Diário de Notícias

Rio e os dias perdidos

- Pedro Cruz

Aengenhari­a, o tempo e a paciência conseguem domar, controlar, atenuar, desviar ou modificar o curso de um rio. Mas quando é o próprio curso do rio a querer lutar contra o homem, por regra, não há engenho, dinheiro ou teimosia que o consigam contrariar.

Rio, Rui, declarou nesta sexta-feira que vai “mudar de estratégia” perante o PS.

Cansado de “esperar” por respostas dos socialista­s, para as propostas que fez para “reformar” o Estado, Rio, Rui, chega à conclusão, quatro anos depois, de que não vale a pena “esperar mais” e que, portanto, a partir de agora, assumida a mudança de curso, vai apresentar os documentos que tem prontos e esperar pelas votações.

O tiro de partida para a mudança é dado no mês em que o parlamento vai a banhos, a menos de dois meses de autárquica­s e a menos de três meses da discussão do Orçamento do Estado.

Não havia melhor altura para anunciar, finalmente, que o PSD vai começar a fazer oposição? Havia, decerto, mas não seria a mesma coisa.

Rio esperou tempo de mais, foi demasiado confiante e paciente com o PS, acreditou que seria possível um entendimen­to com o seu antigo amigo António Costa – quando, juntos, um em Lisboa e outro no Porto, enquanto autarcas, defenderam uma série de reformas, sobretudo administra­tivas e de transferên­cias de competênci­as do governo para as autarquias – e fez de conta que não ouviu, alto e bom som, por mais do que uma vez, o PS dizer-lhe na cara que “com o PSD” nunca; ou quando Costa, também numa entrevista, anunciou que se precisasse dos votos do PSD preferia ir de novo a eleições e deixar cair o governo.

Rio ouviu, mas não escutou, para não se desviar do curso que ele próprio traçou para os seus mandatos à frente do PSD. E fez quase tudo mal. Tentou livrar-se da herança de Passos Coelho, renegando muito do que o seu antecessor fizera enquanto governante; quis “puxar” o PSD para o terreno a que ele chama de “centro”, quando, na verdade, bastava ter proclamado os princípios-base da social-democracia à portuguesa: o PSD é um partido, segundo o seu fundador, “humanista, reformista e social-democrata”. Era isto, e tão-só isto.

Ao tentar “distorcer” a matriz para se afastar de Passos e pescar votos no “centrão”, Rio ficou isolado à esquerda – o PS, já se sabe, não conta com ele – e perdeu votos à direita, levando muitos dos eleitores (e muitos, também militantes), a procurar abrigo noutros partidos da direita, que já não se reviam num PSD de “centro-esquerda”, sempre à espera do PS, sem descolar nas sondagens (as mesmas em que Rio não acredita) e incapaz de se afirmar como alternativ­a, mas sempre pronto para ser “parceiro” de Costa na transforma­ção do “regime”.

Rio parece não conhecer muito bem o partido que lidera.

(É bom lembrar que Rio foi secretário-geral do PSD na era de Marcelo Rebelo de Sousa e que acabaria por sair à custa da chamada “refiliação”, um processo em que Rio, e bem, queria rever os cadernos eleitorais e a filiação de militantes, altamente inflaciona­da e distorcida, mas que, se tivesse sido concretiza­da, faria do PSD um partido administra­tivamente bem mais pequeno. Já na década de 1990, Rio não percebeu que não se pode ir contra o partido.)

Tal como Cavaco, Rio não tem vocação nem paciência para as “miudezas” do aparelho, para apaparicar distritais e concelhias, para discutir listas, lugares e tachos. Claro que isso joga a favor dele enquanto homem reto que é, mas não o beneficia enquanto líder da oposição na luta política e partidária do dia-a-dia. Para isso, precisa de um partido oleado e mobilizado, disposto a ir à luta, e para isso é preciso dar atenção e ouvidos ao “aparelho”. Sem aparelho não se ganham eleições, por melhores que sejam as propostas, as ideias ou os programas.

Esta é, portanto, a pior altura para “mudar de estratégia”. Aquilo que Rio espera ser o novo fôlego da sua liderança, que lhe daria força e palco para as diretas de fevereiro, vai diluir-se nas férias parlamenta­res, em agosto, na campanha (e no resultado) das autárquica­s, em setembro, na “libertação” da sociedade, em outubro, na discussão do Orçamento, em novembro. Pelo caminho, ainda há uma pandemia para gerir e os portuguese­s mais preocupado­s com a saúde, o emprego e a economia. Mas Rio vai falar da revisão constituci­onal (urgente e necessária, mas não neste timing) e na redução do número de deputados (também necessária, mas sempre “dolorosa” para os partidos) e não urgente.

Chegará, enfim, janeiro. E Rio terá já menos dias, porque perdeu muitos, demasiados, à espera de algo que nunca viria a acontecer.

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