Atualmente também os cartéis de droga estão envolvidos no negócio, traficando a bexiga natatória do peixe para o mercado asiático e financiando a compra destas redes, que podem custar três mil dólares.
caína do mar”. “A bexiga natatória do totoaba vale mais do que a cocaína, mais do que a marijuana, mais do que o ouro. Só as anfetaminas têm o mesmo valor. Com a desvantagem de que se fores apanhado com bexiga de totoaba não é considerado um delito maior. Neste caso nem sequer é delito. Pagas 20 mil pesos (cerca de 900 euros) de multa, o que é nada quando ganhas tanto dinheiro, e sais da prisão. Se te apanham com cocaína, podem matar-te ou levar-te para a cadeia”, acrescenta o biólogo, que já recebeu ameaças de morte de vários cartéis, incluindo o de Sinaloa, que em 2020 foi distinguido com o Inspiration Award, atribuído pela BBC a pessoas inspiradoras e desconhecidas que tentam melhorar o nosso planeta.
As autoridades nada fazem!
A vigilância das águas onde vive a vaquita e o totoaba é feita pela armada do México, que não é uma força policial. “Um almirante muito importante disse-me ‘se disparo contra um narcotraficante, a sociedade aplaude e todos ficam contentes. Se disparo contra um pescador, por mais ilegais que sejam a’”, conta-nos Rojas-Bracho. O que já aconteceu. Um pescador que foi funcionário da Procuradoria Federal da Proteção do Ambiente criou uma célula de pescadores de totoaba. As autoridades apanharam-nos em flagrante e, acidentalmente, foi disparada uma bala por um elemento da armada, que acertou no pé de um pescador. “Foi um escândalo!”, afirma o biólogo. “Uma senadora defendeu o pobre pescador, que não era um pobre pescador, era um tipo corrupto que já era corrupto enquanto funcionário do governo e por isso foi expulso. E apesar de tudo isto, quem teve problemas foi a armada”, e acrescenta. “Há tanto dinheiro que a corrupção é brutal. Segundo os pescadores, são pagos 500 pesos (cerca de 21 euros) diários aos funcionários que vigiam a pesca do camarão, mil pesos (cerca de 42 euros) diários quando é a temporada do totoaba. Saem cerca de 200 ‘pangas’ (embarcações de pesca), os vigilantes ganham 200 mil pesos (cerca de 9 mil euros) num dia.”
Como se percebe, este é um problema com uma forte dimensão social. Quando perguntamos a Lorenzo Rojas-Bracho se as pessoas foram envolvidas nos vários projetos de conservação, a resposta é assertiva. “O México e a América Latina em geral foram os países que começaram a aplicar as ciências sociais nas ciências da conservação. No Alto Golfo da Califórnia foi criada a Reserva da Biosfera, e isso foi feito com a comunidade. Realizaram-se reuniões, discutiu-se.” E acrescenta: “Desde que estou a trabalhar com as vaquitas que se fazem reuniões com as comunidades. Quando foi criada a área de refúgio, fizemos 23 reuniões, uma reunião por mês em dois anos. Auscultamos as comunidades. As quantias de dinheiro pagas aos pescadores para os compensar por não saírem para o mar foram muito mais elevadas que o preço para sair a pescar. Mas os pescadores não aceitaram mudar as suas artes de pesca para artes de pesca alternativas, e por isso o acordo nunca avançou.” Com a procura do totoaba a aumentar e a população de vaquitas a diminuir, o governo decide proibir a pesca. “Negociou-se com os pescadores, com os líderes pesqueiros, mas, como a corrupção grassa no nosso país, muitos destes líderes ficaram com o dinheiro, não o dividiram. Planeou-se mal”, admite Lorenzo Rojas-Bracho, que acrescentou que “o governo criou um mecanismo perverso cujo resultado é exatamente o contrário do que se pretende. Nós aconselhámos que se pagasse aos pescadores para serem vigilantes, para desenvolverem artes de pesca alternativas, alternativas socioeconómicas. O pior nesta vida é ter dinheiro e ócio ao mesmo tempo. O que fizeram com esse dinheiro? Compraram redes para pescar totoaba”.
A criação de totoaba em aquacultura poderia ser uma forma de resolver o problema. Em 2019 existiam 17 unidades no país, mas para Lorenzo Rojas-Bracho apenas se criou mais um problema. “Querem criar um mercado para exportar, mas se não se controla a pesca ilegal, não se pode arriscar que haja lavagem de dinheiro desta atividade ilegal, como aconteceu com muitas outras espécies selvagens. Isso já aconteceu com os elefantes, por exemplo”, explica o biólogo marinho.
Já se tentou capturar as vaquitas que restam com o objetivo de as reproduzir e devolver ao mundo selvagem, mas isso não resultou, pois alguns animais aguentam-se em cativeiro e outros não. “No caso da vaquita, sabíamos muito pouco”, confessa Lorenzo Rojas- Bracho, “fomos capturá-las, não como medida de conservação, mas numa tentativa de ganhar tempo para limparmos o golfo de redes e implementar redes alternativas para os pescadores”. E acrescenta: “As autoridades pesqueiras no México são muito primitivas, acreditam que a conservação se faz em formol. Ao não termos apoio destas autoridades, não se desenvolveram as redes alternativas. A vaquita sofre de cardiomiopatia quando capturada, o que leva à morte pouco depois, por isso a reprodução em cativeiro é impossível.”
Neste momento a única forma de salvar a vaquita e o totoaba é retirar as redes de pesca, tarefa que se tornou mais difícil a partir do momento em que o governo mexicano resolveu revogar a proibição de pesca na denominada área de refúgio da vaquita. Para Thomas Jefferson, perito em mamíferos marinhos, consultor científico da American Cetacean Society e diretor da organização Viva a Vaquita,
“o governo mexicano tenta mostrar esta decisão como positiva mas não o é. Já não fazem de conta que estão a proteger a espécie”. A Sea Shepherd, uma organização sem fins lucrativos que deslocou, nos últimos anos, várias embarcações para a região com o objetivo de retirar redes do mar e dissuadir a pesca ilegal, chegou até a protagonizar um documentário sobre o tema, produzido pelo ator Leonardo DiCaprio, já emitido no canal National Geographic, e afirma continuar comprometida com a proteção da vaquita, mas nada tem a dizer sobre esta decisão do governo mexicano.
Ainda há esperança?
“Nunca perdemos a esperança!”, afirma Lorenzo Rojas-Bracho, “não podemos deixar de fazer o que estamos a fazer, porque seria dar a vitória à corrupção, ao narcotráfico, ao crime organizado. Não podemos desistir. Os animais que avistamos são saudáveis e têm crias. Vemo-las! Elas estão aí! A população de elefantes-marinhos que temos no México diminuiu, estima-se que tenha chegado a apenas 30 animais, mas agora temos 130 mil. A vaquita tem muitos recursos. Se deixarmos de a matar, pode reproduzir-se e voltar a povoar o Alto Golfo. Geneticamente, está adaptada a uma população pequena. As vaquitas têm uma baixa variabilidade genética, mas cremos que também conseguirá sobreviver. Há outros exemplos de outras espécies que não tiveram problemas de endogamia. Vamos continuar a lutar até à última vaquita!”