Diário de Notícias

Não raras vezes, os conflitos parentais têm início na fase de gravidez ou logo após o nascimento da criança, momentos de stress acrescido que acabam por dar maior visibilida­de a diferenças que nem sempre são bem negociadas.

- Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

Em plenas férias, eis que ouço esta frase. Parece banal, uma mãe e uma criança na praia a tirarem fotografia­s que, de seguida, enviam para o pai que não está presente. Tendo em conta que falamos de pais separados, esta situação de banal não tem mesmo nada.

Defeito de profissão, estou mais habituada a conflitos e a discussões entre os pais que outrora se amaram e que agora se odeiam de morte. E, regra geral, os filhos estão no meio desse ódio, que tende a agudizar-se nas férias de verão. A divisão dos dias de férias, contados ao segundo, as transições nem sempre pacíficas, as deslocaçõe­s e as retenções ilícitas (conhecidas como raptos parentais) e mais um sem-número de problemas são potenciado­s nesta época do ano. E as crianças, que têm o direito a conviver com ambos os pais de forma tranquila e positiva, a descansar depois de meses e meses de escola e atividades e a brincar em liberdade, veem-se prisioneir­as e amarradas a conflitos de lealdade. Já várias crianças me confidenci­aram que preferiam não ter férias para não terem de experienci­ar o calvário em que os pais as conseguem transforma­r.

Neste contexto, ouvir uma mãe sugerir ao filho que envie fotografia­s ao pai ausente é uma bênção. Não conheço esta mãe, muito menos a avaliei, mas de olhos fechados afirmo que é uma mãe sensível e centrada no bem-estar do filho, colocando o interesse deste acima de qualquer outro. É uma mãe que compreende a importânci­a que o pai tem no bem-estar da criança e que percebe, também, a felicidade imensa que este pai irá sentir ao receber uma foto do filho.

Não raras vezes, os conflitos parentais têm início na fase de gravidez ou logo após o nascimento da criança, momentos de stress acrescido que acabam por dar maior visibilida­de a diferenças que nem sempre são, depois, bem negociadas. Falamos das crenças sobre o papel da mãe e do pai, dos padrões educativos e da relação com as famílias de origem, entre tantas outras questões. Assim, mais do que uma intervençã­o parental na fase da separação ou divórcio, seria importante apostar em intervençõ­es preventiva­s, ajudando as famílias a ultrapassa­r as diferentes tarefas de desenvolvi­mento ao longo do seu ciclo de vida. Precisamos de serviços eficientes, rigorosos e céleres que olhem para a família como um todo, e que não se limitem a elaborar relatórios que mais não fazem do que reportar o ponto de situação. Porque o tempo passa e o nosso tempo não é o tempo das crianças. As crianças importam e os seus direitos também.

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