Admirável mundo velho
Chegado ao final de julho, sinto-me insatisfeito, dormente, trôpego, ou outro adjetivo do género, com o meu quotidiano. Tudo isto porque em momentos chego a crer que sou diferente dos que me rodeiam, tal como se sentiu Bernard Marx no Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley, 1932).
O cansaço psicológico ganha ao físico e as dores do Excel superam as dores do ginásio. Não me sinto alvo das tecnologias reprodutivas nem de manipulações tecnológicas, mas a ideia de sleep-learning instala-se gradualmente. Aldous Huxley prevê-o apenas para 2054, mas eu já sinto as suas premonições na pele... As tentativas de me infiltrarem informações através de sons do quotidiano como se eu estivesse num sono profundo são recorrentes. E não, não é do calor!
Embora esta ideia de absorver conhecimento e novas informações durante o sono não tenha sido (ainda) considerada possível, é o que sinto. Mas repare-se que este sono é um sono ambulatório, que circula comigo enquanto estou acordado. E com este sonhar acordado, que me deixa inerte, dou por mim a olhar para quem me olha. Para quem me critica. Para quem me olha, aos olhos do “grande irmão”. De repente, sou teletransportado de Huxley para Orwell, com o sentimento de estar cercado no totalitarismo e na arregimentação repressiva dos meus comportamentos e sinto esta oscilação de ser ora Bernard Marx ora Winston Smith, o personagem de 1984 (George Orwell, 1949).Winston ganha preponderância nas minhas ações e apesar de eu ser um trabalhador diligente e habilidoso e muito alinhado com as diretivas da chefia, secretamente odeio o “Partido” e sonho com a rebelião. Estes dias têm o poder de me sugar o dia para uma imensidão de processos, de regras e de sequências sinuosas de coisa nenhuma, e o sentimento é de que tudo o que faço é um crime. Chega a parecer que estou num universo criado por Franz Kafka (O Processo, 1925) e que a qualquer momento vou ser processado por uma entidade inexistente e inacessível por algo que não fiz nem tão-pouco sei o que é!
Mas felizmente entra agosto e as férias destroem todo este sentimento de inércia, de imensidão de processos e de rebelião. E entre os mergulhos e os desenhos, lá vou eu esboçando os meus mundos para sobreviver a este quotidiano distópico que nos devasta.