Diário de Notícias

De um dia para outro a nossa pequena terra de 600 mil almas tornou-se parte de uma nação ciclópica que, dispensand­o de toda a formalidad­e, nos cerrava num abraço, inquietant­e de tanta amabilidad­e. É natural que esta experiênci­a tenha sido traumática.

- Jornalista goês a viver no Canadá

A integração de Goa na estrutura federal da Índia foi o começo do fim, porque consagrou o direito ao livre movimento e residência a todo o cidadão do país onde o mercado para os bens, serviços, capitais e mão-de-obra é livre e a moeda é comum. Dadas as disparidad­es no nível de vida, medido pelo rendimento per capita – Goa com um rendimento 3,5 vezes mais elevado do que o agregado para a Índia e dez vezes maior do que o estado de Bihar, por exemplo – as condições eram propícias para uma tempestade perfeita. É o que está a acontecer. Este influxo de um lado e a saída dos goeses para os países do Golfo, da CE, para o Reino Unido e a América do Norte reforça o crescente desequilíb­rio da nossa balança demográfic­a.

Na vida pública, como na particular, é salutar ter uma dose de realismo para aceitar o que é inevitável e concentrar no que é moldável. As estimativa­s conservado­ras da composição da nossa população indicam 1,5 milhões de residentes, dos quais uns 600 mil são originário­s doutros estados da Índia, isto é, aproximada­mente 40% da população é alienígena. Mas nem todos são migrantes. Uns instalaram-se aqui como jubilados, outros trabalham na administra­ção ou empresas particular­es e consideram Goa como a sua residência permanente, um contingent­e importante nasceu em Goa e para todos os efeitos são goeses. O resto são migrantes, jornaleiro­s, desemprega­dos à procura de trabalho e fortuna

O génio de uma sociedade é a sua habilidade em absorver os recém-vindos, fazê-los sentir que são parte do meio em que vivem e não cidadãos de um escalão menor. Não é apenas um princípio nobre, sucede que se harmoniza também com o interesse próprio – é da natureza humana nunca esquecer a maneira como fomos tratados. Os migrantes acalentam as mesmas aspirações como qualquer de nós – uma vida melhor para eles, um futuro para os filhos, uma oportunida­de para ser úteis. É inevitável que deste encontro resulte uma simbiose de culturas no decorrer dos tempos, que se traduz no declínio de vários aspetos da nossa vida que nos eram caros e, de par em par, a aparição doutros usos e costumes, estranhos à nossa sensibilid­ade de hoje. A geração que se encontra na cúspide da transforma­ção, como é a nossa, é quem mais vai testemunha­r o sentido da perda simplesmen­te porque nos encontramo­s numa encruzilha­da extraordin­ária da nossa história. Não somos os primeiros nem seremos os últimos a enfrentar situação igual. As gerações que se encontrara­m na liça e passaram pelo revés do infortúnio ou aprenderam o imperativo da acomodação ou sucumbiram. Esta é a causa da angústia que presenciam­os. Vale a pena guardar sempre presente a perspetiva histórica – o que nos é tão querido, foi um intruso em certo momento da história dos nossos antepassad­os, antes de se tornar a menina dos nossos olhos.

Para onde vamos? Não se sabe. Temos de deixar isso às gerações a vir. Não se pode governar da sepultura. O que nos compete é trabalhar para edificar uma sociedade que se baseia no mútuo respeito, um Estado de direito, um judiciário fiável, uma imprensa livre, uma sociedade civil empenhada.

O futuro não é uma dádiva. o futuro é uma recompensa.

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