A Argélia em chamas
Seria importante dizer presente a quem nos permite um duche quente todos os dias.
Atragédia teve inicio a 3 de agosto e apenas passou a ter a atenção das televisões portuguesas nesta semana, por via do número de mortos que foi causando. Impossível não noticiar a morte de 25 militares e 17 civis directamente implicados no combate às chamas. Normal, há mercados para os quais só olhamos quando rebentam bombas ou morrem pessoas em números que vendam! O “mercado islâmico” mais próximo ou mais longínquo é geralmente estereotipado e priorizado desta forma por nós. De tal forma assim acontece que a maioria dos portugueses acha que o norte de África é só deserto. Logo, não arde!
Ora o litoral mediterrânico do Pequeno Magrebe, de Tânger à fronteira da Tunísia com a Líbia, é montanhoso e de mata equivalente à de Pedrógão Grande. Há mais de dez anos, quando a Tunísia de Ben Ali estava na moda nas agências de viagem portuguesas, um momento cómico para o turista nacional acontecia quando num dos tours um eucaliptal em franco crescimento era orgulhosamente apresentado ao microfone do ar condicionado como a solução encontrada para combater a crescente desertificação do norte do país. Até no erro somos iguais!
De regresso à tragédia no norte da Argélia, ela está a acontecer sobretudo na separatista Kabilya, o que naturalmente permite leituras políticas para além das chamas. O primeiro-ministro (PM) Aymen Benabderrahmane já veio admitir que o país não tem meios suficientes para combater esta onda incendiária que viu no dia 8 trinta deflagrações em 15 wilayas – concelhos – distintas/os. O presidente Tebboune foi peremptório ao afirmar que se trata de mão criminosa e a partir dos inimigos do exterior. Já se verificaram linchamentos populares de suspeitos incendiários, retirados à força de carros da polícia. As populações afectadas vêem o inferno e queixam-se da ausência do Estado em território de língua e costumes próprios e certamente verão ainda mais essa ausência aquando do rescaldo e da necessária reconstrução, que verá também um fluxo ainda maior de dinheiros a partir das comunidades emigradas na Europa, reforçando em tudo o sentimento independentista dos kabilyas, dentro e fora.
Ao admitir a ausência de meios eficazes para este combate o PM pediu ajuda à comunidade internacional mais próxima e a França, apesar de já ter disponibilizado meios aéreos e humanos consideráveis para o combate aos fogos na Grécia, ao abrigo do mecanismo solidário da União Europeia reservado às catástrofes naturais, vai também enviar dois Canadairs e um avião de comando para a Argélia. Marrocos também já disponibilizou dois aviões semelhantes, aguardando resposta-autorização do vizinho com quem mantém crise diplomática aguda e crescente. Espanha e Itália estarão certamente como Portugal, com os seus dispositivos preparados para as eventualidades internas, mas a dimensão mediterrânica dos primeiros não lhes permitirá ficarem de fora deste contributo humanitário.
Portugal também não deverá alhear-se desta solidariedade. Não sei como o poderá fazer, dentro das limitações conhecidas, mas seria importante dizer presente a quem nos permite um duche quente todos os dias. É verdade, dependendo em 50% do gás natural que consumimos, vindo da Argélia, caso essa torneira se feche, teremos de repensar hábitos de higiene e, antes disso, dos alinhamentos dos noticiários também!