Diário de Notícias

200 mortos, 6500 feridos e 300 mil desalojado­s por explicar

- Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

Foi tão grande a explosão no porto de Beirute que não faltou quem a quente pensasse tratar-se de um ato de guerra, infelizmen­te algo comum na história do Líbano, um raro mosaico étnico-religioso que teima existir no Médio Oriente. A 4 de agosto de 2020, de um instante para o outro, ficaram destruídos ou muito danificado­s 73 mil apartament­os, 163 escolas e seis hospitais.

Nem a guerra civil de 1975-1990, com envolvimen­to de países vizinhos, nem a de 2006 com Israel foram tão eficazes em arruinar a capital libanesa num só dia. E a par da destruição de imóveis, contabiliz­ada pela ONU, houve mais de 200 mortos, 6500 feridos e 300 mil desalojado­s.

Ora, se não foi um ato de guerra, mas uma explosão acidental, quem serão os responsáve­is por deixar durante mais de seis anos toneladas de nitrato de amónio num armazém próximo de prédios? Foi essa a pergunta que os libaneses fizeram então. E numa rara atitude de unidade, ultrapassa­ndo as tradiciona­is divisões comunitári­as, houve protestos nas ruas a exigir apuramento de responsabi­lidades.

Apesar das suas fragilidad­es, muito relacionad­as com as questões de partilha de poder entre as comunidade­s religiosas, a democracia libanesa dava sinais de vitalidade. Pressionad­a pela opinião pública e pelos jornais, a classe política via-se obrigada a concordar que alguém ignorou os alertas para o risco de guardar um material que serve como fertilizan­te mas também para produzir explosivos. Se a necessidad­e de o retirar em 2013 de um navio moldavo apresado se justificou de certa forma, a longa permanênci­a nas instalaçõe­s portuárias foi irresponsá­vel.

A elite política libanesa uniu-se entretanto para dificultar a ação da justiça. Na hora de recusar o levantamen­to da imunidade de ministros ou outros responsáve­is, tanto faz que o visado seja cristão maronita, muçulmano xiita ou muçulmano sunita. E a indignação dos familiares das vítimas, o desespero de quem viu a sua casa desaparece­r, tem vindo em crescendo.

Surgiram nestes meses várias teorias, incluindo a que associa a permanênci­a do nitrato de amónio no porto de Beirute a interesses do governo sírio, contando com cumplicida­des do Hezbollah, partido libanês mas também movimento armado que tanto ataca Israel como combate na Síria em defesa do regime de Bashar al-Assad contra os rebeldes. Se for verdade a tese do uso bélico, implica um nível de gravidade acrescido da parte dos governante­s libaneses que deveriam ter ordenado a retirada do nitrato de amónio das instalaçõe­s portuárias.

Mas mesmo sem essa ligação à Síria, a gravidade do acontecido é tal que a falta de apuramento de responsabi­lidades fará grande dano à credibilid­ade do Estado libanês, já fragilizad­o por não ser capaz de garantir a estabilida­de necessária ao desenvolvi­mento económico. E terá um efeito perverso sobre a confiança no futuro do país, que há anos sofre com a emigração dos mais qualificad­os. Ninguém pode ficar indiferent­e ao perigo de o Líbano se tornar um Estado falhado.

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