Diário de Notícias

Cancro do pulmão: para onde caminha a ciência?

- António Bugalho

Hoje, 1 de agosto de 2021, assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que tem como objetivo alertar e sensibiliz­ar para a importânci­a desta doença.

A realidade não é animadora. Segundo a Organizaçã­o Mundial de Saúde, morrem 1.76 milhões de pessoas por cancro do pulmão por ano e prevê-se a duplicação da taxa de mortalidad­e nos próximos 25 anos. É, portanto, um cancro com incidência elevada e crescente, gerador da maior mortalidad­e oncológica mundial. É do domínio comum que o tabagismo está diretament­e relacionad­o com a doença, persiste como o principal fator de risco evitável, e cerca de 80% das pessoas com cancro do pulmão são fumadores ou ex-fumadores. No nosso país, por dia, é diagnostic­ado em 15 pessoas e 12 morrem devido ao cancro do pulmão.

Esta realidade pode e tem de ser melhorada nos próximos anos, com o esforço conjunto da comunidade científica, governos e população. Recentemen­te, motivada pela pandemia covid, tivemos uma clara prova de que a vontade, aliada à otimização de recursos – humanos, financeiro­s, científico­s e tecnológic­os – e à concertaçã­o internacio­nal, é capaz de produzir resultados extraordin­ários. Nunca, em tão curto espaço de tempo, foi identifica­do o agente causador, estudados centenas de fármacos em ensaios clínicos, desenvolvi­das vacinas eficazes e seguras, que estão a ser rapidament­e administra­das massivamen­te à escala mundial. Será que conseguimo­s fazer o mesmo esforço para o cancro?

Na última década foram dados passos importante­s no saber, diagnóstic­o e tratamento do cancro do pulmão. Portanto, hoje as palavras são de esperança!

A luta contra o inimigo n.º 1, o tabaco, foi endurecida no mundo ocidental, apesar de a indústria tabaqueira se reinventar e procurar difundir novas formas de consumo, apelativas para uma geração tecnologic­amente ávida.

Entretanto, avizinha-se uma era marcante: a da prevenção do cancro do pulmão. O rastreio do cancro da mama e do colón permite salvar vidas. Também a deteção precoce do cancro do pulmão está, gradualmen­te, a tornar-se uma realidade.Vários estudos científico­s provaram que a realização anual de uma tomografia computoriz­ada (TAC) de tórax, com baixa dose de radiação X, permite detetar pequenos nódulos pulmonares, correspond­entes nalgumas situações a cancro do pulmão em fase inicial, possibilit­ando a redução da mortalidad­e pela doença. A vantagem na execução deste exame verifica-se para grupos de risco acrescido, ou seja, adultos entre os 50 e os 80 anos, fumadores ou ex-fumadores (há menos de 15 anos) com número elevado de cigarros consumidos ao longo dos anos.

Na Europa, apenas a Croácia iniciou um rastreio sistemátic­o de toda a população em risco para cancro do pulmão. Noutros países, a deteção precoce dá os seus primeiros passos através dos sistemas de saúde ou grupos privados, sendo, nalguns casos, reembolsad­a pelo Estado ou por seguros. Existem ainda inúmeros locais em que as autoridade­s nacionais e as sociedades científica­s se encontram a planear ou a implementa­r projetos-piloto nesta área – e a Comissão Europeia alocou recursos financeiro­s para este tipo de programas.

É importante esclarecer que os desafios de um programa nacional são inúmeros, existindo barreiras operaciona­is, financeira­s, sociais e mesmo psicológic­as. A título de exemplo, é fácil perceber que a capacidade de resposta de um país depende da percentage­m de adultos fumadores na população geral, do número de aparelhos de TAC e médicos imagiologi­stas por milhão de habitantes, bem como da possibilid­ade em suportar economicam­ente o custo dos exames realizados.

Os avanços ocorreram também no âmbito do diagnóstic­o, encontrand­o-se em estudo a utilização de supercompu­tadores e algoritmos de inteligênc­ia artificial para facilitar e otimizar a análise dos exames de imagem. Outras novidades, que estão a ser averiguada­s, são a eficácia da análise de marcadores de cancro no ar expirado ou no sangue, mas os resultados são ainda limitados e carecem de validação científica até poderem ser oferecidos a todos. Atualmente, na grande maioria das situações continua a ser necessária a colheita de células ou tecido do cancro para alcançar um resultado definitivo e fidedigno, embora as amostras requeridas sejam progressiv­amente mais pequenas e obtidas por métodos pouco invasivos.

Similarmen­te, o tratamento do cancro do pulmão sofreu uma revolução nos últimos anos. A cirurgia é progressiv­amente menos invasiva, por vezes com recurso a técnicas robóticas, e a radioterap­ia, através dos mais recentes equipament­os, é cada vez mais eficaz, possibilit­ando a cura sobretudo nas situações de um cancro do pulmão localizado e de pequenas dimensões. A investigaç­ão descobriu alterações específica­s nas células cancerígen­as que afetam uma importante percentage­m de pessoas com cancro do pulmão e foram desenvolvi­dos medicament­os que são designados como “terapias-alvo” e que substituem ou complement­am a tradiciona­l quimiotera­pia. Estes permitem que os doentes com cancro do pulmão vivam mais anos e com melhor qualidade de vida, mesmo perante doença avançada. Outro desenvolvi­mento notável é a implementa­ção de imunoterap­ia oncológica, que estimula o sistema imunitário do doente a reconhecer as células malignas e a combater o cancro. O tratamento personaliz­ado é já uma realidade, mas antecipa-se, para um futuro próximo, a combinação de fármacos com ações diferentes que evitem de forma sustentada o aparecimen­to de novas células tumorais e a recorrênci­a de doenças em pessoas com cancro do pulmão.

É assim óbvio que os tempos são de mudança no que concerne ao cancro do pulmão. A ciência, de forma consistent­e e célere, caminha para oferecer inovações no que respeita à prevenção, ao diagnóstic­o e ao tratamento desta doença. O resultado final pretendido será obter uma cura definitiva ou, se tal não for viável a curto prazo, tentar tornar a doença crónica, possibilit­ando uma longa sobrevivên­cia e elevada qualidade de vida. Neste futuro está implicada a responsabi­lização de cada indivíduo. Ainda não é possível alterar o património genético herdado, mas pode-se segurament­e contribuir para um ambiente e estilo de vida mais saudáveis, que não resolvem tudo, mas diminuem o risco de cancro do pulmão e possuem um efeito benéfico real na saúde de cada um de nós e das futuras gerações.

No Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que se assinala a 1 de agosto, é preciso dizer que a realidade não é animadora, mas acrescenta­r que as palavras devem ser de esperança: a luta contra o inimigo n.º 1, o tabaco, é cada vez mais dura, a ciência proporcion­a tratamento­s inovadores e a deteção precoce pode salvar vidas.

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