João Almeida Moreira
El Comandante Jair
Como um país com tanto potencial político, económico e geoestratégico se permitiu eleger um presidente da República com tiques de ditador?
Que sucessão de acontecimentos levou este cidadão, nascido numa pequena cidade no interior, a cuja infância simples de classe média se seguiu o ingresso anónimo numa academia militar enquanto adolescente, a chefe de Estado e comandante das forças armadas? Não foi uma brilhante carreira como paraquedista – não, nas forças armadas cometeu até faltas disciplinares consideradas “graves” pela instituição militar.
A entrada na política, embora salpicada de posições controversas que o fizeram notado, não faria supor o sucesso eleitoral no sufrágio que o alçou à presidência com 56% dos votos.
Talvez o feroz discurso antissistema e anticorrupção da campanha, num contexto de desmoralização dos dois partidos que nas décadas anteriores dominaram o país, explique em parte a surpreendente ascensão.
Não deveria bastar: afinal, ao longo da carreira, as pesadas manifestações de nacionalismo bacoco e de antiglobalização tosca, além de misoginia e de homofobia, deviam por si só desaboná-lo aos olhos de eleitores exigentes. Mas não. E o resultado foi um governo constituído por uma multidão de militares, de um lado, e uma turba de fanáticos, do outro.
Um governo que ataca a imprensa nos dias ímpares e agride o poder judicial nos pares. E que estimula o perigosíssimo armamento da população e a não menos temerária criação de milícias.
Pelo meio, claro, entrou em conflito com a ciência. E incentivou o nepotismo, com quatro filhos a viver à conta do Estado, um deles especulado até, sem nada no currículo que o justificasse, para cargo diplomático nos Estados Unidos.
Dessa forma, sem surpresa, a imagem do país derreteu aos olhos internacionais.
É, enfim, o custo da errada interpretação da Der Sozialismus des 21. Jahrhunderts, a teoria do sociólogo alemão Heinz Dieterich, vulgarmente traduzida para “socialismo do século XXI”.
Socialismo? O Bolsonaro? Calma: cada um dos nove parágrafos iniciais referia-se ao venezuelano Hugo Chávez (1954-2013) e não ao brasileiro. Mesmo no mais pequenino dos detalhes, do paraquedismo ao descendente indicado para diplomata, passando pelos quase 56% de votos obtidos, o percurso e as atitudes de Jair Bolsonaro parecem decalcadas das de Chávez, conforme análises publicadas nos últimos dois anos e aqui compiladas, de Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa do Brasil, na TV Cultura, Edgar Baptista, ativista da oposição venezuelana, no siteThe Intercept, Jorge Castañeda, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do México e professor da NewYork University, no jornal Folha de S. Paulo, e Ariel Palácios, colunista especializado em América Latina, em O Globo. E o mais irónico é que um dos mugidos preferidos da claque do ainda presidente do Brasil contra os opositores é “vai para a Venezuela!”. Afinal, a Venezuela é que foi para o Brasil – a última prova é a ridícula parada militar de terça-feira promovida por El Comandante Jair.
O que nos leva a concluir que a primeira intuição de Bolsonaro sobre Chávez, publicada em 1999 no jornal O Estado de S. Paulo, estava certa: “Chávez é uma esperança para a América Latina e gostaria muito que esta filosofia chegasse aqui ao Brasil, acho-o ímpar, pretendo ir à Venezuela, marcar uma audiência e tentar conhecê-lo.”