Rio e os dias perdidos
Aengenharia, o tempo e a paciência conseguem domar, controlar, atenuar, desviar ou modificar o curso de um rio. Mas quando é o próprio curso do rio a querer lutar contra o homem, por regra, não há engenho, dinheiro ou teimosia que o consigam contrariar.
Rio, Rui, declarou nesta sexta-feira que vai “mudar de estratégia” perante o PS.
Cansado de “esperar” por respostas dos socialistas, para as propostas que fez para “reformar” o Estado, Rio, Rui, chega à conclusão, quatro anos depois, de que não vale a pena “esperar mais” e que, portanto, a partir de agora, assumida a mudança de curso, vai apresentar os documentos que tem prontos e esperar pelas votações.
O tiro de partida para a mudança é dado no mês em que o parlamento vai a banhos, a menos de dois meses de autárquicas e a menos de três meses da discussão do Orçamento do Estado.
Não havia melhor altura para anunciar, finalmente, que o PSD vai começar a fazer oposição? Havia, decerto, mas não seria a mesma coisa.
Rio esperou tempo de mais, foi demasiado confiante e paciente com o PS, acreditou que seria possível um entendimento com o seu antigo amigo António Costa – quando, juntos, um em Lisboa e outro no Porto, enquanto autarcas, defenderam uma série de reformas, sobretudo administrativas e de transferências de competências do governo para as autarquias – e fez de conta que não ouviu, alto e bom som, por mais do que uma vez, o PS dizer-lhe na cara que “com o PSD” nunca; ou quando Costa, também numa entrevista, anunciou que se precisasse dos votos do PSD preferia ir de novo a eleições e deixar cair o governo.
Rio ouviu, mas não escutou, para não se desviar do curso que ele próprio traçou para os seus mandatos à frente do PSD. E fez quase tudo mal. Tentou livrar-se da herança de Passos Coelho, renegando muito do que o seu antecessor fizera enquanto governante; quis “puxar” o PSD para o terreno a que ele chama de “centro”, quando, na verdade, bastava ter proclamado os princípios-base da social-democracia à portuguesa: o PSD é um partido, segundo o seu fundador, “humanista, reformista e social-democrata”. Era isto, e tão-só isto.
Ao tentar “distorcer” a matriz para se afastar de Passos e pescar votos no “centrão”, Rio ficou isolado à esquerda – o PS, já se sabe, não conta com ele – e perdeu votos à direita, levando muitos dos eleitores (e muitos, também militantes), a procurar abrigo noutros partidos da direita, que já não se reviam num PSD de “centro-esquerda”, sempre à espera do PS, sem descolar nas sondagens (as mesmas em que Rio não acredita) e incapaz de se afirmar como alternativa, mas sempre pronto para ser “parceiro” de Costa na transformação do “regime”.
Rio parece não conhecer muito bem o partido que lidera.
(É bom lembrar que Rio foi secretário-geral do PSD na era de Marcelo Rebelo de Sousa e que acabaria por sair à custa da chamada “refiliação”, um processo em que Rio, e bem, queria rever os cadernos eleitorais e a filiação de militantes, altamente inflacionada e distorcida, mas que, se tivesse sido concretizada, faria do PSD um partido administrativamente bem mais pequeno. Já na década de 1990, Rio não percebeu que não se pode ir contra o partido.)
Tal como Cavaco, Rio não tem vocação nem paciência para as “miudezas” do aparelho, para apaparicar distritais e concelhias, para discutir listas, lugares e tachos. Claro que isso joga a favor dele enquanto homem reto que é, mas não o beneficia enquanto líder da oposição na luta política e partidária do dia-a-dia. Para isso, precisa de um partido oleado e mobilizado, disposto a ir à luta, e para isso é preciso dar atenção e ouvidos ao “aparelho”. Sem aparelho não se ganham eleições, por melhores que sejam as propostas, as ideias ou os programas.
Esta é, portanto, a pior altura para “mudar de estratégia”. Aquilo que Rio espera ser o novo fôlego da sua liderança, que lhe daria força e palco para as diretas de fevereiro, vai diluir-se nas férias parlamentares, em agosto, na campanha (e no resultado) das autárquicas, em setembro, na “libertação” da sociedade, em outubro, na discussão do Orçamento, em novembro. Pelo caminho, ainda há uma pandemia para gerir e os portugueses mais preocupados com a saúde, o emprego e a economia. Mas Rio vai falar da revisão constitucional (urgente e necessária, mas não neste timing) e na redução do número de deputados (também necessária, mas sempre “dolorosa” para os partidos) e não urgente.
Chegará, enfim, janeiro. E Rio terá já menos dias, porque perdeu muitos, demasiados, à espera de algo que nunca viria a acontecer.