o sistema imunitário do doente a reconhecer as células malignas e a combater o cancro. O tratamento personalizado é já uma realidade, mas antecipa-se, para um futuro próximo, a combinação de fármacos com ações diferentes que evitem de forma sustentada o aparecimento de novas células tumorais e a recorrência de doenças em pessoas com cancro do pulmão.
É assim óbvio que os tempos são de mudança no que concerne ao cancro do pulmão. A ciência, de forma consistente e célere, caminha para oferecer inovações no que respeita à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento desta doença. O resultado final pretendido será obter uma cura definitiva ou, se tal não for viável a curto prazo, tentar tornar a doença crónica, possibilitando uma longa sobrevivência e elevada qualidade de vida. Neste futuro está implicada a responsabilização de cada indivíduo. Ainda não é possível alterar o património genético herdado, mas pode-se seguramente contribuir para um ambiente e estilo de vida mais saudáveis, que não resolvem tudo, mas diminuem o risco de cancro do pulmão e possuem um efeito benéfico real na saúde de cada um de nós e das futuras gerações.
No Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que se assinala a 1 de agosto, é preciso dizer que a realidade não é animadora, mas acrescentar que as palavras devem ser de esperança: a luta contra o inimigo n.º 1, o tabaco, é cada vez mais dura, a ciência proporciona tratamentos inovadores e a deteção precoce pode salvar vidas.