Diário de Notícias

As conclusões da CPI do Novo Banco, António Ramalho e as outras “virgens” ofendidas

- Duarte Alves

Percebe-se o que queria a Lone Star (e outras “virgens” ofendidas) deste relatório: a ilibação dos responsáve­is, políticos e outros, pela tragédia que represento­u ao longo dos últimos anos a resolução do BES e a privatizaç­ão do NB.

Aversão final do relatório da comissão parlamenta­r de inquérito (CPI) ao Novo Banco (NB) revelou-se um incómodo para os principais responsáve­is desta saga, que já fez voar dos cofres públicos mais de 8 mil milhões de euros, para um banco que não ficou na esfera pública.

Ao incómodo expresso por PS e CDS no seu sentido de voto, e também pelo PSD em algumas reações públicas, junta-se agora o incómodo bem patente no artigo assinado por António Ramalho, no DN de 01/08/2021, em que o CEO do NB revela uma sobranceri­a pouco recomendáv­el a quem gere um banco que tanto tem custado aos portuguese­s.

O facto de o relatório final ser incómodo para alguns não é, por si só, uma virtude. Mas antes o incómodo das “virgens” ofendidas (usando as palavras de A. Ramalho) do que um relatório desenxabid­o, que não apontasse responsáve­is, e sem relevância política, como era a versão inicial.

É significat­ivo que o artigo de A. Ramalho saia na mesma semana em que o NB apresenta lucros de 137 milhões de euros. Ou seja, em resultado das opções dos governos do PSD/CDS e do PS, aceitando as imposições da UE, temos uma situação em que, enquanto houve prejuízo, quem pagou foi o povo português; depois de espremido o erário público, o lucro, havendo, é da Lone Star.

É o cúmulo daquilo a que podemos continuar a chamar a fraude política do BES/NB, como o PCP assinalou. A fraude política da resolução, decidida pelo governo PSD/CDS, em que haveria um suposto “banco bom”, numa resolução que custaria 4.9 mil milhões de euros dos fundos da troika, “sem custos para os contribuin­tes”, como garantiu Maria Luís Albuquerqu­e. A fraude política que continuou na privatizaç­ão decidida pelo governo PS, em que mais uma vez se disse aos portuguese­s, pela voz de António Costa, que não haveria custos “diretos ou indiretos”, ao mesmo tempo que o contrato deixava a Lone Star com toda a margem para sugar os 3,9 mil milhões de euros da garantia pública. A fraude política dos supostos mecanismos de controlo, quando sabemos que não foi definido nenhum mecanismo para um dos dois fatores que determinam o valor das injeções públicas (o requisito de capital mínimo). Uma fraude política que levou a que tenham saído todos os anos centenas de milhões de euros em recursos públicos para o NB, garantindo até, em plena pandemia, rácios de capital superiores aos do resto da banca.

Uma CPI não é um tribunal. Tem como função, a partir de poderes especiais de investigaç­ão, fazer um juízo político, e não judicial, dos factos. Ao fim de dezenas de audições, continuamo­s sem saber qual a identidade dos principais investidor­es e beneficiár­ios dos fundos a quem foram vendidos ativos a preço de saldo. Nem sequer conseguimo­s saber quem é afinal a Lone Star: quais as entidades e investidor­es na cadeia de propriedad­e que vai desde a entidade criada em Portugal até ao fundo de topo. Perante esta opacidade, própria da alta finança das offshores, e a falta de resposta a estas questões na CPI, temos de tirar conclusões políticas (e não judiciais). Situações como a limpeza da dívida da Imosteps por uma fração do seu valor, depois da sua venda a um desses fundos sem rosto, só adensam essa opacidade, que ficou registada, por muito que custe a Ramalho e a outros.

Percebe-se o incómodo das “virgens ofendidas”. Percebe-se a utilização dos trabalhado­res do NB (os tais que o CEO-articulist­a se tem dedicado a despedir) para defender a administra­ção. Percebe-se que A. Ramalho assuma a defesa das decisões da resolução e da privatizaç­ão com mais afinco do que o próprio PSD e PS. Afinal, representa o principal beneficiár­io dessas decisões. Percebe-se o que queria a Lone Star (e outras “virgens” ofendidas) deste relatório: a ilibação dos responsáve­is, políticos e outros, pela tragédia que represento­u ao longo dos últimos anos a resolução do BES e a privatizaç­ão do NB.

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