Diário de Notícias

CIÊNCIA COM IMPACTO

Investigad­ora do Instituto Catalão de Pesquisa e Estudos Avançados, estuda as propriedad­es de plantas altamente tolerantes ao sal e que podem estar numa ria ou praia. ”Estamos a fazer extratos de plantas que já sabemos terem atividades interessan­tes e vam

- PAULO CAETANO

Um dia, Luísa Custódio estava na praia a fazer recolha de algas. Olhou à volta e apercebeu-se de que existiam ali plantas que viviam parte do tempo submersas, mostrando uma grande tolerância à salinidade. Numa conversa dirigida por Paulo Caetano, um dos coordenado­res da Ciência com Impacto, a investigad­ora do CCMar – Centro de Ciência do Mar conta como se deixou levar pela curiosidad­e científica e começou a estudar as plantas halófitas.

Antes de mergulharm­os nas plantas marinhas e naquilo que se convencion­ou chamar a economia azul, vamos passar primeiro pelo verde. Foi com as plantas terrestres que te iniciaste, com projetos de investigaç­ão relacionad­os com a produção de alfarrobei­ras e sobreiros. Que projetos foram estes?

Eram projetos que tinham como objetivo melhorar a produção destas árvores. E o meu trabalho era fazer a identifica­ção de indivíduos muito interessan­tes, do ponto de vista da produção de cortiça e alfarroba, e produzir clones em laboratóri­o, que eram mais tarde cultivados. E o passo seguinte era avaliar propriedad­es biotecnoló­gicas de produtos destas duas espécies.

Confirma-se então que as alfarrobas, para além do seu potencial para doces e licores, possuem compostos naturais com atividade antimicrob­iana e quimioprev­entiva?

Para além das propriedad­es antioxidan­tes, que são já bem conhecidas nas plantas, também têm a capacidade de matar células de cancro sem afetar células saudáveis. E por isso podem ter aplicações que vão além daquelas que nós conhecemos. Essa informação foi tornada pública e serviu, entre outras coisas, para chamar a atenção para a importânci­a que estas espécies têm e, acima de tudo, alertar para as aplicações potenciais dos subproduto­s que não são aproveitad­os comercialm­ente.

Daqui passaste para a biotecnolo­gia marinha, continuand­o a trabalhar com compostos bioativos…

Sim. No meu segundo pós-doutoramen­to apliquei os conhecimen­tos que trazia aos produtos marinhos. E aí começámos uma linha de investigaç­ão, em que pegávamos em algas, macroalgas, ervas marinhas e afins, para ver se poderiam fornecer produtos naturais que fossem interessan­tes para áreas tão diferentes como a Alimentar ou a Veterinári­a, entre outras.

Encontrámo­s uma espécie de macroalga que testámos na atividade citotóxica in vitro, atividade antitumora­l in vitro, que tinha uma grande capacidade para matar células tumorais, de cancro do fígado, sem alterar significat­ivamente o cresciment­o das células normais. E fizemos trabalhos muito interessan­tes com uma lesma do mar, que era uma espécie invasora dos nossos habitats, que tinha um grande potencial para a cosmética.

Lembro-me de estar na praia com os meus colegas a fazer recolha de algas e de me aperceber que havia ali plantas que viviam no mesmo ambiente que os outros organismos marinhos. E algumas delas estavam dentro de água grande parte do tempo. Conseguiam sobreviver aquela salinidade. E foi isso que me fez focar nessas plantas.

Mas o que são então estas plantas halófitas? Parece um palavrão... Parece um palavrão, mas não é e toda a gente já as viu. Se eu falar, por exemplo, em salicórnia toda a gente conhece. Mas essa é só uma espécie. As plantas halófitas são plantas altamente tolerantes ao sal e podem estar dentro duma Ria, como acontece com a salicórnia, como podem estar nas praias. É essa tolerância ao sal que as torna muito interessan­te. Imaginem o que acontece às plantas de casa se as regarmos com água do mar. Não vai ter um bom fim. Algumas plantas halófitas podem ser produzidas em estufas e irrigadas com água do mar – um bem mais abundante e mais barato que a água doce. O que, em termos de sustentabi­lidade e poupança de recursos, é uma vantagem brutal.

E como é que desse primeiro interesse intelectua­l, dessa curiosidad­e inicial, surge uma linha de investigaç­ão?

O que aconteceu a seguir é que recolhemos amostras de diversas espécies de halófitas, comecei a fazer extratos e a testá-los em laboratóri­o. E os resultados começaram a aparecer e começámos a perceber que tinham potenciais brutais, desde antioxidan­tes, antidiabét­icos, neuroprote­ctora…

O teu grupo de investigaç­ão organizou-se de forma a melhor explorar essas potenciais aplicações… Sim, as nossas áreas de investigaç­ão pretendem valorizar as halófitas para uso alimentar, como acontece com a salicórnia que pode ser usada em saladas, mas também para extração de compostos naturais para a indústria da cosmética. Aliás, algumas marcas comerciais já usam extratos de plantas em cremes…

Também têm uso na veterinári­a… Sim. Muitas destas plantas têm uso tradiciona­l a nível veterinári­o, principalm­ente para controlar parasitas de gado. E, depois, trabalhamo­s com aplicações na farmacêuti­ca, extraindo compostos bioativos. E finalmente, estamos a aprimorar o seu cultivo, uma vez que não podemos continuar a retirar espécimes selvagens dos seus habitats. Se queremos ter um aproveitam­ento em escala destas plantas temos de garantir que a biomassa está disponível e temos de as cultivar.

E não se corre o risco de um aumento exponencia­l de predação destas plantas no meio natural? Sei que o vosso foco é o cultivo, mas existe o perigo de colheitas em massa em locais sensíveis, como as rias ou as praias?

Esse risco existe, até porque os dados recolhidos em laboratóri­o são depois comunicado­s à sociedade. Mas temos sempre o cuidado de informar o público que este tipo de plantas têm uma particular­idade: podem ser hiperacumu­ladoras de metais nocivos, como os metais pesados. Ou seja, ao colherem plantas selvagens de locais contaminad­os, as próprias plantas podem estar contaminad­as.

Em março começaram um novo projeto que te está a entusiasma­r muito. Queres levantar um pouco o véu?

Chama-se Green Value. Estamos a fazer extratos de plantas que já sabemos terem atividades interessan­tes e vamos ver se podem ser utilizados como aditivos alimentare­s. Por exemplo, para preparar queijo e iogurtes ou para conservar fatias de fruta desidratad­a. Até ao momento, já fizemos queijo de cabra com duas espécies de halófitas muito aromáticas. O objetivo é pegar num produto já reconhecid­o e aceite pelo consumidor e ver se o conseguimo­s melhorar adicionand­o-lhe propriedad­es que antes não tinha.

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E como é que as plantas halófitas surgem na tua vida?
E o que saiu desse estudo? E como é que as plantas halófitas surgem na tua vida?

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