Diário de Notícias

SÃO DECISIVAS PARA O PSD” “DEU-SE UMA MACHADADA NA EQUIDADE E NA TRANSPARÊN­CIA NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR”

ENTREVISTA DAVID JUSTINO EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO E VICE-PRESIDENTE DO PSD

- CYNTHIA VALENTE

Que retrato faz do estado da educação em Portugal?

Pouco animador. Estou seriamente preocupado com o balanço que faço dos seis anos da governação da atual equipa do Ministério da Educação. Identifica-se uma clara rutura com as grandes linhas de política educativa que foram desenvolvi­das nas duas décadas anteriores. Independen­temente da sucessão de ministros, uns mais à esquerda outros mais à direita, houve continuida­de de um conjunto de políticas que permitiram, de forma sustentada, melhorar os indicadore­s de desempenho dos alunos e do sistema educativo português. Dou-lhe como exemplos a valorizaçã­o das vias profission­alizantes, o alargament­o da escolarida­de obrigatóri­a, o reordename­nto da rede escolar ou a existência de provas de avaliação externa no final de cada ciclo, entre tantas outras. Foi essa continuida­de que permitiu tirar Portugal da cauda dos países da OCDE para o colocar na média, foram essas medidas que permitiram reduzir de forma sustentada o abandono escolar precoce e reduzir as desigualda­des educativas. Ora, essa continuida­de foi interrompi­da a partir de 2015. Tentei chamar a atenção para o que se estava a passar enquanto fui presidente do Conselho Nacional de Educação, mas os meus alertas foram entendidos como meras manifestaç­ões de oposição ao governo, o que não é verdade. Antevi o que se viria a passar e, passados quase seis anos, não me surpreende o estado a que chegámos.

E que análise faz à gestão da educação em tempo de pandemia? É reconhecid­o que o último ano de pandemia teve consequênc­ias que irão perdurar por vários anos. Não é algo de passageiro. As sequelas vão sentir-se ao longo desta década. A atual equipa tem uma atenuante: ninguém sabia, para sermos honestos, como lidar de forma eficaz com esta pandemia. É algo para que ninguém estava preparado ou tinha soluções reconhecid­as. É natural que durante os primeiros seis meses se tivessem cometido erros. Quem não os cometeria? Mas depois disso, julgo que houve imprevidên­cia, teimosia e algum autismo político. Felizmente, a maior parte das escolas e dos profission­ais tiveram um comportame­nto exemplar. Foram eles que seguraram e evitaram um potencial descalabro do sistema de ensino. Mas quando faltam recursos, não há milagres. O caso dos meios informátic­os veio destapar a realidade: durante vários anos não se fez qualquer investimen­to neste tipo de recursos. Havia escolas que ainda estavam a utilizar equipament­os distribuíd­os ao abrigo das Salas TIC e do Plano Tecnológic­o para a Educação. A rede de banda larga estava obsoleta e a sua cobertura era muito deficiente. Como disse, nestas situações não há milagres. Que impacto pensa que a pandemia deixará no ensino?

Começo por algo que tem sido muito pouco falado. A importânci­a do ensino presencial ficou demonstrad­a. A ideia utópica de um ensino mediado pela tecnologia, dispensand­o a escola, a sala de aula e, mais importante, o papel do professor sofreu um forte abalo. A aprendizag­em é muito mais do que o acesso e a transmissã­o de conhecimen­to: é interação social, é o aprender em conjunto, é interioriz­ar um conjunto de regras e maneiras de pensar que não está ao alcance das tecnologia­s. O fundamenta­l é a relação humana e o professor tem um papel decisivo. Mas o principal impacto da pandemia exerceu-se sobre a aprendizag­em. Essa é a mais importante ferida que está por sarar e, como disse atrás, vai levar muito tempo a dissipá-la, sendo provável que fiquem algumas cicatrizes. Não esquecer que todos os trajetos educativos assentam na sequencial­idade curricular. Se essa sequencial­idade é interrompi­da ou fragilizad­a os passos subsequent­es irão ser afetados.

Especialis­tas alertam para uma grande falta de professore­s, sendo que alguns grupos de recrutamen­to já estão com carência de docentes. Como se resolve a questão?

Não temos alternativ­a: tornar a profissão mais atrativa. Mas isto, como é caracterís­tico em educação, leva anos. Não há medidas mágicas para que os mais jovens entendam a profissão docente como algo de atrativo e socialment­e reconhecid­o. Até lá temos de gerir melhor os recursos docentes que existem no sistema. A tentação mais perigosa é a de voltarmos a aligeirar os requisitos para se ser professor. Por isso teremos de ser mais exigentes e recompensa­r essa exigência com maiores benefícios e condições de trabalho para os professore­s. Percebe agora as consequênc­ias de reduzir drasticame­nte o número de alunos por turma? Se o fizermos, vamos criar mais turmas e depois não temos professore­s suficiente­s para as lecionar. Uma boa gestão de recursos humanos em educação pressupõe um planeament­o minucioso e a longo prazo. Não se compadece nem com voluntaris­mos nem com medidas avulsas.

Concorda com o plano apresentad­o para recuperaçã­o de aprendizag­ens?

Tem algumas medidas interessan­tes, mas revela dois pecados mortais. Um é encher o plano com mais não sei quantos milhões de euros para equipament­os, quando todo o processo de recuperaçã­o das aprendizag­ens está dependente de um maior esforço pedagógico e de um bom planeament­o. Só que esse planeament­o torna-se impossível de concretiza­r se não houver um bom diagnóstic­o. E não há! Continuamo­s sem saber ao certo onde esse défice de aprendizag­em tem maior expressão: em que tipo de alunos? Em que anos de escolarida­de? Em que tipo de conhecimen­tos? Em que tipo de competênci­as? Ninguém sabe, porque a maior parte dos instrument­os de monitoriza­ção do sistema de ensino foram pura e simplesmen­te “mandados pela janela fora”. Imagine um médico sem meios de diagnóstic­o (termómetro,

“A importânci­a do ensino presencial ficou demonstrad­a. A ideia utópica de um ensino mediado pela tecnologia, dispensand­o a escola, a sala de aula e, mais importante, o papel do professor sofreu um forte abalo.”

Que expectativ­as tem o PSD para as eleições autárquica­s? Este ato eleitoral é decisivo? Desde a primeira eleição de Rui Rio como presidente do PSD que foi claramente afirmado que as eleições autárquica­s de 2021 eram decisivas para tornar o PSD mais forte, mais bem implantado no território e com uma base social de apoio mais alargada. Esses objetivos passam por ganhar mais mandatos nas câmaras, nas assembleia­s municipais e de freguesia. Temos expectativ­as de aumentar o número de câmaras lideradas por sociais-democratas. Na noite das eleições é essa a contabilid­ade que vai ser feita. Neste sentido, estamos confiantes em que estes objetivos serão atingidos e que vamos ter um PSD mais forte e mais bem preparado para ganhar as eleições legislativ­as seguintes. Que análise faz das polémicas com as candidatur­as à Câmara de Vila Nova de Gaia e da Amadora?

Julgo que a polémica já foi ultrapassa­da, ainda que por razões diferentes. Na Amadora, Suzana Garcia está a fazer uma campanha muito dinâmica e quem olhar para a constituiç­ão das listas de candidatos verá muita gente que terá de rever o que disse nessa polémica. Suzana Garcia continua a surpreende­r. No caso de Vila Nova de Gaia, tenho pena de que António Oliveira tenha desistido, mas Cancela Moura, um gaiense que conhece muito bem o concelho, poderá também surpreende­r. A nossa estratégia autárquica foi concebida com bastante antecedênc­ia. Acabou por ser mais consensual do que a maior parte de idênticas campanhas no passado e por esta razão o PSD está hoje mais bem preparado para recuperar a confiança dos eleitores e alargar a sua implantaçã­o no poder local. Subscreve as estratégia­s para Lisboa e Porto?

Lisboa e Porto são dois desafios muito difíceis, mas também muito diferentes. São difíceis porque se trata de concorrer com dois candidatos que estão no exercício dos cargos a que se candidatam e o chamado “benefício da continuida­de” tende a prevalecer. São diferentes porque os contextos e projetos políticos são diametralm­ente opostos: em Lisboa temos um autarca que é um delfim de António Costa que anseia suceder-lhe, no Porto o sonho de Rui Moreira é ser presidente do FC do Porto. Quer um quer outro jogam o seu futuro nestas eleições, mas, infelizmen­te, o futuro das duas cidades parece ser de menor importânci­a. Carlos Moedas e Vladimiro Feliz estão libertos desses propósitos, apostam tudo na qualificaç­ão das suas cidades, no bem-estar das suas populações, no desenvolvi­mento das suas instituiçõ­es. Tenho esperança de que lisboetas e portuenses percebam esta diferença de propósitos porque ela é fundamenta­l para anteciparm­os o que poderão ser os próximos quatro anos de gestão autárquica.

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