Sindicatos e patrões esticam margens do governo
Os sindicatos querem salários e redução de horários na agenda, revisitar leis da troika, e lembram que, do último acordo de 2018, ficou ainda por cumprir a taxa de rotatividade para quem contrata mais a prazo. Já os patrões insistem que a prioridade é reforçar apoios devido à pandemia e puxam no sentido oposto, por maior flexibilidade na hora de despedir.
Os parceiros sociais responderam ao pedido de contributos para a agenda do trabalho digno, apresentada pelo governo a 21 de julho, com dezenas de páginas que colocam o pacote de alterações laborais em tensão e, para já, muito longe da possibilidade de um acordo.
O pacote governamental traz, sobretudo, alterações às regras de contratação temporária e a ideia de um mecanismo para reconhecer relações de trabalho com parte das plataformas digitais (Uber, Bolt e Free Now ficam de fora). São 64 medidas, que começam a ser discutidas a 3 de setembro, que para já recebem apenas uma apreciação mais favorável por parte da UGT.
De resto, quer centrais sindicais quer organizações patronais remetem cadernos de encargos alternativos, que puxam pelas margens da negociação.
Onde o governo fala em avançar com novas limitações à contratação não permanente e em colocar a Autoridade para as CondiçõesdoTrabalho(ACT)areverter despedimentos ilícitos, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) quer mais flexibilidade para despedir (com o fundamento de renovação de quadros) e para que as empresas não sejam obrigadas a reintegrar quem foi ilegalmente despedido. Coloca ainda o tema dos apoios em resposta à pandemia à cabeça das preocupações, pedindo aqui também o fim da regra que impede quem recebe apoios de despedir e o regresso do lay-off simplificado nos moldes iniciais.
Confederação do Comércio e Serviços (CCP) e Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) fincam o pé contra a ideia de responsabilizar as empresas que usam trabalho temporário por recrutamentos que acontecem à margem da lei.
A Confederação do Turismo de Portugal (CTP) vem dizer também que “não está disponível para viabilizar alterações à legislação laboral que façam regredir ainda mais as normas do Código do Trabalho”, propondo algumas “melhorias” a montante da lei. Por exemplo, sensibilizar trabalhadores independentes quando abrem atividade em alternativa à presunção de contrato para empresários em nome individual com dependência económica.
Do lado oposto, UGT e CGTP surgem a remar juntas noutro sentido. Querem o regresso à discussão de um acordo de rendimentos, mudanças nos horários de trabalho, e revisitar a legislação da troika: indemnizações por despedimento, férias, caducidade de convenções coletivas e princípio do tratamento mais favorável nas mesmas convenções.
A UGT lembra ainda o que ficou por cumprir do acordo de Concertação Social de 2018: o agravamento de contribuições sociais para quem mais contrata a prazo, ainda por regulamentar, e a legislação sobre mínimos de inspetores ao serviço da ACT.
Trabalho temporário
As medidas para o trabalho temporário são quase um quinto da agenda que prevê mais estabilidade a alguns trabalhadores no setor. Por um lado, obrigando a que empresas utilizadoras de trabalho temporário integrem mão de obra angariada por recrutadores sem licença. CCP e CAP mostram-se contra, e acusam o governo de estar a atirar a responsabilidade por fiscalizar para quem recruta na primeira medida. Porque a proposta dá a possibilidade de o trabalhador optar por ficar antes integrado na empresa de trabalho temporário, a UGT também critica a “individualização de opções” e “margens de discricionariedade” abertas. Por outro lado, o governo pretende exigir a contratação por tempo indeterminado de trabalhadores colocados em sucessivos contratos e diferentes utilizadores pelas empresas de trabalho temporário, e admite avaliar a ideia de impor quotas de contratação permanente. Para a CCP, é uma “irracionalidade” que vem “na linha da diabolização” do
setor.
“Falsos empresários”
O governo pretende tornar claro que a lei de combate aos falsos recibos verdes também se aplica aos empresários em nome individual (ENI). Por outro lado, à semelhança do que sucede com recibos verdes, quer que no caso de empresários em nome individual dependentes em mais de 50% dos pagamentos de uma única entidade haja taxa contributiva paga por esta última. Atualmente, esta contribuição pesa até 10% dos rendimentos. Confederações patronais discordam, enquanto a UGT saúda o combate aos “falsos empresários”. A CAP levanta uma questão: nos ENI, com uma taxa contributiva já de 25,2%, a carga contributiva total chegaria nalguns casos aos 35,2%, sendo assim superior à dos trabalhadores por conta de outrem (34,75%).
Contratos a prazo
O governo fala em reforçar as regras que impedem a sucessão de contratos a prazo, temporários e de prestação de serviços para o mesmo posto de trabalho, mesmo objeto ou mesma atividade profissional. A ideia é também reforçar o poder da ACT de converter contratos a termo em contratos permanentes e assegurar que a estabilidade de vínculos pesa nos contratos públicos. A CGTP responde que “o combate à precariedade deve ser acompanhado com a revogação das normas gravosas do código de trabalho que vieram facilitar e embaratecer os despedimentos” e a UGT entende que na contratação pública se deve ir mais longe, barrando acesso a quem viole direitos laborais. Do lado dos patrões, a CCP frisa que não cabe à ACT tomar decisões pelos tribunais. CIP, pelas mesmas razões, expressa “as maiores reservas”. CTP diz que há que salvaguardar a possibilidade de contratação a prazo, que considera essencial na atividade turística.
Procura do primeiro emprego
O governo admite a possibilidade de considerar como “trabalhador à procura do primeiro emprego” (por isso, abrangido pelo período experimental de seis meses) quem não esteja dois anos consecutivos a trabalhar, ou quatro interpolados. A UGT alerta para o risco de, assim, haver trabalhadores “perpetuamente à procura do primeiro emprego”.
Período experimental
As alterações propostas pelo governo irão, em parte, responder ao juízo de inconstitucionalidade sobre a aplicação do período experimental no primeiro emprego quando os trabalhadores já antes estiveram recrutados a prazo por um período de 90 dias ou mais, adaptando a lei. Por outro, preveem “compensação” para denúncias após quatro meses de período experimental, e aviso prévio de 30 dias após essa data, além do dever de comunicação de denúncias à ACT ocorridas após três meses. As confederações patronais estão contra, com a CCP a considerar que o pagamento previsto será uma “penalização do empregador por exercer a sua liberdade contratual”.
Plataformas digitais
À margem do Código do Trabalho e deixando de fora transportes, o governo quer uma “presunção de existência de contrato de trabalho com a plataforma ou com a empresa que nela opere, afastável apenas mediante demonstração com base em indícios objetivos por parte do beneficiário de que o prestador da atividade não é trabalhador subordinado”. Para a CIP, a proposta traz “incerteza, senão mesmo, inviabilidade jurídica”. A CCP protesta: “Nunca – e nisso a doutrina e a jurisprudência são unânimes – um único indício, ademais um índice absurdo como este, apenas assente na natureza da pessoa do empregador, é suficiente para estabelecer tal presunção”.
Licenças e teletrabalho
São várias as dúvidas suscitadas pelos parceiros quanto ao alcance das medidas propostas pelo governo no que toca a alargar licenças de parentalidade com a introdução de uma licença de part-time, ou majoração de subsídios na partilha de licenças. A CIP sugere inclusivamente o estudo do impacto dos custos – também quanto à intenção de estender regimes de trabalho mais flexíveis a cuidadores informais. No direito ao teletrabalho para pais com menores até oito anos, as confederações patronais querem assegurar a possibilidade de recusa justificada.
As medidas para o trabalho temporário são quase um quinto da agenda do governo para o trabalho digno, que prevê mais estabilidade a alguns trabalhadores com este tipo de contratos.