TÓQUIO 2020
SALTO DE PICHARDO DÁ QUINTO OURO OLÍMPICO DA HISTÓRIA E RECORDE DE MEDALHAS A PORTUGAL
17,98 metros! Foi com esta marca, recorde nacional e melhor marca mundial do ano, que Pedro Pablo Pichardo, 28 anos, deu ontem de madrugada a Portugal a quinta medalha de ouro em Jogos Olímpicos, arrasando a concorrência. Sem grandes euforias, pegou na bandeira portuguesa e colocou-a nas costas, para as fotografias, e nem sequer deu a habitual volta olímpica ao estádio. Só horas mais tarde subiu ao pódio e recebeu a medalha ao som de A Portuguesa. Foi o primeiro ouro português nos últimos 13 anos, depois de em Tóquio 2020 Nelson Évora ter conquistado o metal mais preciso. Antes deles só Carlos Lopes (1984), Rosa Mota (1988), Fernanda Ribeiro (1996). Todos no atletismo.
O ouro de Pichardo significou também a melhor participação olímpica de sempre de Portugal, com quatro medalhas já conquistas em Tóquio 2020, depois dos bronzes de Jorge Fonseca (judo) e Fernando Pimenta (canoagem), e da prata de Patrícia Mamona (triplo salto). Até aqui as melhores prestações tinham sido três metais em Los Angeles 1984 e Atenas 2004.
Mas na hora da consagração, Pichardo admitiu que ambicionava mais (um recorde mundial ou olímpico) e apontou já baterias para os Jogos de Paris dentro de três anos: “Quero fazer história. O recorde já tem muitos anos e ainda ninguém conseguiu batê-lo.
Agradecer a Portugal
O luso-cubano que se naturalizou português em 2017 nunca tinha falado tanto para tanta audiência. É tímido e reservado, e raramente dá entrevistas. Mas, ontem, o contexto obrigou a que tivesse de se expor. Sempre com um ar sereno, falou do feito que tinha acabado de alcançar, da fuga de Cuba, lembrou a avó, de quem se lembra sempre que salta, e abordou a polémica com Nelson Évora. E admitiu que nem sempre se sentiu bem recebido pelos portugueses. Uma situação que muito provavelmente se vai alterar, agora que deu uma medalha de ouro a Portugal.
“Estou há quatro anos a trabalhar para dar medalhas a Portugal. Ouvir que um português não é feliz porque um estrangeiro chega ao país e se sente feliz por representá-lo... é complicado. Moro em Portugal, a minha filha nasceu cá, vou continuar e não vou voltar [a Cuba]. Mesmo assim, há portugueses que não se sentem felizes que um atleta como eu more lá. É um bocado ingrato”, desabafou.
Depois tocou num ponto sensível – a má relação com Nelson Évora, que ontem até fez questão de o felicitar através de uma mensagem no Instagram.
Admitiu que a polémica com o atleta português, que questionou a sua naturalização, lhe trouxe ofensas e “faltas de respeito”, além de insultos e mentiras, também pela “confusão gerada no Sporting e no Benfica” na altura em que chegou a Portugal. “Não tenho falado mal do
“Este ouro tem um significado muito grande, pois é a única forma que tenho de agradecer ao país que me apoiou. Agradecer com medalhas e bons resultados.” Pedro Pichardo Campeão olímpico
Nelson (...) Não falo mal do Nelson, não quero levar o assunto para problemas pessoais. Há anos que fala de mim e não respondo. Já ganhou tudo, porque não me deixa a mim fazer a minha carreira?”, atirou. Mais tarde, após receber o ouro, voltou ao tema: “Nunca foi meu amigo. Ele diz que ganhou tudo... nunca saltou 18 metros nem venceu uma Liga Diamante.”
Polémicas e ressentimentos à parte, deixou depois uma palavra a Portugal, o país que o acolheu quando decidiu fugir de Cuba. “Este ouro tem um significado muito grande, pois é a única forma que tenho de agradecer ao país que me apoiou. Agradecer com medalhas e bons resultados. Este título já estava planeado há muito tempo que iria para Portugal, não para Cuba. São coisas da vida”, fez questão de frisar.
Sobre a prova, admitiu que esperava mais dele... e da concorrência: “Toda a gente acha que é fácil, mas dá trabalho. O salto não correu como estava à espera. Esperava mais e bater algum recorde, olímpico ou mundial. Esperava também que os meus adversários fizessem melhor. Entre eles, fizeram, mas esqueceram-se de mim. Deixaram-me lá em cima sozinho. Esperava mais pelo menos do Zango ou do Will Claye. Não aconteceu, ainda melhor”.
Agora, disse, ainda tem Paris 2024 “para ficar no livro dos recordes”, lembrando que é um atleta “muto exigente” e que não conseguiu uma melhor marca na madrugada de ontem um pouco também devido a uma ferida no tornozelo direito, que o “incomodou”. “Sou muito exigente e gosto de fazer grandes marcas. Não gosto de ser campeão olímpico com 17,60. Quero ser campeão olímpico e fazer grandes marcas”, declarou.
De Cuba a Portugal
Gosta do sol do Algarve por lhe lembrar a terra onde nasceu, Santiago de Cuba, onde brincava na rua com os amigos, a jogar beisebol, futebol, às caricas... até que um dia a irmã Rosalena, que cuidava dele, o começou a levar ao treinos de atletismo. “Aos 6 anos comecei por brincadeira e aos 7 passei a treinar corrida mais a sério. Só começo a fazer triplo salto com 14 em Santiago. Aos 18 fui para Havana”, contou em entrevista ao DN, onde explicou que fugiu do país de origem por considerar que o regime cubano não lhe permitiria ir mais longe. E ele queria voar alto e mantém o objetivo de bater o recorde do mundo de Jonathan Edwards, 18.29 metros (1995).
Focado e determinado, desertou em abril de 2017 durante um estágio da seleção cubana em Estugarda (Alemanha). Não era o primeiro nem foi o último a fazê-lo, mas sendo uma das maiores promessas do atletismo cubano e do triplo salto mundial (era vice-campeão mundial e um dos cinco triplistas que já tinham voado para lá de 18 metros) gerou um sururu mundial digno da sua dimensão como atleta. Ficou “em parte incerta” – sabia que ficaria impedido de representar o país e regressar à ilha durante oito anos – até chegar a Lisboa.
Diz que nasceu para o lugar mais alto do pódio e o Benfica deu-lhe liberdade para o fazer. Chegou à Luz depois de Nelson Évora provocar um verdadeiro terramoto no atletismo nacional ao trocar o Benfica pelo Sporting. Estava para ir para o Barcelona, mas os encarnados conseguiram desviá-lo. Deram-lhe todas as condições para competir, incluindo ser treinado pelo pai. Uma exigência que já tinha feito à Federação Cubana de Atletismo em 2014 e que lhe valeu uma recusa e uma suspensão de seis meses. Isso não abalou a ascensão.
Estava destinado a altos voos e em 2015 subiu ao pódio nos Mundiais de Pequim, lado a lado com Nelson Évora (bronze) e Christian Taylor (ouro). Aguardava-se com alguma expectativa pela presença nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Mas uma lesão estragou-lhe os planos e impediu-o de participar.
É reservado e grato! Talvez em demasia, o que lhe vale alguns comentários sobre arrogância ou falta de humildade. Competir na mesma disciplina que Nelson Évora também não ajudou à sua integração pela forma como a sua naturalização foi tratada.
O processo recorde demorou apenas alguns meses ao abrigo de um inicial estatuto de refugiado, mas Pichardo ainda teve de esperar quase ano e meio para competir por Portugal. As regras da World Athletics preveem um período de três anos sem competir internacionalmente para os naturalizados. Mas há exceções e o Benfica chegou a atacar a Federação de Atletismo por não lutar pela rápida integração do luso-cubano nas provas internacionais – falhou os Mundiais Indoor de Birmingham e os Europeus de Berlim e de Glasgow –, dando a entender que estaria ligado à polémica com Nelson Évora, que considerou a naturalização de Pichardo “um ataque pessoal”.
O cubano estreou-se com as cores portuguesas em agosto de 2019 com uma vitória no Europeu de Nações de atletismo, em Sandnes, na Noruega, ao saltar 16.98. Desiludiu nos Mundiais ao ar livre de 2019 com um quarto lugar, mas vingou-se nos europeu de 2021 com uma supremacia tal que qualquer um dos saltos lhe daria o ouro.
Agora alcançou o seu grande objetivo, o ouro olímpico. Mas quer mais e já aponta a Paris 2024, onde quer quebrar o recorde do mundo que dura há 26 anos.