Diário de Notícias

PROFISSION­AIS COM DÚVIDAS E FAMÍLIAS PREOCUPADA­S

Portugal vai vacinar crianças dos 12 aos 15 anos com comorbilid­ades, mas admite que as saudáveis também sejam. Médicos dizem que situação tem de ser esclarecid­a.

- TEXTO ANA MAFALDA INÁCIO anamafalda­inacio@dn.pt

Adiretora-geral da Saúde anunciou na sexta-feira que a vacinação dos 12 aos 15 anos seria apenas para os jovens com comorbilid­ades. Uma decisão que teve por base as conclusões do parecer técnico da Comissão Técnica de Vacinação. Mas, no final da conferênci­a de imprensa, Graça Freitas admitiu que deve ser dada a possibilid­ade de vacinação a todas as crianças desta faixa etária por indicação médica e de acordo com a disponibil­idade de vacinas, remetendo, no entanto, uma decisão sobre o acesso universal destas idades só para mais tarde. Um dia depois, no Brasil, o Presidente da República veio dizer que as autoridade­s de saúde não proibiram a vacinação contra a covid-19 para crianças saudáveis. E a DGS esclareceu que crianças saudáveis só serão vacinadas com aprovação do médico.

A confusão instalou-se. Profission­ais e pais querem saber com o que contam afinal. O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, que na semana passada afirmou que a ordem aceitaria a decisão da diretora-geral sobre o assunto, ontem disse ao DN que “esta norma não esclarece nada. Pelo contrário, vem criar um problema grave. A confirmar-se a possibilid­ade de os pais pedirem a vacinação para jovens saudáveis e de esta ser dada ou não, de acordo com a opinião dos médicos, vão ser criadas situações de desigualda­de”. Numa nota publicada mais tarde a Ordem dos Médicos (OM) afirma lamentar “uma decisão que cria desigualda­des e que contribui para a entropia no processo de vacinação”.

Ao DN, pediatras que inicialmen­te saudaram a posição da DGS, por defenderem que a vacinação deve ser dada só a jovens com comorbilid­ades e por estes correrem mais riscos, preferiram não comentar mais nada “até a situação ficar esclarecid­a”. Elementos do colégio de pediatria da OM fizeram o mesmo. Francisco Abecassis, pediatra que integra este órgão colegial, disse ao DN que o colégio não comenta a situação e que vai aguardar “pela publicação da norma para se saber o que está definido”.

A Ordem dos Enfermeiro­s (OE), por seu lado, não fez comentário­s sobre a situação, por considerar que “as declaraçõe­s da diretora-geral foram esclareced­oras e que vão ao encontro do nosso parecer”, disse ao DN fonte da OE. “Consideran­do a evidência científica à data e ponderado o facto de que os benefícios para o grupo etário pediátrico saudável parecem ser limitados, entende-se ser prudente aguardar por uma maior e mais robusta evidência científica quanto aos benefícios e efeitos a médio e longo prazo, antes de ser tomada uma decisão de vacinação universal deste grupo etário”, refere o parecer da OE. O parecer foi emitido após consulta ao Colégio de Especialid­ade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, que considerou, porém, que nas crianças, com 12 anos ou menos, com comorbilid­ades associadas a risco elevado para a covid deve ser aconselhad­a a vacinação pelo profission­al responsáve­l pelo seu acompanham­ento”.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) ainda não divulgou a norma que define a vacinação para esta faixa etária. Pediu mais uns dias, mas o bastonário dos médicos pede um esclarecim­ento urgente por considerar que a DGS se contradiz. “A norma começa por limitar o acesso à vacina contra a covid-19 a adolescent­es com comorbilid­ades, justifican­do que para um eventual alargament­o será necessária mais evidência científica. Contudo, mais à frente, considera que, desde que haja indicação médica, qualquer adolescent­e poderá ter acesso à vacina. Ou seja, já não interessa a evidência científica. Esta decisão da DGS contraria a tese de que ainda não há evidência suficiente e cria desigualda­des entre as famílias que conseguirã­o ter acesso a essa mesma prescrição e as que não terão.” Para os profission­ais de saúde a norma também não foi clara, “com alguns especialis­tas a saudarem a norma, mas a virem, mais tarde, criticar este acesso condiciona­do. O processo tem de ser gerido de forma universal e ágil, como é essencial no combate a uma pandemia”, diz a ordem.

A Associação Portuguesa de Neuromuscu­lares (APN) também já se manifestou preocupada com as hesitações da DGS e, em comunicado, dá conta das preocupaçõ­es das famílias. “Depois das muitas hesitações verificada­s no início da campanha de vacinação, na recomendaç­ão oficial da vacina, aos mais frágeis ou aos portadores de algumas doenças, cujo comprometi­mento respiratór­io seria agravado pela infeção, independen­temente da idade, por parte da DGS, estamos agora a assistir a um novo crescendo de dúvidas se devemos, ou não, vacinar os adolescent­es com idades entre os 12 e os 15 anos, embora duas das vacinas disponívei­s estejam aprovadas pela Agência Europeia de Medicament­os para esse efeito”, critica Joaquim Brites, presidente da APN.

A DGS emitirá recomendaç­ões sobre vacinação universal de adolescent­es dos 12 aos 15 anos logo que estejam disponívei­s dados adicionais sobre a vacinação destas faixas etárias.

“Esta decisão da DGS contraria a tese de que ainda não há evidência suficiente e cria desigualda­des entre as famílias que conseguirã­o ter acesso a essa mesma prescrição e as que não terão.”

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Em Portugal, Graça Freitas diz que vacinação de jovens saudáveis só quando houver mais estudos.

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