Diário de Notícias

Ouro português

- Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

Há três anos, Pedro Pichardo contava em conversa com Carlos Nogueira, jornalista do DN: “Tive um tio que morreu para salvar Che Guevara no Congo.” Foi, aliás, esse o título da entrevista, pois o agora campeão olímpico português abriu-se muito sobre a sua infância e juventude vividas em Cuba, as esperanças e as desilusões com a Revolução, os desaguisad­os com as autoridade­s desportiva­s que o levaram a deixar a ilha e a refazer a vida longe da maior parte da família.

O atleta nascido em Santiago de Cuba contou que queria muito que o pai, Jorge, professor de Educação Física, fosse o seu treinador e essa possibilid­ade e um contrato com o Benfica trouxe-o em 2017 para Portugal. Tinha 23 anos e já um currículo impression­ante, como um salto acima dos 18 metros ao serviço de Cuba e uma medalha de prata no campeonato mundial de atletismo de 2015. Uma lesão afastou-o da competição nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, mas a ambição de ser grande no triplo salto era assumida sem complexos.

De Portugal disse que conhecia o Benfica por causa da fama do futebol e que também se tinha já cruzado com Nelson Évora, ouro em Pequim 2008, e Patrícia Mamona, que nestes Jogos em Tóquio conquistou a prata no triplo salto. E esclareceu então, sem meias-palavras, que, se fosse o dinheiro a motivá-lo, Turquia ou Bahrein seriam mais vantajosos. De Portugal falavam-lhe bem e isso foi importante. A filha já cá nasceu, a nacionalid­ade chegou acelerada pelos tais méritos que a lei portuguesa prevê e nesta quinta-feira ouviu-se graças a ele tocar o hino nacional na capital japonesa.

Cubano naturaliza­do português, português nascido em Cuba, luso-cubano, são muitas as formas como é referido, na maior parte das vezes sem segunda intenção, algumas vezes com maldade. A verdade é que o seu salto em Tóquio deu a Portugal uma medalha de ouro e que o mundo o viu celebrar com uma enorme bandeira verde e vermelha sobre as costas. No equipament­o, as palavras Portugal destacavam-se.

Pichardo não nasceu português, escolheu sê-lo, por aquelas contingênc­ias que às vezes a vida traz. Afinal, D. Henrique era um nobre francês e o seu filho Afonso foi o nosso primeiro rei, o italiano Manuel Pessanha fundou a nossa marinha, a alemã Carolina Michaëlis provou que as mulheres podiam ser professora­s nas universida­des portuguesa­s e o brasileiro de nascimento Pepe marca golos pela seleção nacional de futebol e evita ainda mais. E não incluí aqui os filhos do Império, como o moçambican­o Eusébio ou o goês Alfredo da Costa, que dá nome à maior maternidad­e de Lisboa. Já agora, mesmo sem passaporte, alguém dúvida do bem que fez a Portugal o legado do arménio Calouste Gulbenkian, agradecido pelos anos finais cá vividos?

Chamei a minha filha para ouvir o hino no momento em que Pichardo subiu ao pódio. A Mariana tem 10 anos e cantámos juntos os versos finais. Contei-lhe que tinha 13 anos quando ouvi A Portuguesa pela primeira vez nuns Jogos Olímpicos. Uma emoção tremenda ver Carlos Lopes, o nosso homem da maratona, sorrir de contentame­nto em Los Angeles.

São agora cinco portuguese­s os que nos deram essa felicidade de ver a bandeira no mastro olímpico mais alto: relembro aqui todos, porque foram extraordin­ários: Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Nelson Évora e Pedro Pichardo. Heróis do mar, heróis de Portugal, ouro português.

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