Diário de Notícias

Talibãs avançam em tempo recorde, mas EUA recusam travar retirada

Caíram 11 capitais provinciai­s numa semana. Biden diz que é tempo de os afegãos lutarem por si. Trump critica-o e alega que o seu plano incluia garantias de segurança.

- TEXTO SUSANA SALVADOR susana.f.salvador@dn.pt

Zaranj foi a primeira das 34 capitais provinciai­s do Afeganistã­o a cair nas mãos dos talibãs. Foi há uma semana. Seguiram-se, quase como dominós e à medida que se aproxima o fim da retirada das tropas dos EUA do país, Sheberghan, Sar-e-Pul, Kunduz, Taluqan... Ontem de manhã caiu Ghazni, a décima capital, que fica a apenas 150 quilómetro­s de Cabul, e a meio da tarde, Herat, a 11.ª, que é também a terceira maior cidade do país, havendo mais uma dezena de capitais sob ameaça. Para tentar conter a situação, o governo afegão terá proposto um acordo de partilha de poder em troca do fim dos combates. EUA temem que os talibãs possam assumir o controlo de Cabul já em setembro e de todo o Afeganistã­o em poucos meses.

A 13 de abril, o presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou que previa completar a saída das tropas até ao 20.º aniversári­o dos atentados do 11 de Setembro. A retirada final começou a 1 de maio e já está quase concluída, apesar de oficialmen­te ainda durar até 31 de agosto. Há quatro meses, os talibãs controlava­m menos de 20% do país e a partir de maio começaram a avançar aos poucos, controland­o agora já mais de 57% do território – incluindo 233 dos 407 distritos e seis províncias, segundo o projeto The Long War Journal, da Fundação para a Defesa das Democracia­s. Isto apesar de não terem Força Aérea e de as forças afegãs, treinadas pelos EUA, serem mais numerosas.

O ex-presidente norte-americano Donald Trump, que no ano passado negociou em Doha um acordo com os talibãs que previa a retirada até maio de 2021 mediante garantias de segurança, criticou ontem Biden. “Se eu fosse presidente, o mundo iria saber que a nossa retirada do Afeganistã­o seria uma retirada feita com troca de garantias”, disse num comunicado, defendendo que tinha falado “pessoalmen­te” com dirigentes de topo dos talibãs que tinham percebido que “o que estão a fazer agora não seria aceitável”.

Os talibãs governaram o Afeganistã­o desde 1996 até serem expulsos na invasão norte-americana após os atentados do 11 de Setembro de 2001 – depois de serem acusados de auxiliar a Al-Qaeda e o seu líder, Osama bin Laden. Apesar do atual avanço dos talibãs, os EUA não parecem dispostos a recuar na retirada. Biden defendeu esta semana que os militares norte-americanos fizeram tudo o que puderam nos últimos 20 anos e cabe agora às forças afegãs assumir o controlo. “Eles têm que lutar por eles, lutar pela sua nação”, afirmou. No passado, o presidente também tinha lembrado que ficar um pouco mais não era uma solução, “mas uma receita para ficar lá indefinida­mente”. Segundo a agência AP, já estão a ser feitos planos para uma eventual retirada do pessoal diplomátic­o norte-americano do país.

Ghazni e Herat

Ao ritmo de pelo menos uma capital provincial por dia (três no dia 8 e duas no dia 10), os talibãs vão avançando aparenteme­nte sem oposição. Ontem caíram mais duas, Ghazni e Herat. O governador da primeira, Dawood Laghmani, foi detido a caminho de Cabul por se “render sem lutar”, depois de alegadamen­te ter chegado a acordo com os talibãs para sair em segurança da província.

Em Herat, algumas horas depois, as forças governamen­tais e oficiais da administra­ção recuaram para um quartel do exército nos arredores. “Tivemos que sair da cidade para evitar mais destruição”, disse uma fonte à AFP, sendo que um porta-voz dos talibãs alegou, contudo, no Twitter que os soldados afegãos se tinham juntado a eles.

Enquanto continuam os avanços no terreno, os talibãs continuam a negociar com o governo em Doha, no Qatar. Ontem, Cabul terá proposto um acordo de partilha de poder em troca do fim dos combates. Um dos negociador­es falou à AFP da oferta de um “governo da paz”, sem dar pormenores. O presidente afegão, Ashraf Ghani, rejeitou a ideia de um governo que inclua os talibãs nas negociaçõe­s iniciadas em setembro. As autoridade­s afegãs têm contudo cada vez menos margem de manobra.

Ghazni é a capital provincial mais próxima de Cabul e um importante elo de ligação entre esta e várias províncias do sul do país ou a segunda maior cidade, Kandahar. Esta já está também na mira dos talibãs, que já terão libertado centenas de prisioneir­os de uma prisão da cidade. Herat é a terceira maior cidade e estava cercada pelos insurgente­s há várias semanas.

Centenas de milhares de pessoas já fugiram de casa, com pelo menos dez mil a procurar segurança em Cabul, onde já começam a acampar em parques e outros espaços públicos. Fogem da ameaça do regresso de um governo repressivo, que elimine os direitos das mulheres e reintroduz­a a sharia (lei islâmica) e as execuções públicas.

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 ??  ?? Militantes talibãs patrulham Ghazni, a décima capital provincial que capturaram no espaço de uma seamana. Herat também já caiu.
Militantes talibãs patrulham Ghazni, a décima capital provincial que capturaram no espaço de uma seamana. Herat também já caiu.
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